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Breve histórico dos livros analisados

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CAPÍTULO 2 O LIVRO DIDÁTICO BRASILEIRO

2.5. Breve histórico dos livros analisados

O ensino de História do Brasil teve como marco a criação da Cadeira de História do Brasil no Colégio Pedro II, em meados do século XIX. Até então, o currículo da escola secundária no Brasil contemplava apenas a disciplina de História Geral da Civilização, sendo que o ensino de História do Brasil ficava contido nesta, na forma de apêndice, na fase final dos cursos. Com a criação da Cadeira de História do Brasil, inicia-se uma produção de manuais didáticos de História do Brasil. Um momento marcante nesse percurso foi a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, fundado em 1839. O Instituto foi responsável pela construção da história da nação, marcada por um saber de cunho oficial e de “exaltação e glória da pátria”, reforçando os símbolos, monumentos, medalhas e hinos. Visão marcada pela historiografia tradicional, na qual o conhecimento histórico era organizado a partir da cronologia, a predominância dos fatos políticos, ali os documentos eram lidos como verdade indiscutível e havia recusa em analisar os fatos recentes. A produção do conhecimento histórico pelo IHGB foi, também, marcada pelo debate em torno da questão racial na formação do Brasil. O negro era visto a partir de uma visão determinista e fatalista quanto a sua impossibilidade de integração à sociedade. Ou seja, a formulação biológica foi consolidada para explicar as diferenças e superioridade dos europeus brancos.

Os manuais didáticos desse período eram marcados pelas posições que seus autores ocupavam nos setores educacionais, editoriais e experiência didática. Os dois primeiros autores analisados fizeram parte do seleto grupo de educadores do Colégio Pedro II e, dispunham de prestigio nacional como homens de ciências e letras e prepararam durante décadas as elites nacionais.

Os autores e livros utilizados para análise nesta dissertação foram colocados em ordem cronológica para facilitar a localização dos textos estudados no terceiro capítulo. As obras são:

- História do Brasil – curso superior, de João Ribeiro. Publicado em 1935 para ser utilizado no ensino secundário do Colégio Pedro II. As referências sobre a escravidão aparecem em três capítulos diferentes. No capítulo II – Tentativa de unidade e organização de defesa; no item “As três raças – a sociedade” (07 páginas); no capítulo VI – A formação - do - Brasil, no item “A escravidão negra” (12 páginas); no capítulo XI – O Império: Progresso da democracia -, nos itens “Revolta dos negros na Bahia” (03 páginas); “A Abolição” (04 páginas); perfazendo um total de 26 páginas num total de 540 páginas. O livro não apresenta ilustrações.

- História do Brasil, de Rocha Pombo. Foi publicado em 1948 com o objetivo de ser utilizado nas aulas dos dois últimos anos do curso secundário, como também para servir de material de consulta para professores do ensino primário e do ginásio. Portanto, caracteriza-se por ser uma obra mais completa, com mais informações históricas do que suas produções didáticas anteriores.

O livro é composto de 24 capítulos, que vão desde o Descobrimento do Brasil até a Proclamação da República. Possui 533 páginas, com 90 ilustrações, em sua maioria retratos de personagens ligadas à vida político-administrativa do Brasil, retratos de jesuítas, de bandeirantes, cenas da vida indígena (três imagens), mapas, ilustrações da arquitetura e paisagens. Em relação aos escravos negros traz apenas uma ilustração no item referente ao tráfico, a reprodução de uma prancha de Rugendas intitulada ‘transporte dos negros para o Brasil’, reproduzido no terceiro capítulo.

No geral o livro segue as marcas tradicionais de periodização da História do Brasil, seguindo os fatos político-administrativos que marcaram a formação da

nação. Os dois livros foram indicados para uso no Colégio Pedro II (Ginásio Nacional) e, em decorrência, também indicados em outras instituições do ensino secundário, com edições até meados da década de 60.

- História do Brasil, de R. Haddock Lobo. Publicado em 1955, narra desde o descobrimento do Brasil até o governo de Getúlio Vargas. Composto de 10 capítulos, com 199 páginas das quais 07 trazem relatos sobre os negros. Possui 81 ilustrações, na maioria retratos de personagens ligadas à vida político-administrativa do Brasil, jesuítas e bandeirantes, imagens de presidentes, cenas da vida indígena (cinco imagens), três mapas, e várias paisagens de cidades brasileiras, especialmente Rio de Janeiro e Salvador. Em relação aos escravos negros traz apenas duas ilustrações no item referente ao tráfico, uma delas, negros com colar de ferro será reproduzida no terceiro capítulo.

- História do Brasil, de Armando Souto Maior. Publicado em 1965, possui 423 páginas, 21 relatando a escravidão, a abolição e a vida dos negros na sociedade. Está dividido em 21 unidades, narrando da origem de Portugal à República Contemporânea. O livro não apresenta nenhuma ilustração.

- História do Brasil, de Arnaldo Fazoli Filho. Publicado em 1977, com 383 páginas divididas em 40 capítulos, narra desde a Península Ibérica no processo de evolução européia até o governo de Ernesto Geisel. O livro não apresenta ilustrações. Apenas 06 páginas tratam de conteúdos relacionados aos negros, da chegada ao Brasil até a abolição.

