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Breve histórico da Influenza e da pandemia A (H1N1) 2009

2. RECORTE BIOPOLÍTICO 1 – EPIDEMIOLOGIA

2.1 Breve histórico da Influenza e da pandemia A (H1N1) 2009

Apesar das reservas dos cientistas, é possível reportar eventos de pandemias de influ- enza em relatos históricos e na literatura antiga. A memória coletiva dos povos marcou a in- fluenza ou gripe, como uma mesma entidade mórbida, seja ela em sua forma epidêmica ou pandêmica (ABRÃO, 2009). Hipócrates foi supostamente um dos primeiros a descrever as moléstias causadas pela influenza em 412 a.C. na Grécia, e nos séculos XII, XIV e XV na Europa a influenza também pode ser identificada pelos sintomas e pela ação do vírus, já em níveis de contaminação pandêmica (ABRÃO, 2009; TOLEDO JUNIOR; COSTA, 2006). O surto de influenza em 1173 e outros até 1500 na Europa carecem de registros para que se te- nha certeza da contaminação pelo vírus da influenza, entretanto, o surto de 1510, que iniciou na África e rapidamente se espalhou para a Europa, e os surtos de 1557 e 1580, são historica- mente comprovados por pesquisadores da história da medicina, que reconstruíram a rota da contaminação, iniciada na Ásia, espalhando-se para a África e então para a Europa. Segundo Potter (1998, apud POTTER, 2001), os registros mostram que toda a Europa foi contaminada em um período de seis meses e em seguida a infecção espalhou-se para a América.

Nos últimos 400 anos, as epidemias de influenza têm sido registradas em muitos paí- ses. As epidemias desde o século XVI na Inglaterra e desde o século XVIII nos Estados Uni- dos são reconhecidas como influenza, ainda que o agente causador não seja reconhecido pre- cisamente (AYORA-TALAVERA, 1999). Apesar desta cepa viral ser sempre referida pelo nome de Influenza, foi apenas a partir do século XVIII que o nome se popularizou mundial- mente, em função de um surto de gripe na Itália relacionado a influencia do frio - Influenza di

freddo (TOLEDO JUNIOR; COSTA, 2006; ABRÃO, 2009). Desde 1932, quando o vírus

influenza foi isolado em laboratório, a história das infecções pode ser registrada e confirmada por diagnose laboratorial. Desta forma, observando os sintomas relacionados, tais como febre, dor muscular e prostração, pode-se inferir que as epidemias usualmente ocorrem subitamente, infectando uma grande porcentagem da população e desaparecendo após algumas semanas ou meses (POTTER, 2001).

O vírus da influenza humana foi isolado em 1932, por Sir Christopher Andrewes, Wil- son Smith e Sir Patrick Laidlaw, que o denominaram tipo A. Em 1939 o tipo B foi isolado

pelo Dr. Francis e o tipo C pelo Dr. Taylor, em 1950. A descoberta do Dr. Burnet em 1936 contribuiu para o desenvolvimento de cultivo do vírus em ovos embrionados, o que mais tarde pode servir para o desenvolvimento das primeiras vacinas baseadas em vírus inativados em 1945, nos Estados Unidos, e que ainda é a principal droga para o controle da gripe (TOLEDO JUNIOR; COSTA, 2006). A influenza é uma das infecções respiratórias de maior impacto em humanos, responsável por 250.000 até 500.000 mortes anualmente. Dos três tipos de vírus influenza, A, B e C, o tipo A é associado a epidemias sazonais em regiões temperadas, de mais persistente transmissão nos trópicos, e pandemias ocasionais de larga escala caracteriza- das por incremento de morbidade e mortalidade (HOLMES; Et al, 2010).

