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3 O DISCURSO MÉDICO-PSIQUIÁTRICO SOBRE O TDAH NA IMPRENSA LEIGA (1998-2013)

3.2 EM BUSCA DO MARCADOR BIOLÓGICO

Como já apontado, a psiquiatria, no último quartel do século passado, buscou estabelecer-se enquanto psiquiatria biológica, e isto por determinações externas provenientes do contexto de então, e não pela “descoberta” do significante biológico das doenças mentais, nem pela “purificação” e “racionalização” de suas ferramentas de trabalho e aprimoramento de suas tecnologias diagnósticas. No entanto, malgrado a inexistência dos tão almejados biomarcadores, o discurso médico- psiquiátrico continuou afirmando as bases orgânicas de tais transtornos.

184

Os perigos da mente distraída. Jornal Folha de São Paulo, 29-04-2013.

185

Nos EUA, abuso de estimulantes tem levado mais jovens a hospital. Jornal Folha de São Paulo, 10-08-2013.

186

O TDAH afirmado enquanto transtorno de origem genética e neurológica percorreu as páginas do Jornal Folha de São Paulo por sete anos sem que houvesse maiores esclarecimentos acerca das propagadas bases cerebrais do problema, nem apresentação de resultados de pesquisas com neuroimageamento. A fragilidade diagnóstica acerca dos transtornos mentais ganhou espaço somente na edição de 23/10/2005 com o título Cérebro em movimento, e, a partir de então, vozes e interpretações dissonantes começaram participar das publicações.

Segundo Steven Hyman, professor de neurobiologia de Harvard, a comunidade científica teria sido excessivamente otimista na tentativa de diagnosticar desordens psiquiátricas a partir das tecnologias de imagens cerebrais. Além de inexistir ferramenta padrão que possibilite o reconhecimento orgânico dos transtornos mentais, tais tecnologias teriam sido superestimadas pelo campo psiquiátrico, e não conseguiram responder às expectativas nelas depositadas na década de 1990.187

No caso do TDAH, a grande justificativa para a utilização do metilfenidato sempre foi a explicação orgânica do transtorno. Com informações que remetem à explicações cerebrais do problema, como baixos níveis de serotonina, desequilíbrio de substâncias neurotransmissoras, insuficiência de dopamina, área pré-frontal do cérebro funcionando em nível abaixo do normal, a prescrição e utilização do psicoestimulante no Brasil adquiriu proporções que começaram a preocupar os questionadores desta visão biológica. Em 2005, o país conheceu um aumento de 25% no consumo de “drogas antiagitação” em relação ao ano anterior.188

A partir de 2004, a Ritalina, do Laboratório Novartis deixou de ser o único psicoestimulante comercializado no país, com o lançamento do Concerta pelo Laboratório Janssen-Cilag189, o que provavelmente corroborou para uma maior difusão do TDAH acompanhada à adesão medicamentosa.

A obstinação em encontrar o correspondente biológico para o TDAH levou um psiquiatra de Harvard, Martin Teicher, a criar um teste: o “Sistema de Quociente de TDAH”. Sua invenção é um esforço na busca de encontrar provas biológicas para o problema, e para tal, o psiquiatra faz uso de um aparelho eletrônico, similar a uma cabine de avião, onde a pessoa deve sentar-se à frente e, com um refletor colocado na testa olhar para a tela, e clicar o mouse cada vez que vir uma estrela com cinco ou oito pontas, mas não para as estrelas de quatro pontas. A

187

Cérebro em movimento. Jornal Folha de São Paulo, 23-10-2005.

188

Remédios demais. Jornal Folha de São Paulo, 05-10-2006.

189

jornalista submetida ao “teste” de Teicher foi por ele indicada como “caso sutil de TDAH”.190

Como o método de detecção do problema continua bastante subjetivo, isso ajuda explicar porque um teste objetivo virou o “cálice sagrado” da psiquiatria, comentou Stephen Hinshaw diretor do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley.191

Embora a tentativa de fazer do cérebro o protagonista do comportamento e atitudes humanas, e de localizar na anatomia cerebral indicadores responsáveis por ações as mais diversas não seja algo inédito192, a partir da década de 1970 esta tendência começa a se afirmar mais enfaticamente com o desenvolvimento da Tomografia Computadorizada (TC) que permitiu disponibilizar para o campo biomédico imagens anatômicas da estrutura cerebral in vivo com propósitos diagnósticos.193 O desenvolvimento do Imageamento por Ressonância Magnética (IRM), em meados da década de 1980, seguido pela Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) foram determinantes na utilização das tecnologias de imageamento no campo psiquiátrico194, alargando sobremaneira seu campo de atuação.

