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Capítulo III. O Caso Brasileiro

3.2. Breve histórico da política regional no Brasil

Desde o início do século passado, o governo federal brasileiro tem implementado políticas públicas no sentido de alavancar o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas do país. As primeiras políticas dessa natureza de que se tem registo, foram direcionadas às regiões Norte e Nordeste, com o objetivo de combater as dificuldades sociais provocadas pelos períodos de estiagens severas, que assolavam (e assolam até hoje) boa parte da região Nordeste78, e de ocupar e assegurar o controlo político do vasto território Amazónico, localizado principalmente na região Norte. São consideradas iniciativas regionais precursoras a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, em 1904, e da Superintendência de Defesa da Borracha na Amazónia, em 1912 (Brasil, 2012).

76 Para uma revisão mais completa dessas hipóteses ver o capítulo 4 de Barros (2011).

77 Mais uma vez, o trabalho é delimitado à região Nordeste, porém suas conclusões podem, em grande medida, ser extrapoladas para a região Norte, em função do processo histórico de formação dessas regiões possuírem semelhanças.

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Entretanto, a ideia de elaborar a nível federal uma política regional explícita e direcionada à convergência nacional, só veio à tona no Brasil durante a década de 1950. Segundo Monteiro Neto et al. (2017: 38), foi nessa altura em que se iniciou e ganhou força um movimento de criação institucional no âmbito da União, com a instituição do Banco do Nordeste (BNB), em 1952, e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959, ao mesmo tempo em que surgia um esforço pioneiro de diagnóstico e planeamento regional. Esse esforço, foi materializado pela criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), capitaneado pelo célebre economista Celso Furtado, que culminou na elaboração da Política de Desenvolvimento Económico do Nordeste (PDEN) – marco inicial da política regional brasileira (Senra, 2011) – lançada em 1959. Todo esse processo, que inicialmente estava circunscrito ao Nordeste, logo se estendeu às demais regiões brasileiras (exceto à região Sudeste), com a criação do Banco da Amazónia (BASA) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazónia79 (SUDAM), em 1966, da Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL) e da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), em 1967.

As superintendências – órgãos do governo federal desconcentrados – desempenhavam o papel de “braço forte” do governo federal nas suas regiões de atuação, com o objetivo de alcançar níveis regionais mais elevados de PIB per capita, por meio da atração de investimentos privados em setores industriais novos e do investimento público direto em infraestruturas económicas. Os instrumentos explícitos mais utilizados eram as isenções fiscais e os benefícios creditícios (i.e., créditos subsidiados), como mecanismos que permitiam a redução do custo de instalação e manutenção dos empreendimentos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, no sentido de compensar as deficiências do tecido produtivo e de infraestrutura das regiões menos desenvolvidas do país (Monteiro Neto et al., 2017).

Nas décadas seguintes, que abrangeram boa parte do período militar80, a política regional brasileira continuou a adotar uma abordagem tradicional com viés assistencialista,

79 O termo “Amazónia” é utilizado tanto pelo BASA quanto pela SUDAM, em razão dessas duas instituições abrangerem o território legalmente considerado como bioma amazónico. Esse território, abrange a totalidade da região Norte mais dois estados fora dela. Mais adiante, na seção destinada à análise da política regional brasileira, serão ilustradas as áreas de abrangência das superintendências regionais e essa questão ficará mais clara.

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alicerçada na teoria dos polos de crescimento de François Perroux81 (citado por Senra, 2011) e no pensamento da Escola Superior de Guerra82 (ESG), com intervenções top-down que visavam a implantação de polos regionais industriais ou agrícolas e a ocupação e integração do território nacional, via pesados investimentos em infraestruturas de transporte (Senra, 2011). No entanto, os militares atribuíram um papel preponderante às empresas estatais federais (em detrimento da atuação das superintendências), que passaram a realizar investimentos expressivos nas regiões menos desenvolvidas sob a orientação de políticas nacionais mais amplas, a exemplo dos Planos Nacionais de Desenvolvimento I e II (PNDs I e II), dando início a um tímido processo de desconcentração produtiva no país (Monteiro Neto et al., 2017).

No âmbito do PND II, ainda sob a égide dos militares, foram criados em 1974 os Fundos de Investimento do Nordeste (FINOR) e da Amazónia (FINAM); dois importantes fundos para o financiamento das atividades produtivas nas regiões menos desenvolvidas do país, que juntos movimentaram em média USD 360 milhões por ano de 1975 a 1980 (Senra, 2011).

Anos mais tarde, no período que sucedeu a redemocratização do país em 1985, o Brasil se deparou com uma conjuntura interna de deterioração aguda das finanças públicas nacionais e de grande desordem macroeconómica, em concomitância com um contexto externo de intensificação da globalização e de fortes pressões pela liberalização económica dos países. Neste cenário, o governo federal se viu forçado a abandonar as estratégias desenvolvimentistas tradicionais, pautadas em onerosas intervenções governamentais, e a aderir os ditames do chamado Consenso de Washington, reduzindo significativamente as despesas públicas e privatizando diversas estatais. Tal mudança de direcionamento, deu azo à degradação progressiva da política regional no Brasil, bem como das instituições e instrumentos a ela relacionados; as superintendências regionais foram extintas, os fundos FINOR e FINAM foram suspensos e as isenções fiscais foram reduzidas.

À parte desta tendência de desmantelamento da política regional brasileira, vale destacar a criação, em 1989, dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), que passaram a disponibilizar crédito subsidiado às atividades produtivas daquelas regiões, preferencialmente às micro e pequenas empresas

81 Perroux, François (1950), “Economic space: theory and applications”, Quarterly Journal of

Economics, 64 (1), pp.89-104.

