• Nenhum resultado encontrado

O principal problema da neurobiologia do olfato é determinar como o cére- bro discrimina um odor de outro [Wilson e Stevenson 2003]. Diversos trabalhos nas últimas décadas levaram a uma visão mais ou menos consensual sobre al- guns aspectos da representação e do processamento de odores pelo sistema olfatório [Buck 1996, Mori, Nagao e Yoshihara 1999]. O reconhecimento da importância des- ses trabalhos foi feito recentemente com a atribuição do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2004 a Richard Axel e Linda B. Buck pelo seu trabalho de descoberta dos genes codificadores das proteínas dos receptores de odores no epitélio olfatório [Buck e Axel 1991].

Nos mamíferos, o ar inalado entra pelas narinas e segue até a sua parte mais dorsal onde está localizado o epitélio olfatório, uma fina camada de células sensí- veis às moléculas dos odores [Kandel, Schwartz e Jessell 2000]. O epitélio olfatório contém da ordem de 106 a 107 neurônios sensoriais (neurônios receptores olfatórios).

Acredita-se que cada um desses neurônios receptores olfatórios expresse nas suas membranas celulares um único receptor molecular selecionado de um reper- tório de aproximadamente 1000 receptores (a maior super–família de genes do genoma dos mamíferos). Um receptor molecular olfatório não reconhece molécu- las inteiras, mas características físico–químicas específicas das moléculas odorantes [Araneda, Firestein e Kini 2000]. Isto sugere que um dado neurônio receptor olfató- rio responde a umas poucas moléculas odorantes – aquelas que possuem as caracterí- sticas específicas para se ligar ao receptor molecular expresso pelo neurônio.

No epitélio, os neurônios receptores olfatórios que expressam um dado recep- tor têm sua distribuição espacial restrita a uma de quatro zonas distintas (Figura 2.11), sendo que dentro da sua zona correspondente os neurônios receptores estão amplamente dispersos e misturados com outros neurônios receptores que expressam receptores diferentes. Isto implica que moléculas odorantes diferentes são codifica-

Bulbo Olfatório Zona I Zona II Zona III Zona IV Moléculas

Odorantes Receptor Olfatório Zona III

Zona IV Zona II

Zona I

Glomérulo

Figura 2.11: Esquema do padrão de conexões entre o epitélio olfatório e o bulbo ol- fatório. O epitélio é dividido em quatro zonas (I, II, III e IV) e os tipos de neurônios receptores que estão em uma zona não são encontrados em outras zonas. Os neurô- nios receptores de uma dada zona do epitélio enviam projeções para glomérulos da zona correspondente (I, II, III e IV) no bulbo olfatório. Os axônios dos neurônios receptores que expressam o mesmo receptor de características moleculares (em preto ou cinza na figura) convergem para um único glomérulo específico no bulbo olfatório. Figura baseada na Figura 2 de [Mori, Nagao e Yoshihara 1999].

das no epitélio olfatório por diferentes combinações espaciais – com sobreposição – de neurônios receptores olfatórios [Malnic et al. 1999]. O ponto importante a ser notado aqui é que esse esquema combinatorial de codificação implica em uma repre- sentação temporalmente invariante de odores no epitélio olfatório [Laurent 1997].

Na projeção da informação do epitélio olfatório para o bulbo olfatório ocorre uma convergência notavelmente precisa dos axônios dos neurônios receptores olfa- tórios sobre estruturas denominadas glomérulos (Figura 2.11). Os glomérulos são estruturas aproximadamente esféricas dentro das quais os axônios vindos dos neurô- nios receptores olfatórios do epitélio fazem sinapses excitatórias com dendritos de neurônios mitrais e tufosos (que serão denominados aqui como neurônios m/t para simplificar), que são os neurônios de saída do bulbo olfatório(Figura 2.12).

O padrão de conexões entre o epitélio e o bulbo é tal que todos os neurônios receptores olfatórios que expressam um dado receptor convergem seus axônios para um pequeno número de glomérulos – talvez para apenas um na maioria dos ca- sos [Mori, Nagao e Yoshihara 1999]. Essa convergência provoca uma redução brutal (por um fator de redução da ordem de 10000:1) na dimensionalidade da representa-

ORNs

Gl Gl

PG PG

M M

Gr

Figura 2.12: Esquema do padrão de conexões sinápticas no bulbo olfatório. Os dendritos primários dos neurônios mitrais (M) e tufosos (T) recebem sinapses exci- tatórias (indicadas por setas brancas) dos axônios dos neurônios receptores olfatórios nos glomérulos (GL). Existem dois tipos de interneurônios que fazem sinapses inibi- tórias (setas escuras) nos neurônios m/t – os neurônios periglomerulares (PG) e os neurônios granulares (Gr). Os primeiros fazem sinapses com os dendritos primários dos neurônios m/t e os segundos fazem sinapses com os dendritos secundários desses neurônios, que se estendem horizontalmente por longas distancias. Os neurônios de saída do bulbo são os neurônios m/t.

ção espacial das características de uma molécula odorante. Desta forma, na camada glomerular do bulbo olfativo existe uma nova representação espacial das caracterí- sticas dos odores em que cada um dos 1000 tipos de receptor é codificado por um pequeno número de glomérulos.

Estudos de imageamento metabólico e óptico sobre a resposta dos glomérulos do bulbo olfatório a moléculas odorantes [Rubin e Katz 1999] permitiram determinar que a projeção do epitélio olfatório para o bulbo olfatório é topográfica: neurônios receptores sensíveis a características moleculares parecidas convergem seus axônios para glomérulos vizinhos. Desta forma, tanto no nível do epitélio olfatório como no da camada glomerular na entrada do bulbo olfatório há uma representação espacial de moléculas odorantes em que elas são decompostas em características que ativam diferentes combinações espaciais de neurônios receptores olfatórios ou glomérulos.

Este último achado implica que cada molécula odorante produz um pa- drão espacial de ativação específico – um mapa do odorante – na camada glo- merular do bulbo. Esse padrão espacial é transformado pelo bulbo, devido à sua conectividade intrínseca (Figura 2.12), em um padrão espaço-temporal [Laurent et al. 2001, Spors e Grinvald 2002] refletido nos padrõees de disparo das suas células de saída – as células m/t – que transmitem os resultados das com- putações feitas pelo bulbo aos centros corticais olfatórios superiores. Portanto, características essenciais de um odor, por exemplo sua identidade e concentra- ção (intensidade), parecem ser representadas dinamicamente pelo padrão de ati- vidade espaço-temporal induzido pelo odor nas células m/t do bulbo olfatório [Laurent et al. 2001, Stopfer, Jayaraman e Laurent 2003].

O entendimento dos mecanismos pelos quais a circuitaria interna do bulbo ol- fatório produz e mantém esses padrões de atividade, bem como do papel que tais padrões espaço-temporais teriam no processamento da informação olfatória, é uma questão ainda em aberto na neurobiologia contemporânea [Friedrich 2002, Korsching 2002, Wilson e Stevenson 2003, Souza e Roque 2004]. A maneira pela qual os centros corticais olfatórios extraem informação dos padrões espaço-temporais do bulbo para reconhecer um odor também é pouco conhecida e objeto de intenso debate [Haberly 2001, Laurent et al. 2001, Wilson e Stevenson 2003].

alguns dos seus princípios de funcionamento para obter inspiração para o desenvol- vimento de um sistema artificial de reconhecimento de padrões, o que foi descrito acima sobre o bulbo olfatório é suficiente para o trabalho aqui apresentado.

Documentos relacionados