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Breve história sobre o currículo

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1 AS AVALIAÇÕES DO SISTEMA EDUCACIONAL NO BRASIL E

3.1 Breve história sobre o currículo

À palavra currículo associamos o universo escolar: o como e o que ensinar e aprender. Nesta ligação com a escola, há uma relação intrínseca do currículo com o desenvolvimento da Modernidade, pois a escola, entre tantas outras instituições sociais (o Estado, a Igreja, etc.) surgiu do pensamento racional e iluminista, além do seu universalismo. Logo, qualquer possibilidade de mudança política ou social está vinculada, também, ao espaço escolar.

Ao estudarmos o currículo, buscamos pela compreensão de como os problemas atuais da escola se constituíram a partir de discursos que, desde o surgimento do Estado de Bem- Estar no século XIX, construíram a organização e a funcionalidade do espaço escolar. A cada mudança curricular, novos focos ou formas de pensamento interferem sobre o campo simbólico da escola, consequentemente sobre a sociedade. Assim, o processo de escolarização e o currículo atuam sobre as decisões do que as crianças devem ou não aprender, pois carregam disposições, consciência e sensibilidades em relação ao mundo que descreve.

Deste modo, tomamos o currículo como:

Um conhecimento particular, historicamente formado, sobre o modo como as crianças tornam o mundo inteligível. Como tal, esforços para organizar o conhecimento escolar como currículo constituem formas de regulação social, produzidas através de estilos privilegiados de raciocínio. Aquilo que está inscrito no currículo não é apenas informação – a organização do

conhecimento corporifica formas particulares de agir, sentir, falar e “ver” o mundo e o “eu”. (POPKEWITZ, 2010, p.174)

O currículo moderno, além de fundado na disciplinaridade clássica e renascentista, se consolida com ampliação do pensamento iluminista pelo mundo, primordialmente com as palavras-magnas da revolução francesa - liberdade, igualdade e fraternidade: uma sociedade mais justa, organizada pela razão científica e pelo progresso constante, através dos quais se promove o fim das desigualdades, alçando à emancipação e à libertação política; à emancipação dos campos sociais, através de um sujeito autônomo e livre; bem como homogeneidade, universalismo, indivisibilidade, fixidez e essencialismo. Esses pressupostos constituiram a estrutura das teorias pedagógicas e educacionais, ou melhor, parte do corpo e da prática escolar, tanto para o pensamento liberal como para o pensamento crítico marxista.

A ideia de educação, que é parte essencial do senso comum moderno, está montada nas narrativas do constante progresso social, da ciência e da razão, do sujeito racional e autônomo e do papel da própria educação como instrumento de realização desses ideais. A ciência e a razão são instrumentos de progresso, o sujeito moderno é aquele que está imbuído desses mesmos propósitos e impulsos e a educação institucionalizada é quem está encarregada de produzi-lo. O sujeito educacional assim produzido encarna os ideais da narrativa moderna: emancipado, livre, racional. (SILVA, 1995, p. 248)

Consequentemente, a escola se torna o lugar ideal, peça central para a disseminação das ideias sociais e políticas do projeto moderno: justiça, igualdade e liberdade. Ela, e também o currículo, são o espaço para a transmissão dos conhecimentos, através da transmissão do conhecimento científico e da formação de um ser humano supostamente racional e autônomo. Um sujeito guiado pela ordem e pelo controle, garantindo o progresso de toda a estrutura social. Althusser (1980), ao atacar o currículo tradicional, o faz por perceber a escola como uma peça central para assegurar a sujeição do sujeito à ideologia e ao manejo das práticas promovidas por esta.

Para o autor, os alunos disponibilizam muito de sua vida (não só tempo, mas o momento de formação cultural e de identidade) na formação escolar. Isto é uma demonstração da importância do espaço escolar na formação ideológica dos alunos. Nesta questão Veiga- Neto (2011, p. 70-1) observa que:

A escola “foi sendo concebida e montada como a grande – e (mais recentemente) a mais ampla e universal – máquina capaz de fazer, dos

corpos, o objeto do poder disciplinar; e assim, torná-los dóceis”; além do mais, a escola é, depois da família (mas, muitas vezes, antes dessa) a instituição de sequestro pela qual todos passam (ou deveriam passar...) o maior tempo de suas vidas, no período da infância e da juventude. Na medida em que a permanência na escola é diária e estende ao longo de vários anos, os efeitos desse processo disciplinar de subjetivação são notáveis.

O processo de escolarização, através do currículo, produz sensibilidades, disposições e consciência sobre o mundo social, como também determina padrões de leitura do mundo. Esse processo desenvolve um caráter de ordem e disciplina sobre os indivíduos, inscrevendo sistemas simbólicos com os quais se interpreta e organiza as ações e relações sociais. Ao ensinar-se qualquer disciplina, regula-se um vasto campo simbólico de disposições, consciência e sensibilidades em relação a um mundo.

Porém, ao selecionar-se o que se deve ou não ensinar, escolher entre quais conhecimentos são válidos, ou não, entre múltiplas referências científicas, sociais, históricas e culturais, que devem ser padronizados e interiorizados, se estabelece uma relação de poder entre diferentes conhecimentos, pois se antecipa, organiza e categoriza conhecimentos que constituirão e padronizarão grupos sociais.

Por conseguinte, como espaço contestado e de disputa, o conhecimento e o currículo se recriam ao longo do tempo como uma representação das atividades sociais humanas, logo, não é estático. Assim, os conteúdos, os formatos e as práticas envolvidas se tornam a expressão de um projeto que abrange todo um campo ideológico.

Esta disputa entre diferentes concepções curriculares é marcada, de acordo com Silva (2011, p. 12), por decisões tomadas que se identificam com um currículo:

Tradicional, humanista, baseado numa concepção conservadora de cultura (fixa, estável, herdada) e do conhecimento (como fato, como informação), uma visão que se baseia numa perspectiva conservadora da função social e cultural da escola e da educação; tecnicista, em muitos aspectos similar ao tradicional, mas enfatizando as dimensões instrumentais, utilitárias e econômicas da educação; crítico, de orientação neomarxista, baseado numa análise da escola e da educação como instituições voltadas para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista: o currículo reflete a reproduz essa estrutura.

Estas contingências curriculares surgem concomitantes ao processo de massificação da educação nos Estados Unidos e em alguns países europeus de forte industrialização, como Inglaterra e França, que de acordo com Silva (2011), surgem como uma salvaguarda à

ideologia e identidade nacional mobilizadas pelas ondas de movimentos imigratórios; pela aceleração do processo industrial e urbano conduzindo para o aprimoramento escolar em quantidade e número cada vez maior de segmentos da população, que, por consequência estimularam o crescimento de uma burocracia própria à educação.

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