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2. O RÁDIO E SUA TRAJETÓRIA DE TRANSFORMAÇÕES E ADAPTAÇÕES NOS

2.2 Breve história do rádio enquanto patrimônio midiático

É inegável a importância do rádio na história do Brasil, por ter acompanhado mudanças culturais, sociais, econômicas, guerras, conflitos e levado informação aos lares brasileiros. Foi o principal veículo de comunicação de massa do Brasil, entre os anos 20 e os 60 do século XX. Embora este artigo não se proponha a fazer um traçado sobre a história do rádio, tendo em vista que outros autores já deram essa contribuição, serão feitos alguns apontamentos da trajetória deste surpreendente veículo no cenário brasileiro.

A primeira irradiação radiofônica no Brasil ocorreu nas festividades do centenário da Independência, no Rio de Janeiro no dia 7 de setembro de 1922, no governo Epitácio Pessoa. O público ouviu a transmissão por meio de um sistema de alto-falantes, irradiando a solenidade para diversos pontos da então capital federal. A

Exposição do Centenário foi uma estratégia da presidência para mostrar o progresso da indústria nacional e atrair investidores estrangeiros. Logo depois, Roquette-Pinto e Henry Morize, investiram na implantação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, inaugurada em 20 de abril de 1923, apostando no rádio como instrumento para uma transformação educativa e cultural (FERRARETTO, 2000).

Nos primeiros anos de implantação do rádio no Brasil, as emissoras funcionavam em forma de clubes e se mantinham por meio do pagamento de mensalidade dos associados. Os aparelhos eram caros e só uma pequena parcela da população, inicialmente, tinha acesso ao veículo. Era comum a reunião de amigos e familiares em algumas casas com o equipamento para fazer uma audição coletiva, mais comunitária. “Foi a fase de leitura de jornais, poemas, da transmissão ao vivo de musicais, concertos, óperas e peças teatrais e, ainda, da abertura de seus microfones para conferências de intelectuais e eruditos” (FERRARETTO, 2000, p.163). Aos poucos, observou-se que o conteúdo dessa programação era “enfadonho”, mais elitista, e conquistava apenas uma parcela elitista da sociedade.

As conferências se tornavam sonolentas, os textos escritos nem sempre eram suficientemente claros para a percepção por via auditiva, as composições musicais não levavam em conta a precariedade técnica dos primeiros estúdios e os espetáculos, o teatro e a ópera, privados dos seus elementos visuais, tornavam-se ininteligíveis, aborrecidos e angustiantes para o público. A experiência demonstrava que o rádio possuía ‘suas próprias leis’ que precisavam ser preservadas. (FERRARETTO, 2000, p.163).

A primeira mudança estratégica da mídia radiofônica foi exatamente a popularização do seu conteúdo, na década de 1930, quando o veículo começou a se massificar, voltando-se mais para o entretenimento, passando a tocar músicas populares, a apresentar programas humorísticos e os famosos programas de auditório. O aparelho de audição coletiva, que unia a família, era majestosamente colocado num local especial na sala de residências que podiam arcar com o custo de um equipamento caro, até então. A inserção de publicidade foi permitida pelo Governo Vargas, o que garantiu faturamento com a venda de espaço na programação e resultou num impulso financeiro para investimentos para contratação de equipe técnica, de cantores e atores para implementar programas de músicas populares, programas humorísticos e de auditório.

Os programas populares, batizados assim tanto por seus conteúdos quanto pelo forte apelo junto aos ouvintes, marcaram época. O pioneiro do gênero foi o Programa

Casé, na Rádio Philips (MARCONDES FILHO, 2003). Com sucesso marcante, o programa inovou com o espírito empreendedor de seu criador e apresentador, trazendo para este espaço midiático grandes contribuições, como a criação de spots e jingles19. Casé20 levou ao ar o primeiro anúncio publicitário, um jingle da padaria Bragança21, então localizada em Botafogo, no Rio de Janeiro. O proprietário do estabelecimento, português Albino, dono da Padaria Bragança, foi convencido a investir no programa22. Além de Nássara, Casé tinha em sua equipe renomados compositores e redatores como Lamartine Babo, Henrique Foréis Domingues, o Almirante, precursor na veiculação de crônicas policiais.

