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7. O mandado de busca e apreensão genérico

7.1. Situações condicionantes do mandado de busca e apreensão genérico

7.1.2. Casos em poderá haver a ponderação de direitos fundamentais e a utilização

7.1.2.1. Situações de normalidade

7.1.2.1.1. Busca e apreensão em domicílio particular

Passa-se ao estudo da situação de busca e apreensão a ser realizada em um domicílio particular.

Conforme já foi mencionado nesta investigação, tanto à luz do ordenamento jurídico brasileiro como à luz do ordenamento jurídico português, se faz necessária, em regra, a individualização do local onde será realizada a busca e apreensão bem como, se for o caso, do visado.

Contudo, já houve casos analisados pela Justiça Portuguesa em que, mesmo não havendo a expedição de um mandado de busca e apreensão, seja individualizado ou genérico, percebe-se pelo teor da decisão que em se tratando de um domicílio habitado por mais de uma pessoa, e ainda que nesse domicílio cada pessoa tenha a posse de um quarto, aposento, cômodo ou outro nome que o valha, cada uma dessas parcelas da residência são tratadas como se casa o fosse.

Naquela parte do trabalho se fez uma observação sobre a pessoa com legitimidade para dar o consentimento, mas agora a questão que se avizinha é a de saber se em casos semelhantes, em havendo necessidade do mandado de busca e apreensão, este deverá individualizar apenas a casa onde será realizada a busca, ou, além da casa, também os compartimentos habitados e as pessoas que serão o alvo dessa diligência.

Trata-se agora, como já indicado anteriormente neste trabalho, da decisão proferida no acórdão de 22/10/2008 pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 6945/2008-3.

Em breve síntese, o caso tratou de uma mulher que foi encontrada com notas falsas e por tal motivo os agentes de polícia resolveram proceder a uma busca e apreensão em sua residência.

Nessa residência também coabitava o filho dessa mulher, com quarto próprio, e no desenrolar da busca foi encontrado no quarto em que era habitado por ele certa quantidade de substância estupefaciente ilegal.

Após a condenação do filho pelo crime respectivo, o Tribunal da Relação de Lisboa, dentre outras questões, acabou por fixar que "a exigência de consentimento do visado nada tem a ver com a tutela da propriedade, do domínio ou da titularidade do domicílio, mas sim com a privacidade, direito de personalidade que apenas cabe ao próprio exercer."

Extrai-se do pensamento jurídico que embasou essa decisão que uma casa, em sua totalidade, encontra-se protegida pelo princípio da inviolabilidade do domicílio, mas nos casos em que tiverem de ser aplicadas as cláusulas de exceção constitucional e infraconstitucional a esse princípio, essa mesma casa, se constituída por sub-divisões, ainda que estas sejam meros quartos, se fragmentará em várias outras casas, e cada uma delas merecerá a proteção do princípio da inviolabilidade do domicílio.

Ou seja, cada quarto, aposento, ou a denominação que lhe aprouver, será considerada como uma casa por si só, ainda que parte de uma casa maior.

Por sua vez, a ementa do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/09/2009 expressa: "I. Numa vulgar habitação, embora haja espaços que se possam considerar de uso exclusivo de um dos habitantes, nomeadamente o quarto de dormir, não deixam todos de ter acesso a todo o espaço da mesma, razão por que um quarto, nestas situações de partilha de uma casa por várias pessoas, em particular quando se trata de uma família, não possa ser visto como uma unidade separada da própria habitação concreta, mas como um elemento da casa habitada abrangido pela autorização judicial de busca. II. Tendo sido encontrado em poder de um filho do visado, no decurso da busca domiciliária, produto estupefaciente,

obteve-se conhecimento fortuito de um facto criminoso, que não podia ser ignorado."149

Essa última decisão do Tribunal da Relação de Lisboa já não encontra amparo na decisão anteriormente a ela mencionada. Ao contrário, deixa claro que numa casa, mesmo havendo subdivisões de uso exclusivo de alguns de seus moradores, não se pode falar em fracionamento do conceito de casa em relação a cada um desses compartimentos.

