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Breve nota sobre a categoria “estudante indígena” ou “acadêmico/a indígena”

PARTE I – AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O INGRESSO DE ESTUDANTES

CAPÍTULO 02 – ALGUNS ASPECTOS ACERCA DA IMPLEMENTAÇÃO DE

2.3. Breve nota sobre a categoria “estudante indígena” ou “acadêmico/a indígena”

CAPÍTULO 2 – ALGUNS ASPECTOS ACERCA DA IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES AFIRMATIVAS

2.1. Visitando alguns casos de ações afirmativas em cursos regulares (não específicos) 58

Em uma direção completamente diferente das Licenciaturas Interculturais, estão as modalidades de ações afirmativas implementadas em cursos regulares. Com relação a esse cenário, o que houve em boa parte das universidades públicas brasileiras foi uma profusão de propostas de ação afirmativa distintas, que pouco ou nada possuíam de diálogo com movimentos e organizações indígenas. Entre os anos de 2002 e 2012, segundo Carvalho (2016, p. 76), “o princípio das escolhas parece ter sido o da diferenciação: cada nova universidade que aprovava ações afirmativas introduzia algum marcador de singularidade ou emblema de originalidade com relação a todas as anteriores”.

Algumas delas, porém, mantiveram um importante diferencial em consonância com as demandas dos movimentos negro e indígenas: enquanto o movimento negro demandava uma divisão das vagas existentes nas universidades simbolizada pelo termo “cotas” – que, conforme vimos, “remete diretamente a uma demanda por inclusão e partilha de poder que surge dos sujeitos excluídos” (Ibid.) –, a proposta dos movimentos e organizações indígenas era pela criação de vagas suplementares àquelas já existentes nos cursos. Tratou-se de “uma qualidade distinta de entendimento: enquanto as cotas estão em uma lógica de divisão, as vagas [para indígenas] estão em uma lógica de adição” (CARVALHO, 2016, p. 68). Além disso, entendia-se também que vagas adicionais deviam ser preenchidas por meio de outros processos seletivos (que não o regular/convencional), criados somente para essa finalidade, cuja concorrência se daria exclusivamente entre candidatas/os indígenas. O que passou a ser comumente denominado de sistema diferenciado59.

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Os exemplos são apenas ilustrativos, para que se possa ter alguma dimensão da variedade de formatos de ações afirmativas adotados nas IES públicas brasileiras. Portanto, não faremos uma reflexão aprofundada sobre eles, o que exigiria um trabalho a parte para cada um. Para tanto, sugerimos os trabalhos de Paulino (2008) e Amaral (2010) sobre as experiências ocorridas nas IES públicas do Paraná; Santos (2016) sobre a presença indígena nas universidades do Estado do Mato Grosso do Sul; Lisboa (2017) sobre o caso da UFRR; e meu trabalho anterior (DAL’ BÓ, 2010) sobre os primeiros anos de ingresso de estudantes indígenas na UFSCar; entre outros.

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Em entrevista concedida em 2007 a Santos (2010, p. 14, grifo nosso), a professora Jane Beltrão, do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, utiliza esse termo para se referir à criação da primeira proposta de seleção direcionada exclusivamente a candidatas/os indígenas. Assim, ela afirma: “Eles [os/as candidatos/as indígenas] reclamaram, sobretudo, da prova de línguas. E aí a gente, em função das reclamações, porque eu divulguei o edital, a gente divulgou, e aí eles reclamaram, a gente foi, fez uma proposta diferenciada que é o edital que a gente vai divulgar agora. Que a gente tá chamando de diferenciado, onde eles vão fazer uma seleção com uma carta-proposta dizendo o que é que eles querem fazer dentro do mestrado. Eles vão ter bolsa da Ford”.

Esse propósito de distinção colocado pelos movimentos indígenas parece representar mais do que um cálculo matemático com relação à quantidade de vagas e seu preenchimento; trata-se, possivelmente, de um contorno à questão do caráter igualitário presente nessa modalidade de ações afirmativas. Ou seja, o caráter diferenciador das vagas e dos processos seletivos existe para que se respeite o direito dos povos indígenas de serem reconhecidos enquanto coletividades que possuem modos de vida diferenciados (do restante da população brasileira, incluindo outras parcelas da população que são também atendidas pelas políticas afirmativas, como a população negra).