Embora o vírus influenza tenha estado presente entre os humanos há muito tempo e seja responsável por incontáveis mortes, o episódio de 1918, mais conhecido como Gripe Es- panhola ainda ecoa nos dias de hoje, especialmente acompanhado de um tom de aviso sobre um possível retorno pandêmico (UJVARI, 2003; TOLEDO JUNIOR; COSTA, 2006). Co- mumente, o vírus da gripe7 não atingiu a humanidade com grandes números de mortes, que geralmente eram relacionadas a complicações decorrentes de pneumonia ou outros fatores, mas o ano de 1918 experimentou o surgimento maciço da cepa viral A (H1N1) causando um número de mortes nunca visto em populações jovens, facilitados pela disseminação através dos combatentes militares no último ano da Primeira Grande Guerra. Aproximadamente um quinto da população mundial foi acometido pela doença nos anos de 1918 e 1919 com uma taxa de mortalidade chegando ao redor de 1,2%, significando a morte de 22 milhões de pesso- as, três vezes mais que os 8 milhões causados pela guerra em si. Obviamente os percentuais de morte variaram de região para região, como 0,5% nos Estados Unidos e 25% em Samoa (UJVARI, 2003).

Segundo Potter (2001), os históricos de epidemias de influenza apresentam alguns pontos em comum. Primeiro, as epidemias tendem a ocorrer em meses de inverno, quando está frio, úmido e em locais densamente povoados; segundo, as epidemias mais recentes têm iniciado em países do hemisfério sul, principalmente na porção oriental, e logo se disseminam para a América do Norte e Europa nos períodos de inverno; e terceiro, as epidemias tendem a ocorrer quando há variações antigênicas nas cepas anteriores do vírus. O monitoramento das

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A palavra "gripe" provém do francês "grippe", termo empregado no início do século 14 com o sentido de "gan- cho" ou "garra". Na primeira metade do século 17, o termo "grippe" era utilizado com o sentido de "capricho, desejo repentino". A partir do século 18 "grippe" passou a denominar "o catarro epidêmico", em uma extensão do sentido de "capricho", provavelmente pelo fato da doença ser adquirida de modo repentino, como um desejo caprichoso do destino (TUOTO, 2009).

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variações antigênicas do vírus da influenza é a chave para antecipar epidemias e desenvolver vacinas baseadas nas usadas anteriormente, incorporando características da nova cepa.

Em 17 de abril de 2009, o novo vírus influenza A (H1N1) apareceu no México e Esta- dos Unidos, sendo identificado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americanos. No final do mês de abril, o novo vírus havia sido detectado em dez países de quatro continentes, sendo este o começo da primeira pandemia do século XXI (DÍAZ, 2009). Essa nova cepa, designada como pandêmica (H1N1) 2009, mostrou a habilidade de se espalhar entre a população humana e rapidamente pode ser encontrada em todos os continen- tes (BARKEMA, H; VAN DER MEER, F; ORSEL, K. 2010). A cepa foi chamada de “gripe suína” e tem fortes similaridades com o vírus influenza suíno circulante, contudo, o primeiro surto em uma fazenda de criação de suínos data de mais de 2 meses após as primeiras infor- mações de contaminações em humanos.

Apesar disto, o fato de a gripe A (H1N1) poder ser relacionada às indústrias norte- americanas de produção de carne suína, na vila mexicana de La Gloria, em Vera Cruz, fez com que autores, tais como Sant’Anna (2009), dessem um caráter conspiratório às pesquisas, afirmando que a origem da gripe se deu nas granjas da empresa Smithfield Foods, mais espe- cificamente na granja Carroll, devido à grande quantidade de dejetos suínos misturados a an- tibióticos, o que teria causado uma mutação genética no vírus da influenza. Mas os saltos de doenças entre espécies já é esperado, como afirma Porter (2004), pois desde o neolítico as criações de gado contribuíram com a tuberculose e a varíola ao reservatório patogênico hu- mano, além dos porcos e patos com as transmissões de suas gripes e cavalos com a transmis- são do rinovírus. O sarampo resultou do salto viral da cinomose canina para o gado e então para os humanos. Um outro caso bastante conhecido, a encefalopatia espongiforme, mais co- nhecida como doença da vaca louca, é responsável pela doença de Creutzfeldt-Jakob8 (POR- TER, 2004).