Alain Ehrenberg aponta que até a década de 1980, a neurologia se ocupava basicamente do estudo de determinadas patologias degenerativas como o Alzeimer e o Parkinson. De acordo com o autor, com o desenvolvimento das tecnologias de imagem supracitadas, o campo de pesquisas neurocientíficas conheceu um embaralhamento em suas fronteiras que até então determinavam, de um lado as doenças neurológicas (da lesão), e de outro as doenças mentais (da função). Doravante, isso permitiu que tanto as doenças neurodegenerativas como as doenças mentais passassem a ser abordadas a partir do substrato

190

Médicos procuram exame preciso para hiperatividade. Jornal Folha de São Paulo, 04-06-2010.

191

Ibidem.

192

O cérebro concebido como base para a naturalização e objetivação de características comportamentais e de personalidade, é uma empreitada presente no Ocidente desde fins do século XVIII, com a elaboração dos projetos frenológicos e craniométricos com seus pressupostos de localização cerebral para traços de personalidade e comportamentos complexos. Sabe-se hoje, entretanto, que esta “ciência” localizacionista criada pelo austríaco Franz Joseph Gall (1758-1828) e seus vários desdobramentos, serviram à inúmeros interesses e justificações “científicas”de caráter excludente e normalizador, que atravessaram todo o século XIX, e no XX foram reconsideradas à luz de novas tecnologias e novos conhecimentos. Sobre o assunto, consultar: VENTURI, C. Op. cit. p. 57-83.

193

VENTURI, C. Op. cit. p. 100-101.

194

orgânico, expandindo consideravelmente o campo investigativo das neurociências que incluíram então em seu arcabouço de estudo as emoções, os sentimentos morais, etc.195

No programa neurocientífico atual, ainda com Ehrenberg, o social, o mental e o cerebral se fundiram em uma disciplina unificadora - a neurociência cognitiva – que passou a construir mapas cerebrais de inúmeros aspectos da experiência humana.196 Este programa, chamado pelo sociólogo de “programa forte” das neurociências visou fundir no plano clínico a neurologia e a psiquiatria em uma única disciplina, de teor fisicalista, com isso promovendo o estudo de outras tantas categorias nosográficas como os transtornos de humor, de ansiedade, anorexia, alcoolismo, etc., com expectativa de poder assinalar na anatomia cerebral as “anormalidades” responsáveis por tais perturbações.197

Para Nikolas Rose, esta configuração recente do campo neurocientífico tornou nossos genes e cérebros não só abertos ao conhecimento, como também à intervenção. Para Rose, os programas de pesquisa em biologia, genética e neurologia, vêm buscando localizar processos biológicos com vistas ao desenvolvimento de técnicas que permitam identificar indivíduos “propensos” a apresentar características indesejáveis, com finalidade de intervenção preventiva, através de tratamentos adequados.198 Este cenário é bastante ilustrativo das inúmeras implicações que envolvem o exercício da ciência contemporânea.

Se as publicações científicas circulantes nos meios acadêmicos da área médica-psiquiátrica e publicadas nos periódicos especializados são unânimes em afirmar a necessidade medicamentosa para os casos diagnosticados TDAH199 – este “lido” como problema biológico -, nas publicações leigas ora analisadas, percebemos que este regime discursivo se obriga à moderação. Mara Helena Hutz, geneticista brasileira, diz ser o TDAH a doença psiquiátrica com maior

195

EHRENBERG, A. 2004. Op. cit. p.130-155.

196

Ibidem, p. 130-132.

197

Ibidem.