- História do Brasil, de Antonio Pedro. Publicado em 1987, possui 256 páginas divididas em 07 unidades e 38 capítulos. Narra desde a invenção do Brasil até o governo de José Sarney. Apresenta 95 ilustrações, na maioria mapas, das quais 08 referem-se aos negros, e 11 páginas relatam a chegada do negro ao Brasil, o escravo como mão-de-obra e a abolição.

-Toda a História: História Gera e História do Brasil, de José Jobson Arruda e Nelson Piletti. Publicado em 1998, é dividido em 06 unidades e 106 capítulos, em um total de 403 páginas. Traz textos que narram desde “Os primeiros habitantes da Terra” até o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, sempre com textos breves. O capítulo 54 tem o título A presença negra nas Américas, traçando a

trajetória dos negros no continente e no Brasil desde a chegada até a resistência nos quilombos em apenas 02 páginas! Volta a falar dos negros no capítulo 75, relatando os fatos do Segundo Reinado. O livro utiliza menos de uma página para relatar o movimento abolicionista e a abolição da escravidão. Não apresenta nenhuma ilustração.

- História Global: Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim. Publicado em 2002, contem 608 páginas divididas em 57 capítulos, sendo que o número de páginas destinadas ao negro são 12. Estas narram a chegada do negro ao Brasil, todo o período da escravidão, a abolição e a Revolta da Chibata na Primeira República. O livro possui 341 ilustrações, das quais 07 têm relação com negros. O restante são mapas, figuras de políticos e imagens das grandes civilizações.

De modo geral observa-se que os livros destinados ao Ensino Secundário, ou Ensino Médio, trazem os conteúdos de forma bem resumida, isto porque neste grau de instrução os currículos contemplam a História Geral e do Brasil. Esta grande quantidade de conteúdos dificulta de certa forma, a análise dos processos históricos, que não devem ser muito longos. Primeiro porque se tornarão cansativos para o aluno; segundo porque o tempo destinado para estudá-los são apenas três anos; terceiro, porque o número de aulas destinadas a Historia na matriz curricular é pequeno (em média duas aulas semanais); por último, o tamanho do livro que até pouco tempo atrás deveria caber na mochila e no bolso do estudante de Segundo Grau e atualmente deve ser condizente com as verbas governamentais destinadas para a compra dos mesmos.

Quanto à temática do negro notamos que pouca importância é dada em todos os livros didáticos analisados. Poucas páginas são destinadas à questão do negro em toda a História do Brasil, no entanto capítulos que tratam de temáticas de cunho europeu, como a Revolução Francesa e Reforma Religiosa, por exemplo, recebem uma atenção maior no número de páginas. No livro de Gilberto Cotrim, por exemplo, as temáticas citadas ocupam 18 páginas, enquanto toda a trajetória do negro no território brasileiro num período de mais de trezentos anos de escravidão ocupam 12 páginas. Isso sem ressaltar que após a abolição, somente é feita uma menção ao negro na Revolta da Chibata, e depois o negro sai de cena. Nada mais nas narrativas lembram o negro. Ele fica totalmente excluído da História brasileira da Primeira República até os nossos dias.

CAPÍTULO 3 - A África e a escravidão no livro didático de História

O texto do livro didático é o produto do ato de enunciação de um autor (narrador) que se dirige, explicita ou implicitamente, a um leitor que interpreta e decodifica a mensagem. Nenhum texto é peça isolada, nem pura manifestação de individualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para através dele, marca uma posição, ou participar de um debate de escala mais ampla que está sendo travada na sociedade.

3.1- O trabalho escravo

A escravidão foi, por muito tempo, praticada por europeus e árabes na África negra, com a justificativa de que em todo o continente a escravidão era praticada. Foi considerada justa quando os portugueses escravizavam os mouros, considerados infiéis pelos cristãos. A infidelidade religiosa acabou sendo estendida também aos negros africanos, tornando-se uma justificativa para a sua escravização.

A escravidão para as nações negras era a pena de quase todos os delictos; o pae podia vender os filhos, o juiz (o sova) podia condemnar qualquer à escravidão; o rei podia escravizar os vassalos e a guerra podia escravizar a todos. D’esse princípio bárbaro (cuja execução facilitavam ou procuravam originar), aproveitavam-se os traficantes comprando e resgatando a ímpia propriedade. Desde logo a cúbica dos Paes, o arbítrio dos reis e dos sovas, e o direito da guerra convulsionou como um terremoto todo o sertão negro; as famílias se desmembram,as rixas se multiplicam, as guerras se ateiam, a caça humana se institue; o resgate dos negreiros é apenas o triste epilogo das grandes conflagrações, cujo rastilho elles accendiam de longe na foz deserta dos rios ou à beira do Oceano. (1935:246)

A imagem do escravo africano que conhecemos através dos livros didáticos foi criada pelos traficantes de escravos, governantes, comerciantes e todos aqueles que precisavam justificar suas ações, eximirem-se de qualquer culpa e deixar em oculto as verdadeiras intenções em relação à escravização do negro africano. O texto acima extraído do livro de João Ribeiro, publicado na década de 30, ilustra bem essa situação. Porém, como apontamos no primeiro capítulo, a escravidão existente na África antes da chegada do europeu era completamente diferente daquela descrita nos livros didáticos. Existiu em várias sociedades africanas a

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