O vírus da gripe A (H1N1) é transmitido de pessoa para pessoa, provavelmente nas mesmas condições do vírus da gripe comum, isto é, por meio de tosse, espirro ou contato de secreções infectadas. Segundo o boletim epidemiológico paulista (VRANJAC, 2009), o subti- po viral influenza A (H1N1) 2009, resultante da recombinação genética do vírus suíno, aviá- rio e humano, apresentou atualmente disseminação global e transmissão sustentada no Méxi-

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A Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma doença fatal que ataca o sistema nervoso central. Embora exista uma grande variação nas manifestações clínicas, ela geralmente é caracterizada por demência rapidamente pro- gressiva, associada a contrações musculares involuntárias. A DCJ foi inicialmente descrita na Alemanha, em 1920, e desde então uma incidência aproximada de um caso para cada 1 milhão de pessoas tem sido registrada. Especula-se que a doença tenha distribuição mundial (informação disponível o Portal da Saúde do Ministério da Saúde: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1548 ).

co, Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, Chile e Argentina. Assim, em 11 de junho de 2009, a Organização Mundial de Saúde (OMS), após reunião de seu Comitê de Emergên- cia, elevou o alerta dessa Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional para fase seis (nível máximo).

A gripe espanhola, de 1918 não foi o primeiro surto de influenza, mas foi provavel- mente o mais devastador até o momento, pois as pessoas estavam desavisadas sobre a nature- za da doença. As duas últimas pandemias (gripe asiática H2N2 de 1957 e a gripe de Hong Kong H3N2 de 1968), anteriores a de 2009, permitiram ao mundo científico um melhor en- tendimento do agente causador da doença.

Desde as primeiras observações registradas sobre os sintomas da influenza em suínos existiam suspeitas de que as gripes humanas e suínas fossem doenças similares. Entretanto, a exata rota de transmissão entre espécies (porco-homem; homem-porco) continua não resolvi- da. Até agora todas as mesmas pandemias (Espanhola, Asiática, Hong Kong) foram causadas por vírus influenza de origem aviária. A disseminação da pandemia (H1N1) 2009 (pH1N1) marcou a primeira pandemia de influenza de origem suína nas últimas décadas (BARKEMA; VAN DER MEER; ORSEL, 2010).

Os vírus de influenza A são caracterizados com base no envolto de glicoproteínas he- maglutinina (H ou HA) e neuramidase (N ou NA). Até agora, a população humana tem sido confrontada em uma escala epidêmica com três diferentes tipos de HA: H1, H2 e H3. Não existe razão para excluir a possibilidade de humanos serem infectados por todas as outras va- riantes, isso já foi reportado para H5, H7 e H9. Os vírus de influenza A são membros da famí- lia Orthomyxoviridae, do qual é composto de envolto, RNA de fita negativa. O genoma da influenza A consiste em oito segmentos gênicos HA, NA, matriz proteica, núcleo proteína, polimerase A, polimerase B1 e B2 e uma proteína não estrutural codificada para 11 proteínas diferentes. Dezesseis subtipos de HA (H1-H16) e nove subtipos de NA têm sido encontrados até o momento (N1-N9) (BARKEMA; VAN DER MEER; ORSEL, 2010).

Uma nova pandemia de gripe humana, portanto, pode ser causada por um vírus influ- enza que contém uma composição antigênica HA até então desconhecido para os seres huma- nos. Além disso, o tipo de NA contribui para a geração de anticorpos após a exposição ao sistema imune. O surto da gripe de Hong Kong (H3N2) mostrou que a neuramidase (NA) induziu uma proteção limitada, uma vez que N2 tinha algumas semelhanças antigênicas do tipo NA encontradas na gripe H2N2 asiática. À luz disto, não é de estranhar que o surgimento de infecções humanas por gripe aviária H5N1, com uma taxa de mortalidade humana atual de

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60%, levou a um esforço internacional para impedir a propagação deste vírus específico (BARKEMA; VAN DER MEER; ORSEL, 2010).