198

ROSE, Nikolas apud RICHTER, Bárbara R. Hiperatividade ou indisciplina? O TDAH e a patologização do comportamento desviante na escola. Dissertação de mestrado em educação e ciência. UFRGS. 2012. p.54. Já vimos anteriormente o quanto a tentativa em encontrar o determinante genético para características e comportamentos está atrelado ao ideal securitário que, sob a justificativa da prevenção e em nome da qualidade de vida, opera com os conceitos de risco e suscetibilidade, colocando em marcha uma rede de intervenções precisas.

199

herdabilidade genética já descrita, no entanto, tem de reconhecer que até o momento não existe biomarcador para o problema. Hutz disse que desde 1995 existem estudos genéticos sobre o TDAH e reitera a validade das pesquisas com imagens que defendem que as crianças com o transtorno têm o lobo frontal cerca de 4% menor do que as outras sem o referido problema, porém reconhece que os resultados genéticos ainda são modestos.200

Mas, neste caso, a inexistência do biomarcador parece não colocar em dúvida a pesquisa genética, na medida em que “os geneticistas já sabem que o TDAH está relacionado com a manifestação de alguns genes que atuam na comunicação entre os neurônios”. Outro problema não resolvido neste campo são os fatores que influenciam a manifestação genética, mas essa questão não parece descaracterizar o posicionamento dos profissionais da área. A respeito dos condicionantes sociais e ambientais no que concerne o desenvolvimento do TDAH, Hutz declara: “isso não é determinismo genético, mas é estudo de risco",201 sugerindo a possível influência do ambiente, mas demarcando o peso genético presente no quadro.

A tentativa em estabelecer a prova física dos transtornos continuou, mesmo em meio a desestabilidades e imprecisões: “Precisamos desesperadamente de bons marcadores biológicos” disse o neurobiólogo Eric Kandel202 à Folha em novembro de 2011. Questionado acerca da “objetividade” em torno do DSM, Kandel respondeu que a psiquiatria está em crise porque lhe falta comprovação biológica para seus conceitos. Segundo o neurobiólogo, sem esta “comprovação” a psiquiatria não chegará a lugar algum, independente de quantas edições do manual forem publicadas. Esta debilidade diagnóstica, no entanto, não impede que novamente o córtex pré-frontal apareça como protagonista de problemas psiquiátricos: “o córtex pré- frontal está muito relacionado à moralidade e ao julgamento de valores. [...] Uma lesão nessa região do cérebro pode tornar uma pessoa amoral, um psicopata”, declara Kandel.203

Cumpre então perguntar como são identificadas essas “anormalidades” na materialidade cerebral? Obviamente, pelas atuais

200

Genes ligados ao transtorno de atenção ainda são mistério. Jornal Folha de São Paulo, 01-09-2011.

201

Ibidem.

202

Eric Kandel foi ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 2000, pela descoberta dos mecanismos neurais responsáveis pela formação das memórias.

203

Psiquiatria vive crise por falta de provas científicas, diz Nobel. Jornal Folha de São Paulo, 02-11-2011.

tecnologias de neuro-imageamento. Entretanto, como estas imagens são produzidas e interpretadas? A despeito de sua pretensa objetividade, é preciso ressaltar que tais visualizações não são traduções transparentes do universo cerebral, nem estão livres da mediação humana. O suíço David Gugerli, historiador da técnica, cunhou a expressão “evidências sociotécnicas” para descrever como em inúmeros contextos as diversas categorias de imagens são revestidas por uma credibilidade científica que é produzida tecnicamente e sancionada culturalmente. Segundo Gugerli, essa evidência sociotécnica surge na interação das técnicas de visualização com a produção concreta das imagens, conjugada à regras sociais.204 Neste sentido, entender tais imagens destituídas de interpretação e sem a interferência das convenções sociais, é uma ficção.205

A crítica à suposta transparência e valor de verdade que reveste esta economia de imagens também chegou às páginas da Folha. Rafaela Zorzanelli206, pesquisadora do assunto, diz que “deslumbramento com tecnologias da medicina produz fé cega no corpo e corrida desumana pela saúde perfeita”.207 Zorzanelli acredita que imagens científicas que com frequência são veiculadas na mídia criam a ilusão de que a doença é um objeto tridimensional, localizado no cérebro em cores primárias. “É bonito, mas não sabemos nada sobre a produção dessas imagens”, sentencia a pesquisadora. “Em geral, o que se vê é um cérebro preto com uma área colorida em destaque, responsável por certa doença. Mas o cérebro nunca está preto, a não ser que esteja morto”. A despeito disso, existe a tendência de recebermos essas imagens com a certeza de que a doença está ali. Para Zorzanelli, entretanto, “estão sendo feitas inferências demais a partir de neuroimagens”.208

A pesquisadora também aponta o peso social na utilização de tecnologias da área médica que, muitas vezes, permite o

204

GUGERLI, D. apud ORTEGA, F. 2008. Op. cit. 2008. p. 122-123.