Pois, é em consonância com seus modos de vida que os povos indígenas construíram (e constroem) relações com instituições estatais e não governamentais ao longo do tempo, resultando em uma multiplicidade de experiências e trajetórias de escolarização. Desse modo, eles reivindicam que essa multiplicidade seja considerada tanto nos modos de acesso à universidade, quanto nas experiências de formação, conforme veremos mais a frente. Do contrário, ao desconsiderarem as trajetórias específicas e diferenciadas dos povos indígenas, tais políticas acabariam por subsumi-los a processos que percebem a existência apenas de indivíduos, sem diferenças entre si, cidadãos em busca de uma “igualdade futura”. Mais do que um desrespeito, trata-se de um risco à possibilidade de outros modos de existência, como aponta Gersem Luciano Baniwa (2012, p. 19, grifo nosso):

As Universidades Públicas consideram o direito de ingresso ao ensino superior de forma individualizado. A individualização dos indígenas é um risco e uma ameaça aos princípios e modos próprios de vida indígena. Do ponto de vista dos direitos coletivos dos povos indígenas, as vagas reservadas pelas IES não são dos indivíduos, mas das coletividades indígenas (povos). Neste caso, são essas coletividades as responsáveis pelas escolhas dos seus candidatos e dos cursos de seus interesses, assim como pelo acompanhamento de todo o processo de formação e sua reinserção à comunidade60.

Contudo, a decisão sobre adotar ou não ações afirmativas, e a partir de quais modalidades e mecanismos, sempre esteve a cargo apenas das próprias universidades, haja vista que até o ano de 2012 não havia nenhuma legislação nacional que regulamentasse e padronizasse as políticas de ação afirmativa no país. A inexistência de uma legislação podia ser vista, por um lado, como positiva, por oferecer liberdade para que as instituições

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Ainda que concordemos com o ponto principal da citação, motivo pelo qual a ela aludimos, vemos um problema no argumento final, que generaliza as diversas situações e condições em que se passam as experiências de ingresso e formação de estudantes indígenas nas universidades. Especialmente, porque, como destacamos na nota 45, no capítulo anterior, o que se entende por coletividade entre os povos indígenas pode variar circunstancialmente, em um processo de conformação e deformação de coletivos que não cessa de ser atualizado (ver também Mainardi 2015).

elaborassem programas que melhor se adequassem às demandas dos movimentos sociais. Por outro lado, ela podia ser considerada negativa justamente pelo mesmo motivo, pois essa grande variedade de possibilidades acabou resultando, em alguns casos, em propostas que se distanciaram dessas demandas, não surtindo efeitos entre as populações atendidas pelos programas. Ademais, a falta de uma legislação desobrigava as universidades a adotarem ações afirmativas, o que acontecia somente devido às pressões dos movimentos sociais, sobretudo os movimentos negro e indígena e, incluindo, em muitos casos, os movimentos estudantis.

Vamos a alguns exemplos.

2.1.1. Na graduação

Em 2001, o Estado do Paraná aprovou a Lei 13.134, que determinou a criação de três novas vagas em cursos regulares das universidades estaduais “para serem disputadas entre os índios integrantes das sociedades indígenas paranaenses” (redação da Lei). Segundo informa Paulino (2016, p. 124): “Os candidatos, desde 2001, são selecionados via vestibular específico, o chamado ‘Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná’ (que totalizou 12 edições realizadas até o ano de 2012)”. Em 2005, a UFPR passou a compor esse quadro, porém atendendo a candidatas/os indígenas de todo o país, mas pelo mesmo processo seletivo. Em 2006, as vagas das universidades estaduais foram ampliadas para seis61.

Apesar de pioneira na adoção de ações afirmativas entre as IES públicas brasileiras, Amaral (2010, p. 177) demonstra que a elaboração da proposta que culminou na experiência do Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná ocorreu sem consulta e participação das comunidades indígenas e das próprias universidades:

Segundo registros analisados, o referido deputado [Deputado Estadual Cézar Silvestre] elaborou a proposta em conjunto com o Assessor de Assuntos Indígenas do Estado do Paraná, na época, Edívio Battisttelli, não havendo consulta formal e discussões com as lideranças e comunidades indígenas para elaboração e apresentação deste projeto de lei, sendo informados aos índios e às Universidades Estaduais paranaenses apenas a aprovação da Lei e o seu conteúdo já definido.