No caso da necessidade de evitar a propagação de uma gripe, como a produção da va- cina para a gripe A (H1N1), segue-se basicamente o mesmo procedimento utilizado desde a década de 1950, com o uso de ovos de galinha embrionados. Para produzir o vírus que será inoculado nas pessoas, é necessário um ambiente estéril e favorável. O ovo oferece ambos. Como o embrião ainda não tem o sistema imune desenvolvido, não há resposta contra o vírus, e seus tecidos e sua casca garantem que o interior seja isolado e só contenha células do ani- mal. O processo de seleção dos ovos a serem utilizados é bastante trabalhoso e custoso, pois estes não podem ser simplesmente estocados, eles precisam ser trazidos continuamente na fase certa, entre 7 e 19 dias, serem abertos para o vírus ser inoculado, fechados e incubados pelo período certo. Tais detalhes fazem com que seja difícil uma produção em larga escala e sem interrupção. Se o vírus errado for inoculado, pode comprometer todo o processo. Após as primeiras doses serem produzidas, começam os testes para verificar a eficácia da vacina. (LAMARINO, 2009).

No Brasil, a produção da vacina para a gripe A (H1N1) é realizada pelo Instituto Bu- tantã, em uma fábrica construída especialmente para responder à ameaça da pandemia aviária H5N1. Os ovos utilizados na produção das vacinas são cuidadosamente selecionados pelo Instituto Butantã, que designou uma granja especialmente para esta produção. A expectativa para 2009 de produção da vacina era de atingir a meta de 30 milhões de doses e importar mais 18 milhões, para que se pudesse imunizar 25% da população brasileira (SANT’ANNA; MU- NIZ, 2009).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o dia 06 de agosto de 2010, mais de 214 países e territórios ou comunidades além-mar reportaram casos confirmados da pandemia de influenza H1N1 2009, incluindo mais de 18449 mortes (Figura 3).

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ções atualizadas sobre a situação da influenza não mais serão postadas no site da Disease Outbreak News” (WHO, 2010).ii

Como vimos neste capítulo, a Influenza é uma doença conhecida pela humanidade a bastante tempo, especialmente por ter causado grande número de mortes em determinados períodos históricos. O desenvolvimento da epidemiologia, da tecnologia e um melhor enten- dimento científico proporcionaram consideráveis melhoras na saúde das populações, especi- almente nos dias de hoje onde os CDCs estão em constante alerta para “novas” epidemias, como foi o caso da cepa viral A (H1N1) 2009. A seguir, propomos um comparativo entre as campanhas de vacinação da varíola no Rio de Janeiro em 1904 e as campanhas de vacinação contra a gripe A (H1N1) no ano de 2009.

Seria possível traçar um paralelo entre duas campanhas de vacinação brasileiras em períodos históricos distintos? Acreditamos que sim. Vamos utilizar dos conceitos desenvolvi- dos, sobre biopoder para fazer um comparativo entre as campanhas de vacinação contra a va- ríola em 1904 no Rio de Janeiro, que resultou no episódio da Revolta da Vacina, e nas cam- panhas de vacinação contra a gripe A (H1N1) ocorrida no ano de 2009. Iniciaremos então com um breve histórico das duas pandemias e o desenvolvimento de suas respectivas vacinas, para após entrarmos no contexto brasileiro e suas particularidades.

Desde a Idade Média até o século XIX, entre vários povos do mundo, as tentativas de prevenção da varíola ligaram-se a tradicional crença da medicina popular de que era possível evitar certas doenças através da aplicação ritualizada de material similar à moléstia que se queria prevenir, o que possibilitou a prática da “variolação” (AQUINO, 2003). No início do século XVII, a varíola era uma das doenças transmissíveis mais temíveis no mundo, atingindo a maioria das pessoas e representando uma alta taxa de mortalidade. Lady Mary Montagu, esposa do embaixador inglês em Istambul, observou que a doença poderia ser evitada através de uma técnica utilizada pelos muçulmanos, com a introdução, na pele de indivíduos sadios, de líquido extraído de crostas de varíola de um paciente infectado. Esse processo, conhecido por "variolação", provavelmente teve origem na China e foi levado à Europa Ocidental. Em- bora tenha provocado vários casos de morte, foi largamente utilizado na Inglaterra e nos EUA, até surgirem as primeiras investigações do médico inglês Edward Jenner, publicadas no trabalho Variolae Vaccinae, em 1798 (FEIJÓ; SÁFADI, 2006).