205

ORTEGA, F. 2008. Ibidem, p. 122.

206

Rafaela Zorzanelli é professora adjunta do Instituto de Medicina Social da UERJ, e, juntamente com Francisco Ortega, tem um livro publicado onde disserta sobre as complexas relações entre ciência, saúde e corpo na contemporaneidade. Neste livro, os autores discutem sobre a importância que tem sido atribuída ao corpo e às biociências, apontando os limites de uma compreensão estritamente biológica dos fenômenos que o envolvem. In: ZORZANELLI, Rafaela e ORTEGA, Francisco. Corpo em evidência: a ciência e a redefinição do humano. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2010.

207

Pesquisadora diz que deslumbramento com tecnologias da medicina produz fé cega no corpo e corrida desumana pela saúde perfeita. Jornal Folha de São Paulo, 07- 03-2011.

208

desenvolvimento de crenças em torno das respostas baseadas na fisiologia e alerta para o fato de que inúmeras condições da vida atualmente passaram a ser tratadas como doença, como a tristeza, a timidez, a falta de concentração e a impulsividade. Neste sentido, a atual disponibilidade de drogas eficazes para o tratamento destes casos unido ao desejo social de desempenharmos bem nossas atividades contribui para o processo de utilização ampliada de vários reguladores de humor em nossos dias, como também à adesão acrítica às diversas tecnologias de visualização, observa Zorzanelli.209

Por vezes, algumas ponderações neste sentido provêm do campo psiquiátrico. Questionado acerca dos critérios atuais adotados pelo DSM na definição de doenças psiquiátricas, Allen Frances210 declara que ainda não existe teste neurobiológico que comprove objetivamente tais doenças. Segundo Frances, os critérios que o campo psiquiátrico utiliza para seus diagnósticos são subjetivos, o que corrobora para muitos abusos médicos, na medida em que, em sua opinião, o DSM-V211 é inconsequente “ao sugerir muitas propostas que vão rotular pessoas como portadoras de transtornos mentais que elas provavelmente não têm. Isso, com frequência vai resultar no tratamento com medicações que vão causar mais mal do que bem”.212

Embora seja crítico com relação ao DSM-V, Frances se reconhece bastante favorável à psiquiatria e considera essencial o diagnóstico e o tratamento medicamentoso propostos pela área. Mesmo nesta posição, quando questionado acerca de quais doenças seriam mais propensas ao excesso diagnóstico, é assertivo: “as piores são o TDAH, a depressão, e o transtorno geral de ansiedade”. Frances também reconhece que a fronteira entre a normalidade e os transtornos mentais é nebulosa, e ainda não vê critérios objetivos que possam definir esse limite ao alcance da evidência científica.213

209

Ibidem.

210

Allen Frances foi um dos mais poderosos psiquiatras dos EUA. Foi o coordenador da quarta edição do DSM, publicado em 1994, e ajudou a criar critérios diagnósticos como o de TDAH. Atualmente, reconhece que o Manual ajudou a expandir a ocorrência de doenças mentais e se opõe ao monopólio que os psiquiatras têm sobre a redação do DSM. In: Propostas de mudança no manual da psiquiatria são ‘inconsequentes’, diz especialista. Jornal Folha de São Paulo, 05-02-2012.

211

Neste momento, o DSM-V estava sendo gestado. Sua publicação aconteceu em maio de 2013.

212

Propostas de mudança no manual da psiquiatria são ‘inconsequentes’, diz especialista. Jornal Folha de São Paulo, 05-02-2012.

