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Essa preocupação com a profissionalização dos sociólogos e com seu espaço no mercado de trabalho intensificou-se no final dos anos 1970. Era uma época difícil para os formados, pois a profissão ainda não tinha conquistado seu reconhecimento. Discutia-se com intensidade, principalmente nos eventos ligados

aos cursos de Ciências Sociais, sobre a urgência e a necessidade de se regulamentar o campo de atuação profissional dos sociólogos, não só pela questão do emprego, mas, também pelas condições políticas impostas pelo Estado de exceção vivido naquele momento. Vale lembrar também que a esta altura a disciplina escolar de Sociologia ocupava lugar de pouco destaque nos currículos.

As lutas dos sociólogos brasileiros pelo seu reconhecimento profissional não são tão antigas quanto aparecimento da ciência no Brasil, dos primeiros livros sociológicos e mesmo dos cursos de Ciências Sociais. As primeiras tentativas de reconhecimento da profissão do sociólogo passam pelo Congresso Nacional e datam de 1961, quando diversos Projetos de Lei são apresentados na Câmara dos Deputados, praticamente em vão, pois não irão obter vitórias, senão 19 anos depois, em 1980. (MIRHAN, 2015, p. 31)

Contudo, durante esses anos, começaram a emergir alguns movimentos constituídos por sociólogos de diversas regiões do país, o que resultou na criação das primeiras entidades de classe e associações sindicais dispostas a debater e defender os temas e as necessidades relacionadas à profissionalização da categoria, como a ocupação prática dos licenciados e bacharéis e a expansão do mercado de trabalho para os mesmos. Cabe destacar, que nos anos 1970, a situação política e sindical no Brasil era muito complicada em virtude das consequências estabelecidas pelas sanções impostas pela ditadura militar.

A transição do regime militar para a democracia foi planejada pelo governo Ernesto Geisel para ocorrer sob a forma de uma “distensão lenta, gradual e segura”, uma “transição pelo alto”. Naquele contexto, a irrupção dos conflitos operários do ABC paulista irradiou uma “onda de greves” pelo país afora em diversas categorias, como bancários, petroleiros, servidores públicos, canavieiros, entre outros. Ocorridas na passagem das décadas de 1970 para 1980, aquelas mobilizações apontaram um claro questionamento aos limites políticos impostos e indicaram um anseio de participação popular para além do permitido. [...] Da organização do polo mais combativo e atuante do movimento sindical, em combinação com uma miríade de outros movimentos sociais, nasceram algumas das principais entidades de extração popular que, nas décadas seguintes, tiveram papel destacado na reconstrução da democracia no país: o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Central de Movimentos Populares (CMP). (LADOSKY & OLIVEIRA, 2014, p. 147)

O contexto de repressão e subtração dos direitos por parte do Estado faziam surgir a cada momento novas tensões, e, consequentemente, novas frentes de mobilização propondo lutas sociais por melhorias nas condições de vida e de trabalho de diferentes categorias civis, pré-sindicais e sindicais. Foi o momento de afirmação do chamado novo sindicalismo brasileiro, marcado principalmente pela formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

É interessante notar que deste novo sindicalismo participavam os chamados “sindicalistas autênticos” (como era o caso do próprio dirigente metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva), oriundos do coração do sistema de relações corporativistas, mas críticos a ele por denunciarem que o mesmo gerava uma dependência em relação ao Estado. (GINDIN, 2008, p. 362)

Nesse afã do novo sindicalismo e da criação de diversas entidades e associações profissionais nos mais variados setores produtivos da sociedade brasileira é que passamos a acompanhar o progressivo surgimento de novas associações de sociólogos pelo Brasil, aprofundando as reflexões sobre a sua prática e regulamentação profissional. Dentre tantos acontecimentos, destaca-se que tal contexto fomentou a criação da Associação dos Sociólogos do Brasil (ASB)13, cujo envolvimento seria decisivo para as conquistas da categoria durante os anos 1980. Constituída em caráter civil, a ASB propunha uma interface em âmbito nacional e de início teve papel fundamental na articulação e na criação de novas associações pré-sindicais e depois dos próprios sindicatos estaduais. Nessa época, toda a organização e a construção das bandeiras de lutas da categoria estavam no encargo da ASB, principalmente, por intermédio de seus escassos eventos e publicações.