Jenner estudou camponeses que desenvolviam uma condição benigna conhecida por

vaccinia, devido ao contato com vacas infectadas por varíola bovina, desenvolvendo as pri-

meiras técnicas de imunização. Entretanto, a relação causa-efeito entre a presença de micror- ganismos patogênicos e as doenças foram estabelecidas apenas em 1870 por Louis Pasteur e Robert Koch. Para homenagear Jenner, Pasteur deu o nome de Vacina a qualquer preparação de um agente que fosse utilizado para imunização de uma doença infecciosa. Em 1885 Pasteur desenvolve a vacina contra a raiva humana, dando início a uma nova era na área da imunolo- gia (FEIJÓ; SÁFADI, 2006).

Trazendo a varíola para o contexto brasileiro, especialmente no final do século XIX e início do século XX, temos pontos muito importantes a serem discutidos antes do aconteci- mento denominado Revolta da Vacina. As primeiras referências feitas ao Brasil lhe dão o títu-

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lo de “Paraíso”, pela abundância natural encontrada no ano de 1500. Mas, muito tempo de- pois, este mesmo “Paraíso” tornou-se “Inferno”, pelos conflitos com os nativos, falta de re- cursos e especialmente pelas doenças que assolaram a terra (BERTOLLI, 1996). Mais tarde, as condições de insalubridade no Brasil, especialmente nos grandes portos, como do Rio de Janeiro, trouxeram a ideia de um “morredouro” para os estrangeiros, que eram aconselhados a fazerem escala e desembarcarem em Buenos Aires. Do navio italiano Lombardia, recém che- gado ao Rio de Janeiro em 1895, 234 dos 340 tripulantes morreram em função de contamina- ções (UJVARI, 2003). Portanto, frente ao grande desenvolvimento europeu, que necessitava dos recursos e do comércio de suas colônias, fazia-se necessário uma reestruturação das soci- edades periféricas, o que incluía o Brasil. Para que os europeus e os senhores do capital brasi- leiro pudessem coordenar seu capital e não terem prejuízos em função de uma mão de obra constantemente doente, era necessário que a modernização se desse também no âmbito da saúde pública, uma modernização que tornasse o Brasil uma “Europa nos trópicos” (AQUI- NO, 2003).

Esta modernização da saúde só seria possível com a criação de centros de formação de médicos no Brasil. Desta forma, por ordem real, foram criadas as academias médico- cirúrgicas do Rio de Janeiro em 1813 e da Bahia em 1815. Em 1829, por ordem de dom Pedro I é criada a Imperial Academia de Medicina, que reunia os principais clínicos do Rio de Janei- ro, funcionando assim como órgão consultivo do imperador nas questões ligadas a saúde pú- blica nacional. Mas a medicina que assim assumia uma função de guia do Estado, para assun- tos sanitários, enfrentou as mudanças científicas que a transformaram radicalmente. As ideias tradicionais relacionadas aos miasmas foram postas a prova pelos conceitos de bacteriologia e fisiologia, que se desenvolveram na Europa e eram amplamente divulgados por Louis Pasteur e Claude Bernard. Embora a resistência dos professores das faculdades de medicina do país fosse grande, pouco a pouco um novo campo de estudos tomou forma no Brasil, focalizado, principalmente, o estudo e prevenção de doenças. Esta nova área científica foi chamada então de Medicina Pública, ou simplesmente Saúde Pública, e era complementada por um núcleo de pesquisa de enfermidades que atingiam a população, a Epidemiologia (BERTOLLI, 1996).

A insurreição denominada de Revolta da Vacina, ocorrida no ano de 1904, foi clara- mente um reflexo do momento em que a sociedade brasileira passava por importantes trans- formações. A constituição de uma sociedade urbanizada e burguesa, resultado da adaptação do Brasil aos padrões europeus econômicos e técnico-científicos foi acompanhada por fortes movimentos populares, que afinal, eram forçados a se submeter ao novo ordenamento. A re- volta da vacina foi desencadeada portanto, pelo pretexto imediato da vacinação obrigatória

contra a varíola no Rio de Janeiro, então capital federal do país (SEVCENKO, 2010). No ano de 1903, Osvaldo Cruz foi nomeado o diretor da saúde pública do Brasil, tendo como meta

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