82 Órgão do governo federal, vinculado ao Ministério da Defesa, destinado à elaboração de estudos e à produção de conhecimento para o planeamento da defesa nacional.

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e a pequenos produtores rurais. Além disso, em 1999, anos depois da estabilização macroeconómica em decorrência do êxito do Plano Real, o governo federal criou o Ministério da Integração Nacional (MI), com o propósito de relançar as bases para a elaboração e implementação de uma política nacional de desenvolvimento regional integrada, que superasse a visão meramente assistencialista do desenvolvimento regional, em prol de uma nova abordagem que buscasse o desenvolvimento via valorização do potencial endógeno de todas as regiões.

Não obstante, a política regional, assim como a atuação do governo federal como um todo no âmbito da promoção do desenvolvimento económico, viveu um processo de forte retrocesso, dando origem a uma espécie de “vácuo” institucional nas regiões menos desenvolvidas. Tal fato, levou os estados a preencherem esse espaço como indutores do crescimento económico, substituindo, na atração de investimentos exógenos, os benefícios federais de outrora por isenções fiscais de tributos estaduais, em meio ao que se tornou uma verdadeira guerra fiscal entre eles, contrariando flagrantemente a própria lógica de não intervenção que vigorava à época (Senra, 2011).

Com a melhora do contexto económico interno e externo no decorrer dos anos 2000, o governo federal se viu novamente capaz de assumir o protagonismo das políticas de desenvolvimento em geral, e das políticas regionais em particular. Desse modo, em 2003, inspirado na experiência da UE, o MI finalmente rompeu com a prática de programas de desenvolvimento isolados e propôs a criação da primeira Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR I), que viria a se concretizar em 2007.

A PNDR I adotava uma compreensão inovadora da dinâmica territorial, baseada na coordenação multinível de todos os entes governamentais e no enfrentamento da questão regional em diversas dimensões (e.g., social, económica e ambiental), dando ênfase às vantagens competitivas de cada região e estendendo o escopo de atuação da política a todo o território nacional. A política tinha como objetivo “[…] a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento […]” (Brasil, 2007: 1) e dispunha dos seguintes instrumentos83: os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro- Oeste (FNO, FNE e FCO, que já haviam sido criados em 1989); os Fundos de Desenvolvimento da Amazónia e do Nordeste (FDA e FDNE), criados em 2001 com o

83 Os instrumentos relacionados ainda estão em funcionamento no âmbito da nova PNDR e serão analisados em mais detalhes na seção seguinte.

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intuito de suprir a lacuna deixada pelo encerramento do FINAM e do FINOR, e o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO), criado em 2009 para abranger o Centro-Oeste; além dos incentivos fiscais remanescentes (desde a década de 1960) às empresas que se localizassem nas áreas prioritárias da política.

Para a operacionalização desses instrumentos, o governo federal reforçou a estrutura organizacional do MI, recriando e vinculando àquele ministério a SUDAM e a SUDENE, em 2007, além da SUDECO84, em 2009, a fim de que estas assumissem a gestão e a implementação da PNDR I, bem como a governança regional da política nas suas respetivas áreas de atuação. Por fim, considerando que os instrumentos de financiamento da PNDR I eram exclusivamente direcionados às atividades produtivas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em um sistema de créditos bancários subsidiados e de isenções de tributos incidentes sobre os lucros, foi proposta a criação de um fundo de abrangência nacional, que pudesse disponibilizar recursos expressivos não reembolsáveis a projetos estratégicos sem capacidade de geração de receitas; o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

Entretanto, apesar de ser crucial para o êxito da PNDR I, o FNDR, cuja tramitação estava inserida no bojo de uma ampla reforma tributária que visava, inter alia, o fim da guerra fiscal entre os estados, não chegou a ser criado e acabou por cair no esquecimento do legislativo brasileiro diante do impasse em relação à reforma. Para Monteiro Neto et al. (2017), esse foi um dos principais motivos que inviabilizaram a capacidade da PNDR I de transformar a dinâmica regional, fazendo com que a política se deparasse com restrições incontornáveis à sua atuação adequada, uma vez que os seus limitados recursos minavam a sua eficácia e o poder de articulação e coordenação das superintendências e do MI, junto aos governos estaduais e municipais e, até mesmo, junto aos demais ministérios setoriais.

Adicionalmente, no que concerne às superintendências, o expetável fortalecimento institucional por parte do governo federal também não se concretizou, limitando a capacidade das mesmas para desempenharem o papel central de ente regional encarregado pela articulação e coordenação das intervenções nas regiões.

Em face da eficácia questionável e da dificuldade de governança enfrentada pela PNDR I, expostas em uma série de acórdãos do Tribunal de Contas da União, o governo federal, por intermédio da Casa Civil da Presidência da República, criou, em 2018, um grupo de trabalho composto por diversos órgãos federais direta e indiretamente relacionados ao

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tratamento da problemática regional brasileira, com o objetivo de analisar em profundidade a política e propor um novo marco legal para a mesma, corrigindo eventuais falhas no seu modelo de governança, na sua estratégia, nos seus instrumentos de atuação, nos seus objetivos, bem como outros aspetos institucionais que estivessem a inviabilizá-la.

Com efeito, foi elaborada e apresentada uma proposta85 de revisão da PNDR I, que viria a ser aprovada por meio do Decreto nº 9.810, de 30 de maio de 2019 (Brasil, 2019), instituindo a nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR II), a qual constitui o objeto de estudo deste trabalho e que, portanto, será analisada em mais detalhes nas seções seguintes.

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