Os anos 40 marcaram a “época de ouro” do rádio brasileiro, com os programas humorísticos e de entretenimento, além das atrativas radionovelas. O radioteatro descortinou-se na Rádio Nacional, em 1936, com transmissões de diálogos, em sua maioria humorísticos. Mas foi em 5 de junho de 1941, que os ouvintes passaram a se emocionar com a radionovela mais badalada nesse cenário, “Em busca da felicidade”, com duração de dois anos.

Neste mesmo ano, também entrou no ar o famoso Repórter Esso, precisamente em 28 de agosto de 1941, com a locução de Heron Domingues, criando um novo padrão textual para o noticiário jornalístico, caracterizando, assim, o poder de síntese radiofônica, com texto claro, objetivo, ordem direta, frases curtas, evitando os períodos intercalados. Foi um marco para o jornalismo nacional pois implementou o lide, um “jargão” técnico que expressa uma forma específica, objetiva, de iniciar um texto jornalístico. O texto passava a ter linguagem mais clara, sintética e objetiva, ao contrário da trajetória entre as décadas de 20 e 30, quando predominava o gilete press23, uma reprodução dos jornais impressos, lidos na íntegra pelos comunicadores.

19 Spot refere-se a uma “peça radiofônica publicitária conhecida popularmente como anúncio radiofônico” e o Jingle é “uma pequena peça musical cuja função é facilitar e estimular a retenção da mensagem pelo ouvinte. É geralmente curto e sua melodia é ao mesmo tempo simples e de fácil compreensão”. (BARBOSA FILHO. Gêneros Radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003).

20 O radialista Adhemar Casé era avô da atriz Regina Casé. Iniciou sua relação com o rádio, vendendo aparelhos radiofônicos até conquistar espaço para criar seu próprio programa.

21 Informações disponíveis em: <http://radionahistoria.blogspot.com.br/2014/07/o-primeiro-jingle-do- radio-brasileiro.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.

22 Disponível em: <http://radios.ebc.com.br/todas-vozes/edicao/2014-07/primeira-propaganda-em-forma- de-musica-no-radio-brasileiro> Acesso em 27 dez.2017.

23 A primeira forma de veicular uma notícia no rádio era feita da seguinte forma: recortava-se, com gilete, trechos de informações do jornal impresso para que fossem lidas na íntegra na programação radiofônica. Por isso o termo gilete press.

O jornalismo radiofônico ganhou força no início da Segunda Guerra Mundial, em função das transmissões dos noticiários da guerra. A credibilidade a partir das informações desses fatos que despertavam a atenção da população em todo o mundo consolidou mais uma função social e conferiu maior autoridade ao veículo. A voz firme de Heron Domingues, reforçou a credibilidade do Repórter Esso, com o slogan ‘testemunha ocular da história’. A fidelidade do público ouvinte era tão grande que o fim da Guerra foi anunciado por outra emissora em primeira mão, mas somente quando a informação foi irradiada no Repórter Esso as pessoas acreditaram.

Com o advento da televisão, na década de 1950, o rádio enfrentou sua primeira grande crise existencial, por assim dizer, já que ressoavam vozes de todos os cantos com previsões apocalípticas decretando seu fim. Parecia impossível disputar audiência com o fascínio de um novo meio de comunicação que associava som e imagem, num auditório virtual. No dia 18 de setembro de 1950, a TV Tupi-Difusora, de Assis Chateaubriand, inicia suas transmissões na capital paulista. Inicialmente, a TV apenas transportou o conteúdo do rádio para sua programação. A adoção de uma linguagem diferenciada foi a alternativa encontrada pelos profissionais do rádio para continuar mantendo a audiência. A despeito das previsões de que sucumbiria diante das novas mídias, o rádio continuou presente no cotidiano dos brasileiros. Buscando mecanismos de manutenção, teve como aliado o invento do transistor – dispositivo que substituiu alguns componentes do aparelho radiofônico, principalmente a válvula, permitindo o funcionamento do rádio à pilha.

