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1. EDUCAÇÃO ESCOLAR DE MULHERES NEGRAS

1.3. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL

Sem pretender traçar uma cronologia fiel sobre a história da educação oferecida à população negra no Brasil desde os tempos da colônia, suscitaremos a seguir alguns fatos que acreditamos pertinentes para ajudar na compreensão do trabalho aqui exposto.

Durante muito tempo, os negros não tiveram acesso á educação escolar, porque se acreditava que esse tipo de prática poderia ameaçar a estabilidade da sociedade escravista no mundo inteiro. Aqui, no Brasil, essas determinações vigoraram e podem ser confirmadas nas palavras que estabelecem a reforma do ensino, em 1837, que diz: “Eram proibidos de freqüentar a escola: os que sofressem de moléstias contagiosas e os escravos e os pretos africanos, ainda que livres e libertos”(FONSECA, 2001 p. 29). A educação dos negros era vista como perigosa e ameaçadora aos olhos da classe dominante.

Essa proibição estava baseada em duas premissas: a primeira tinha relação com o perigo que a educação causaria ao trabalhar o desenvolvimento intelectual dos negros, e a segunda estava relacionada à influência negativa que um povo sem cultura poderia causar no meio escolar.

Assim, a educação desse grupo era vista como uma ameaça porque poderia promover o desejo de liberdade ou contaminar os não - negros com os costumes de um povo “bárbaro, incivilizado e primitivo” (CUNHA,1999, p. 59). O trabalho realizado por essa autora presta excelente contribuição ao processo de discussão do branqueamento e da incivilidade dos negros perante a sociedade brasileira, marcada pelo estereótipo da feiúra e da inferioridade dos africanos como forma de justificar o comércio de seres humanos pelos colonizadores.

A proibição da difusão da leitura e da escrita entre os negros e o combate às suas influências na formação da boa sociedade brasileira estão materializados na negação de acesso aos estabelecimentos de ensino, que sempre foram tidos como importantes mecanismos de controle de uma sociedade composta por muitos trabalhadores escravos.

Depois de três décadas, houve mudanças significativas em relação à educação escolar, de modo que por volta de 1871 a educação deixou de ser considerada uma ameaça e transformou-se em importante fator de desenvolvimento social, havendo uma inversão de pensamento num curto período de tempo.

Dentre as discussões para a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871, surgiu uma concepção de educação moderna, que deveria ser estendida aos negros como um elemento útil de transição para o trabalho livre (FONSECA, 2001, p. 31).

Porém, quando se passa a estudar a condição do negro após a dita “abolição da escravatura” em 13 de maio de 1888, percebe-se claramente o desprezo com que foram tratados os libertos (FERNANDES, 1979). Depois de mais de 100 anos de “liberdade”, ainda hoje nos defrontamos com graves problemas

causados pela discriminação contra afrodescendentes4 dentro das escolas, em nosso país.

Na busca pela igualdade de direitos, de oportunidades e de superação da discriminação, tanto racial quanto da mulher, a educação escolar vem sendo utilizada como um dos principais instrumentos de discussão e proposição de estratégias de combate à violência (física, psicológica e simbólica).

Mesmo acreditando no poder da educação formal, os intelectuais militantes brasileiros, que vinham atuando desde longa data para dar visibilidade à gama de dificuldades enfrentadas pelos afrodescendentes, logo perceberam que a mesma educação que se pensa libertadora segrega. Ainda hoje, prega-se uma educação escolar do embranquecimento cultural (NASCIMENTO, 1978; MUNANGA, 1996; SANTOS, 2005). A educação, além de eurocêntrica, desqualificava / desqualifica o continente africano e inferiorizava / inferioriza os negros racialmente. Segundo Nascimento:

O sistema educacional [brasileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de discriminação cultural. [...] Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra (NASCIMENTO, 1978, p. 95).

Não é de hoje que se reivindica um tratamento para superar as desvantagens do povo negro na escola. Já na década de 50, o Teatro Experimental do Negro (TEN) preconizava o estudo do Continente Africano e dos africanos, como

4 Essa expressão afrodescendente vem sendo utilizada pelos militantes negros na contemporaneidade para identificar os descendentes de escravos africanos que por muito tempo foram tratados de forma pejorativa, relacionada à inferioridade e ao estereótipo que foi construído com base no preconceito e na discriminação racial.

também a contribuição dos negros na formação do povo brasileiro e da cultura negra. No dizer de Rasembalg (1979), as reivindicações pleiteadas pelos seus representantes primavam sobre: racismo, cultura negra, educação, trabalho, mulher negra e política internacional.

De acordo com essas idéias, o TEN oferecia educação comunitária para operários, empregados domésticos, favelados sem profissão, etc., que se reuniam à noite para aprender a ler e escrever. Além disso, também ofereciam cursos de iniciação à cultura geral, como também de teatro.

O pensamento que reinava entre os participantes do TEN conseguiu atrelar ao processo de alfabetização a valorização da “gente de cor” por meio da “compreensão de que o processo de libertação das massas dos homens de cor do seu estado de marginalização social devia se assentar na educação...” (NASCIMENTO, A. 1966 apud NASCIMENTO, E. 2003, p.289). Só assim, se poderia contribuir para modificar as condições sócio-econômicas do povo negro.

Dentre as discussões levantadas pelo TEN que privilegiavam a educação e se aproximam do tema em foco, destacamos: o combate à discriminação racial e à veiculação de idéias racistas nas escolas; melhoria das condições de acesso da comunidade negra ao ensino; reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do negro na História do Brasil; introdução de matérias como História da África e línguas africanas; participação dos negros na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares. Na próxima seção, aprofundaremos essa discussão sobre aspectos legais que envolvem a relação entre raça e cidadania.

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