Além disso, sua efetivação não gerou grande repercussão a nível nacional, mantendo um caráter local, sem a construção de diálogo com outros povos indígenas e outras IES. O que não significa, entretanto, que do início até os dias de hoje, seus efeitos tenham sido pequenos

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Conforme alteração instituída pela Lei 14.995/2006. Disponível em: http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=4440. Último acesso em 18/10/2017.

ou pouco relevantes para as/os estudantes indígenas e para as próprias instituições envolvidas com essa experiência. Muito pelo contrário, como também afirma o autor (Ibid., p. 174):

A experiência paranaense nasceu institucionalizada – sem ouvir as organizações e lideranças indígenas na sua elaboração – e desenvolveu-se insolitamente – sem dialogar com outros povos indígenas e outras IES públicas no país. Evidencia, contudo, trajetórias de estudantes indígenas – muitos destes, lideranças e professores –, de professores e pesquisadores universitários e das próprias IES públicas envolvidas que sinalizam e revelam possibilidades de recompor na experiência universitária relações mais dialógicas, interculturais e de saberes com os povos tradicionais.

É interessante também observar que um dos motivos da pouca repercussão apontado por Capelo e Paulino (2004 citados por Amaral 2010) seria o mecanismo de vagas suplementares, que não interfere nas vagas dos/as demais candidatos/as (não indígenas), gerando poucas disputas e posições contrárias:

A fixação de 3 vagas excedentes em cada universidade estadual constituiu um argumento irrecusável, pois foi um mecanismo que evitou ferir direitos dos não índios no que se refere às vagas nas universidades. De certo modo, essa estratégia, ainda que eivada de um certo populismo, evitou problemas semelhantes aos que ocorreram no Rio de Janeiro, onde o sistema de cotas para negros nas universidades funcionou mediante um percentual sobre as vagas já existentes. Quantitativamente as vagas abertas não atendem as necessidades e as demandas que aumentam a cada ano que passa. Ter clareza que se trata de uma alternativa paliativa e não uma solução definitiva é fundamental para se garantir que a luta política continue sendo levada a efeito em várias frentes concomitantemente.

Em 2003 e 2004, “anos cruciais para o enraizamento das ações afirmativas no Brasil” (CARVALHO, 2016, p. 74), a repercussão em torno dessas políticas cresceu, devido, especialmente, à sua implementação pela UERJ e pela UnB, respectivamente nesses anos – dois casos que se diferem entre si e que possuem disputas sobre o melhor modelo a ser adotado62. No entanto, o ingresso de estudantes indígenas costuma estar fora da pauta de disputas e polêmicas, que se volta, mais avidamente, aos debates sobre inclusão racial.

As ações afirmativas na UERJ foram amparadas, inicialmente, pela Lei Estadual 4.151, instituída em 2003, que afirmava em seu parágrafo 2º: “deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes carentes no percentual mínimo

62 Do ponto de vista das/os atores e pesquisadores das ações afirmativas na UnB: “O modelo da UnB foi conceituado para acolher todo o potencial inclusivo e emancipatório da comunidade negra; o modelo da UERJ reduziu drasticamente esse potencial ao limitar as cotas apenas aos negros pobres. Em vez de reforçar o protagonismo instalado com a reivindicação primariamente racial e étnica dos movimentos negros e indígenas, a UERJ inverteu o sentido de prioridade da luta antirracista e propôs, a partir do condicionante básico de renda, a incisão de várias categorias de sujeitos. Ao fazer essa escolha, ela condicionou a inclusão de negros (justamente a demanda que deu concretude a todo o movimento nacional das cotas) a outra demanda tida como primordial” (CARVALHO, 2016, p. 75).

total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma: 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino; 20% (vinte por cento) para negros; e 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor e integrantes de minorias étnicas” (grifo nosso). Não houve alteração no processo de seleção desses/as estudantes, em função de atender “ao princípio da igualdade”, estabelecendo ainda “a adoção do sistema de autodeclaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas” (art. 1º §3 da lei) 63. Em 2008, o sistema de cotas foi substituído e alterado pela Lei Estadual 5.346, que manteve intacto o art. 1º, em que afirmava que o sistema de cotas deveria ser adotado pelas universidades estaduais, por dez anos, para estudantes “desde que carentes”. A modificação se deu no art. 2º, que apresentou nova divisão das reservas, conforme segue: “As cotas de vagas para ingresso nas universidades estaduais serão as seguintes, respectivamente: 20% (vinte por cento) para os estudantes negros e indígenas; 20 % (vinte por cento) para os estudantes oriundos da rede pública de ensino; 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço” 64. O restante não foi modificado.