Os receptores transistorizados, então, deram mobilidade ao rádio, possibilitando que o ouvinte levasse o rádio portátil para qualquer lugar, o que tornou a audição individualizada, longe de fios e tomadas. O local, até então de excelência do aparelho radiofônico, passa a ser ocupado pelos televisores, que reunia a família em torno de suas atrações. Mas, com a característica da mobilidade a seu favor, o rádio ganha um “jargão” que se manteve ao longo das décadas, de “companheiro”, “amigo” de todas as horas. Essa possibilidade começa a ser explorada pelos comunicadores de programas popularescos, aqueles que falam fazendo referência à ‘amiga dona-de-casa’, “explorando trivialidades do dia-a-dia, com conselhos de relacionamento amoroso, culinária, astrologia ou vida particular de artistas” (FERRARETTO, 2000, p. 45).

Desde então, o rádio vem se reinventando em termos de formatos, conteúdos, operacionalização, etc. O jornalismo e a prestação de serviço tornaram-se basilares para

o novo cenário radiofônico pós-televisão, garantindo maior interatividade com os ouvintes (PORCHAT, 1989, p.16). Notícias sobre o cenário político brasileiro, informações policiais, incluindo dramatização com personagens, enfim, fatos cotidianos impulsionam o jornalismo nessa mídia, que buscou maior proximidade com o cotidiano dos ouvintes. Nos anos 70 e 80 houve o boom das emissoras FM, cativando o público que passou a ouvir uma programação essencialmente musical, voltada para o público jovem, com som de melhor qualidade, linguagem descontraída, e sorteio de brindes. A programação marcada por conversa e participação do ouvinte ficou destinada às emissoras AM, mais populares. Anos depois da consolidação das FMs, rádios de faixas AM passaram a transmitir sua programação simultaneamente também em FM, associando a melhor qualidade de som da FM com a maior abrangência de irradiação da AM.

Na década de 80, outra mudança diferenciada foi a segmentação e a especialização das emissoras para atender a diversos públicos. Outra estratégia de inovação veio, nos anos 90, com a criação das emissoras all news 24, com informações 24 horas, tornando a performance do radiojornalismo ainda mais marcante, a exemplo de emissoras afiliadas da CBN - a pioneira neste segmento (tanto na faixa AM quanto na FM), Jovem Pan; Eldorado, entre outras. Na mesma fase, foi implementada a formação de redes, expandindo um canal para uma multiplicidade de ouvintes, sendo assim, outra grande inovação. Grandes corporações criaram emissoras filiais em vários estados para amplificar a irradiação de suas transmissões.

A partir daí, o jornalismo teve uma crescente participação na programação. Com as transformações do jornalismo radiofônico, o ouvinte passa a assumir uma característica mais determinante de agente ativo no processo comunicativo. Ele busca cada vez mais informações diretamente ligadas ao seu cotidiano, pauta a produção das notícias e participa como personagem dos acontecimentos. “A participação do ouvinte como repórter em programas informativos manifesta o diálogo permanente firmado entre emissoras e seu público”, assinala Sônia Virgínia Moreira (2003, p.10).

Durante muito tempo, o rádio destacou-se também por dar as notícias em primeira mão pela facilidade da transmissão “ao vivo”, ou seja, entrar no ar na programação com as notícias no momento da ocorrência do fato. Afinal, para veicular uma notícia ao vivo bastava contar com um aparelho telefônico, preferencialmente o

celular ou um radiotransmissor acoplado ao carro da emissora25 para o repórter responsável por uma determinada cobertura, seja de uma reportagem sobre problemas de bairro, de manifestações, de incêndios, acontecimentos políticos, policiais, etc. A televisão também criou aparatos tecnológicos para entrada ao vivo, todavia, a infraestrutura de uma transmissão deste porte mobiliza uma grande equipe na rua e no estúdio para tal operacionalidade, incluindo carros especiais como vans, dentre outros aparatos. Com o surgimento da internet, tornou-se possível transmitir as notícias em “tempo real”, em geral com mais agilidade que no rádio, por meio de dispositivos móveis como o celular e o computador. Aliás, assim como a televisão, a internet se apropriou da linguagem radiofônica para criar sua forma de se comunicar com o público, utilizando textos e falas objetivas, sintéticas. Aos poucos, principalmente com as redes sociais, passou a existir um vocabulário próprio da linguagem virtual, uma narrativa transmídia.