Em consonância com a primeira decisão do Tribunal da Relação de Lisboa observada nesta parte do trabalho, deve ser novamente trazido à baila o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17/09/2009 no processo n.º 549/08.7PBBJA-A.E1.

A título de lembrança, e em brevíssima síntese, nesse caso o Tribunal da Relação de Évora entendeu por bem que a legitimidade para dar o consentimento para a realização de uma busca e apreensão por parte dos órgãos de polícia não seria do familiar do visado, apesar de residirem na mesma casa, mas do próprio visado, uma vez que os objetos relacionados à prova estavam no quarto deste último e somente ele teria o direito de consentir, haja vista que as normas que dispõem sobre a inviolabilidade do domicílio, e consequentemente sobre o direito à intimidade e privacidade, tinham o visado como destinatário.

Vislumbra-se em análise a esses acórdãos, de forma clara, que a Justiça portuguesa, na aplicação das normas sobre a inviolabilidade do domicílio, acaba na sua maioria por entender que em uma casa poderá haver várias outras casas. Melhor elucidando, que tanto uma casa, no seu conceito genérico, quanto suas subdivisões, são merecedoras da mesma proteção constitucional.

Daí decorre logicamente que, se houver a necessidade de expedição de um mandado de busca e apreensão a ser realizado numa casa, sem que se discrimine os sub-compartimentos que também serão alvo da diligência, será o caso de expedição de um mandado de busca e apreensão genérico, pois apenas se individualizará a casa como um todo e não será dada importância ao pensamento jurídico que fincou as bases dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2008 e do Tribunal da Relação de Évora de 17/09/2009.

Ao contrário, tal mandado de busca e apreensão encontrará agasalho jurídico nos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/09/2009 e necessariamente não poderá ser qualificado como genérico, haja vista que individualizou a casa onde foi realizada a diligência sem que houvesse necessidade de discriminar suas sub-divisões.

Na jurisprudência dos tribunais brasileiros, não se encontra nas decisões sobre a validade de um mandado de busca e apreensão fundamentos como aqueles utilizados pelos Tribunais portugueses e segundo os quais se deduz que se torna necessária a individualização de cada sub-compartimento de uma casa.

Aliás, segue-se a norma contida no artigo 243 do Código de processo penal brasileiro a qual somente exige que seja individualizada a casa em que será realizada a busca, não havendo disposição legal, nem interpretação jurisprudencial, da necessidade de se individualizar os sub-espaços da residência.

Se se entender pela necessidade de individualizar as sub-divisões de uma casa no momento da expedição de um mandado de busca e apreensão, pode chegar-se a situações em que a autoridade solicitante bem como o juiz deparar-se-á com a dificuldade de saber como é a arquitetura interna de cada residência.

Afinal, se não se conhece o interior da residência onde será realizada a busca e apreensão, também não será possível individualizar os espaços a serem diligenciados.

E ainda que se possa chegar ao ponto de, num mandado, expressar que o alvo será o quarto ou o espaço utilizado pelo visado, também haverá dificuldade, no momento da diligência, de saber, de fato, qual seria o espaço utilizado pelo visado.

Maior dificuldade surgirá nos casos em que os visados sequer utilizam privativamente espaços dentro de uma residência e, ao contrário, acabam por utilizar os espaços privativos de outros moradores para ocultar objeto relacionado à prática de crime.

Desse modo, com o objetivo de contornar as situações de dificuldade acima aventadas, torna-se desnecessária a individualização pormenorizada dos sub- espaços de uma casa, bastando para tanto que no momento da autorização da expedição do mandado de busca e apreensão se individualize a casa em que será

realizada e em relação aos demais compartimentos ele assumirá um caráter genérico.

E se já houver ciência de antemão que o visado não utiliza a casa, ou um de seus compartimentos, de forma privativa, ou ainda se já houver ciência de que o visado sequer reside no local, mas apenas o utiliza para guarda de objetos relacionados ao crime, também se faz desnecessária a indicação do visado na ordem, sendo suficiente a mera individualização da casa, independentemente de individualizar os sub-compartimentos.

Pode afirmar-se que nesses últimos casos, o visado ou o grupo que está a praticar crimes se utiliza do domicílio apenas na sua forma, mas não na sua substância e para melhor ilustrar o posicionamento aqui exposto, utiliza-se o exemplo da correspondência epistolar no ordenamento jurídico brasileiro.