Nota-se que o ingresso de estudantes indígenas está conjugado ao de estudantes negros/as, colocando-os/as em concorrência pela mesma porcentagem de reserva de vagas. Nesse caso, portanto, não há mecanismo diferenciado para candidatos/as indígenas. Talvez, justamente por isso, não se houve falar da presença de estudantes indígenas nessa instituição. O que não significa que ela não exista, mas que a inexistência de um tratamento voltado especialmente para esses/as estudantes desde os mecanismos de ingresso pode gerar o desconhecimento e a invisibilidade de suas presenças. Da mesma forma, não encontramos nenhum material que disponibilize informações ou que discuta acerca da presença de estudantes indígenas na UERJ.

A UnB, de outro modo, aprovou em 2003 a adoção de ações afirmativas a partir de dois processos, que ocorriam separadamente. Um deles voltava-se ao preenchimento de uma “cota” de 20% do total de vagas dos cursos de graduação para pessoas autodeclaradas negras; e o outro ao preenchimento de vagas adicionais em alguns cursos de graduação para

63 Governo do Estado do Rio de Janeiro, Lei 4.151/03.

Disponível em:

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/e9589b9aabd9cac8032564fe0065abb4/e50b5bf653e6040983256d9c0060 6969?OpenDocument. Último acesso em 06/11/2017.

64 Governo do Estado do Rio de Janeiro, Lei 4.151/03.

Disponível em:

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1b96527e90c0548083257520005c1 5df?OpenDocument. Último acesso em 08/11/2017.

autodeclarados/as indígenas. Para a realização do primeiro processo destinado à seleção de candidatas/os indígenas, em 2004, foi firmado um convênio com a FUNAI, que previa, entre outras coisas, “indica[r] os cursos de interesse das comunidades indígenas, encaminha[r] os candidatos e proporciona[r] auxílio que garanta a manutenção dos aprovados em Brasília” 65

. Nesse ano de 2004, foram oferecidas ao todo 10 vagas adicionais divididas entre os cursos de agronomia, enfermagem e obstetrícia, engenharia florestal, medicina e nutrição. Inicialmente, as vagas foram destinadas a estudantes indígenas que já cursavam o ensino superior em instituições privadas de Brasília e, a partir do segundo semestre, para estudantes que não haviam previamente ingressado em cursos de graduação (DAL BÓ, 2010, p. 28).

Em 2013, ao completar dez anos da adoção de ações afirmativas, a universidade realizou uma avaliação da política, conforme havia previsto. O documento, intitulado “Análise do Sistema de Cotas para Negros da Universidade de Brasília”, apesar de afirmar como objetivo “subsidiar a universidade nas discussões e deliberações acerca da política de ação afirmativa” (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2013, p. 03), apresenta apenas dados sobre o rendimento de estudantes que ingressaram por meio do “sistema de cotas para negros”, sem nenhuma informação a respeito de estudantes indígenas. A única menção a esses/as estudantes aparece no tópico que defende a manutenção do modelo de ações afirmativas já adotado, em oposição à sua modificação devido aos critérios instituídos pela Lei Federal 12.711/2012 (Lei de Cotas, que será discutida a frente). Em 2014, os colegiados da UnB se reuniram para decidir sobre esse aspecto. Por decisão da maioria, a universidade adotou o sistema de cotas sociais previsto pela Lei de Cotas, mas manteve o sistema de cotas raciais já existente (com reserva de vagas para autodeclarados/as negros/as, sem restrição de critérios de renda e formação escolar), diminuindo a porcentagem da reserva de 20% para 5% das vagas nos cursos de graduação. A decisão também contemplava a manutenção do sistema de vagas adicionais dirigido a candidatos/as indígenas. Contudo, em reportagem publicada em 19/04/2017 pela Secretaria de Comunicação da UnB (Secom UnB), informava-se que a Associação dos Acadêmicos Indígenas da universidade (AAI-UnB) havia entregue um documento reivindicando a realização do “vestibular específico” que, segundo diziam, não era realizado “há mais de três anos e que a presença de indígenas vem diminuindo ano a ano na instituição” 66. Em 2015, atendendo ao pedido, a universidade firmou novo convênio com a FUNAI (Acordo de Cooperação Técnica no. 002/2015), conforme informa reportagem da

65 Segundo constava no Comunicado intitulado Admissão – Vestibular para indígenas na UnB, 2008 (DAL BÓ, 2010, p. 29). O comunicado não está mais disponível para acesso na internet.

66 Reportagem disponível em: http://noticias.unb.br/publicacoes/67-ensino/1424-indigenas-reivindicam- realizacao-de-vestibular-especifico. Último acesso em 09/11/2017.