Logo em 1979, a ASB realiza o I Congresso Nacional de Sociólogos, que contou com a presença de acadêmicos e profissionais, debatendo como prioridade a organização dos sociólogos e das suas entidades representativas. A partir de então acontece uma sucessão de eventos importantes que, somados ao aumento no número de formados em Ciências Sociais em busca de emprego, foram introduzindo

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Fundada durante o VII Encontro Nacional de Sociólogos, entre 13 e 14 de novembro de 1977, na cidade de Belo Horizonte.

a reflexão coletiva sobre a legitimidade do envolvimento dos sociólogos na questão do ensino e da reintegração da disciplina escolar. Assim, durante a primeira metade dos anos 1980, mesmo não havendo consenso sobre todos os lugares e atribuições da profissão e nem mesmo sobre a ideia da sindicalização, a ASB manteve-se firme na sua missão de lutar pelas questões profissionais da categoria.

Segundo Mirhan (2015, p. 33), finalmente, em 1984, “uma versão parecida com os projetos anteriores do Deputado Francisco Amaral acaba sendo aprovada na Câmara dos Deputados e vai à sanção presidencial. Em 10 de dezembro, o general presidente João Baptista Figueiredo sanciona a Lei 6.888”, que regulamenta a profissão e seu campo. A nova situação fez a realidade dos sociólogos mudar um pouco. Agora, como profissionais liberais e/ou assalariados, passaram a disputar novos espaços no mercado e em organizações diversas, contudo, tal mudança de ordem incidiu na experimentação das mazelas típicas do mundo do trabalho. Por essa razão, no início do período de transição do regime militar para o regime liberal- democrático – contexto no qual diversas propostas de reformas na legislação sindical e trabalhista começavam a ser discutidas – a categoria dos sociólogos passou a sentir a necessidade de construir e organizar uma entidade sindical com maior representatividade nacional, uma vez que ASB era ainda uma entidade civil.

Entretanto, “pela legislação sindical, para que pudesse ser criada uma Federação Nacional, seria preciso que existissem no país pelo menos cinco entidades sindicais com carta sindical expedida pelo Ministério do Trabalho” (MIRHAN 2015, p. 40). Isso fez com que se acelerasse a criação dos sindicatos estaduais e a obtenção das cartas. Por isso, já em 1986, no VI Congresso Nacional de Sociólogos14 foi nomeada uma comissão para preparar um esboço de estatuto da Federação para ser apresentado logo no próximo ano. Convém destacar que, além da pauta da sindicalização, nesse Congresso muito se discutiu acerca da ampliação das possibilidades de atuação e participação dos sociólogos brasileiros no mercado de trabalho, momento no qual ganhou fôlego e nova relevância à temática da reintegração do ensino escolar de Sociologia, juntando-se às demais bandeiras da categoria.

No biênio 1987/1988 a ASB, já consolidada como a principal entidade representativa dos sociólogos, passa pelo momento de transição e reestruturação. A

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sindicalização representava uma estratégia de ampliação da rede de entidades filiadas e possibilitava aprofundar as lutas encampadas. Foi assim que no VII Congresso Nacional de Sociólogos15 resolve-se fundar a Federação Nacional dos Sociólogos (FNS) com a anuência de diversas entidades participantes, dentre elas: as Associações Profissionais dos Sociólogos dos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Ceará e os Sindicato dos Sociólogos de São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná e Bahia. Tal federação foi referendada por ampla maioria um ano depois16.

A mudança de status possibilitou o fortalecimento da entidade, aumentando significativamente a sua base e representação nacional a partir das associações profissionais e sindicatos diretamente vinculados a ela. Junto ao novo estatuto positivaram-se também as novas diretrizes para as lutas nacionais, mantendo como uma das suas prioridades o tema do ensino escolar de Sociologia. A partir daí, a FNS teve papel fundamental nos debates sobre reintegração e obrigatoriedade da disciplina ao enxergar nela um grande campo de atuação para os sociólogos.

Até então, mesmo nos períodos de presença da disciplina escolar de Sociologia nos currículos, os egressos das Ciências Sociais que não faziam a opção pela carreira acadêmica costumavam procurar emprego no serviço público, no comércio, na indústria, dentre outras ocupações. A docência na educação básica nem sempre foi uma prioridade, nem das Ciências Sociais e nem dos sociólogos profissionais. Esse sempre foi um caso particular. Mas o importante é ressaltar que na segunda metade dos anos 1980 isso passa a integrar o imaginário dos formados e de alguns intelectuais.

Isso se deu, não só pela atuação das entidades representativas, mas, possivelmente, pela situação e o contexto social e político que o país atravessava, onde as questões educacionais estavam sendo muito discutidas e, principalmente, o professorado passava a ser reconhecido como um agente fundamental para as mudanças sociais almejadas. Assim, este processo de reconhecimento social da profissão de docente da educação escolar foi se corporificando em ações específicas da luta das entidades representativas dos sociólogos.

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Realizado em Salvador, Bahia.

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