A disciplina constitucional brasileira é expressa e não há cláusula de exceção. O sigilo das correspondências, conforme o inciso XII da Constituição, é inviolável e não há ressalvas para tanto. Desse modo, afigura-se, em tese, absoluto.

Contudo, a partir do momento em que se utiliza um envelope, caixa, invólucro ou algo com função equivalente, não para fins de comunicação, de transmissão de dados, mas para, por exemplo, envio de substâncias entorpecentes ilícitas, ou artefatos explosivos, não se pode mais falar aqui em correspondência, pois houve mudança radical na função desse meio e essa mudança retira a natureza de "correspondência".

A partir daí, somente, poder-se-ia interceptá-la e abri-la e não haveria qualquer dificuldade em admitir a licitude da prova obtida com a violação dessa correspondência.

Se o domicílio somente na forma assim se qualifica, ainda carece da expedição de um mandado de busca e apreensão, pois não deixa ainda, mesmo que na forma, se ser um local não acessível ao público.

Mas em carecendo da substância, não há motivos para que se faça no mandado de busca e apreensão maiores individualizações, pois estas servem para a proteção do domicílio que reúna, na forma e substância, sua qualidade.

7.1.2.1.1.1. VEÍCULOS QUE SE ENCONTRAM ESTACIONADOS NO DOMICÍLIO

Uma outra questão que pode surgir no caso da utilização do mandado de busca e apreensão em domicílios é a legitimidade da prova encontrada nos interiores dos veículos que se encontram ali estacionados.

Isso porque se os veículos forem considerados como partes em separado do domicílio, tal qual a justiça portuguesa entendeu nos casos em que se faz necessário o consentimento do usuário do cômodo em separado, em regra deverão ser necessariamente individualizados sob pena da busca e apreensão ser considerada ilegal.

Faz-se necessário, desse modo, precisar a natureza jurídica do veículo no momento em que ele se encontra estacionado no interior da residência.

Na condição de meio de transporte e em estando fora da residência, é possível vislumbrar que não é só apenas um bem móvel particular, mas também é um receptáculo não aberto ao público. Desse modo, como já decidido pela justiça americana, há uma expectativa de proteção da intimidade e da privacidade das pessoas que se encontram no seu interior. Ressalta-se que e mais a frente neste trabalho a questão da utilização de mandado de busca genérico em veículos será aprofundada.

Sem a necessidade dessa proteção quando se encontrarem no interior de uma residência, haja vista que esta não é um ambiente aberto ao público, crê-se aqui que os veículos ali estacionados devem ser considerados meramente como bens móveis, conforme definição legal dos ordenamentos jurídicos brasileiro150 e português151 e nessa condição tornam-se desnecessárias as suas individualizações no mandado de busca e proteção.

Pode vislumbrar-se aqui maior complexidade jurídica quando o veículo, mesmo estacionado na área interna da residência, não é esta na posse do visado, mas de um terceiro que se encontra temporariamente na residência, tal qual um visitante.

150 Conf. artigo 82 do Código civil brasileiro. 151 Conf. artigo 205º do Código civil português.

Nesse caso, em não estando o visitante em sua própria residência, nem sendo o visado, não pode ter seu veículo como alvo de uma busca e apreensão cujo alvo é a residência.

O mesmo se diz se esse visitante utiliza o respectivo veículo não somente como meio de transporte, mas também como residência, como ocorre no caso dos motor homes ou caravans. Em sendo esse veículo uma "residência que se encontra temporariamente de outra residência", merece por si somente a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio.

Ainda que se justifique a utilização de um mandado de busca genérico numa residência, percebe-se que nos casos desses veículos de terceiros não há maiores dificuldade em se identificar o seu possuidor ou proprietário, pois uma simples consulta à licença veicular é suficiente para precisar se eles são vinculados ao visado.

Diante de qualquer dificuldade nessa individualização, qualquer prova obtida dentro desses veículo de terceiros por meio de uma busca e apreensão genérica a ser realizada na residência onde se encontra deve ser considerada proibida.

7.1.2.1.2. O MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO GENÉRICO NOS