Secom de 09 de junho de 201767. Desse modo, em 2017, foi realizado o “Vestibular Indígena UnB/FUNAI 2017”, para ingresso em 2018. Conforme consta no edital do processo seletivo, foram oferecidas vagas adicionais nos cursos de administração, ciência política, ciências naturais (diurno e noturno), ciências sociais (antropologia/sociologia), comunicação organizacional, direito (diurno e noturno), enfermagem, engenharia florestal, fisioterapia, gestão ambiental, gestão de agronegócio (diurno e noturno), jornalismo, medicina, nutrição, psicologia, saúde coletiva e serviço social (diurno e noturno); totalizando um número de 72 vagas (na maioria dos cursos, houve oferta de 02 vagas por semestre) 68.

É interessante observar que, para candidatos/as indígenas, aplica-se o critério de obrigatoriedade de formação prévia no ensino médio “em escolas de rede pública ou da rede particular, desde que por meio de bolsa de estudos integral ou parcial” (critério disposto no item 3.1 do edital Vestibular Indígena UnB/FUNAI 2017). Esse critério, contudo, não se estende ao sistema de cotas raciais, destinado a candidatos/as negros/as. Em reportagem do jornal Correio Braziliense publicada em 04 de abril de 2014, José Jorge de Carvalho, professor de Antropologia da UnB e coordenador do INCTI, defendeu a inexistência desse critério para as cotas raciais ao justificar que: “Não é uma questão social. A discriminação é pela cor da pele. O negro de escola particular, algumas vezes até bolsista, também sofre preconceito. É uma vitória enorme [a manutenção das cotas raciais]” 69

. A meu ver, isso também deveria ser considerado para estudantes indígenas, cujos preconceitos sofridos estão muito além de suas situações socioeconômicas.

Outro dado controverso está no item 10.4 do edital, que dispõe sobre a terceira fase do processo seletivo para candidatos/as indígenas, denominada de “Entrevista Pessoal”. O item informa: “A entrevista será realizada considerando o seguinte critério: demonstração de conhecimento da sua realidade indígena e de ter envolvimento com essa realidade, de acordo com o descrito na Declaração de Residência e Pertencimento Étnico e no Questionário Sociocultural” (grifo nosso). Na referida Declaração (que se encontra no anexo IV do edital), exige-se a indicação da “aldeia indígena” na qual o/a candidato/a “é pertencente e aldeado(a)”

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Reportagem disponível em: https://noticias.unb.br/publicacoes/67-ensino/1566-unb-destinara-novas-vagas- para-estudantes-indigenas. Último acesso em 09/11/2017. O Acordo de Cooperação Técnica no. 002/2015 entre UnB e FUNAI não foi encontrado.

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O Edital encontra-se disponível em:

http://www.cespe.unb.br/vestibular/VESTUNB_18_1_2_INDIGENA/arquivos/ED_1_2017_VESTUNB_18_1_2 _INDIGENA_ABT.PDF. Último acesso em 09/11/2017.

69 Reportagem de Manoela Alcântara, disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-

estudante/ensino_ensinosuperior/2014/04/04/ensino_ensinosuperior_interna,421348/unb-aprova-reducao-para-5- nas-cotas-raciais.shtml. Último acesso em 09/11/2017.

e a assinatura de três “lideranças”, que também indicam seus nomes e números de documentos civis, como RG e CPF. O Questionário Sociocultural (disponível no anexo V do edital), por sua vez, solicita uma série de informações aos/às candidatos/as, descritas abaixo:

2. Etnia. 3. Nasceu em comunidade indígena? Qual? 4. Vive em comunidade indígena? Qual? 5. Saiu da comunidade indígena? Caso sim, por que e com que idade? 6. Escolas que cursou o ensino médio [indicação dos nomes]. 7. Frequenta comunidade indígena? Com que finalidade e com que frequência? 8. Quais dos seus parentes são indígenas? (Escrever os nomes, etnias e o grau de parentesco por extenso, até o 3º. Grau e até, no máximo, 10 nomes). 9. Sua família tem mais de uma etnia indígena? Se sim, em qual delas você foi criado? 10. Você é falante de língua indígena? Qual? Com que fluência? 11. Quais as tradições indígenas que você mantém? Informe detalhadamente. 11. [informe] Relacionamento detalhado com a comunidade indígena.

Não sendo suficiente essa quantidade enorme de questionamentos a respeito do “envolvimento com a realidade indígena”, que vai desde “frequência em comunidade indígena” até “tradições mantidas”, o edital dispõe ainda de um sexto anexo, que não possui

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