213

Com o advento da publicação da quinta edição do DSM, Luis Augusto Rohde, professor titular de psiquiatria da UFGRS, e único brasileiro convidado para a força-tarefa da APA (Associação Psiquiátrica Americana) que revisou os critérios de definição dos transtornos mentais, atuando no setor responsável pelo TDAH, é entrevistado pela Folha em janeiro de 2013. Na ocasião, Rohde revelou que a tão esperada “mudança de paradigma” almejada pelos cientistas, ou seja, a de tornar a psiquiatria uma especialidade medica mais baseada em biologia, ainda não é possível.

Quando entrei no esforço de revisão do DSM, eu tinha o desejo e a fantasia de que seria possível ter uma modificação de paradigma na forma de se fazer diagnóstico psiquiátrico. Nós queríamos a inclusão de marcadores neurobiológicos na prática clínica. Queríamos aproximar a psiquiatria de um estágio de desenvolvimento onde está a oncologia, por exemplo. Então, o desejo entre 2000 e 2005, quando entramos no processo, era que, em algumas situações, o diagnóstico pudesse se basear em marcadores neurobiológicos. O que aconteceu foi que, ao revisar o que existia de evidência científica dentro da área de psiquiatria, constatamos claramente que ainda não estamos prontos para uma mudança de paradigma.214 Malgrado essa impossibilidade, Rohde reafirma o valor científico do DSM, enfatizando que se trata de um processo “baseado em ciência” e garante que foram muitos os avanços na compreensão dos aspectos neurobiológicos genéticos e fenótipos dos transtornos mentais. Quando questionado acerca de uma possível epidemia de diagnósticos de TDAH com utilização de Ritalina, Rohde procura “esclarecer” a questão: “nessa área eu tive, de fato, uma participação direta no processo. [...] Algo que precisa ficar claro é que TDAH é um conceito dimensional na população. [...] O transtorno é um conceito gradual, como o de altura ou pressão arterial. O que fazemos com o TDAH é colocar um ponto de

214

Uso da neurociência é o próximo desafio dos psiquiatras, diz médico brasileiro. Jornal Folha de São Paulo, 07-01-2013. Atualmente Rohde é um dos psiquiatras mais influentes do país e considerado um grande estudioso do TDAH. O psiquiatra já foi mencionado em outros momentos neste trabalho, e percebemos o alcance de sua influência pela recorrência com que aparece nas publicações, bem como pela sua atuação profissional, como apontado acima.

corte a partir do nível de intensidade em que os sintomas causam prejuízo funcional na vida do indivíduo”.215

“TDAH é um conceito dimensional na população”. Ora, percebe- se aqui que o discurso em torno do problema ganha doravante uma noção mais flexível, mais ajustável, e por que não, mais “aceitável”. Logo adiante, endossando esta perspectiva, Rohde reafirma esta modificação que, segundo ele, já foi proposta no DSM-V com relação aos “transtornos de personalidade”, onde os diagnósticos procurarão tratá-los como uma “noção mais dimensional da questão da personalidade, para substituir os diagnósticos por categorias”. O psiquiatra diz ser importante o público leigo saber que o DSM-V é “o melhor esforço possível, dado o grau de evidência científica disponível no momento” no que tange ao exercício psiquiátrico de diagnosticar e tratar os problemas relacionados à saúde mental.216

Percebe-se que, apesar dos esforços, a tão desejada “mudança de paradigma” não foi possível para o campo médico-psiquiátrico. Malgrado essa frustração, as indicações sugerem uma mudança de perspectiva deslocando o foco das até então utilizadas “categorias” dos transtornos para o conceito “dimensional” do problema, ou seja, as consequências trazidas pelo problema para a vida do indivíduo acometido pelo mesmo.217 Bourdieu já alertou que “aqueles que têm a certeza de encarar a norma linguística podem se permitir transgressões que são uma maneira de afirmar seu controle da norma”.218 Vemos bem essa “transgressão” aqui, transgredindo e reafirmando sua validade no controle do discurso, para o controle da norma.

Segundo um estudo publicado em fevereiro de 2013 no periódico médico Lancet, nos Estados Unidos219, resultado de estudos por pesquisadores do Consórcio de Genética e Psiquiatria daquele país aponta que existem cinco transtornos psiquiátricos – autismo, depressão, TDAH, transtorno bipolar e esquizofrenia – que “compartilham fatores de risco genéticos”. O estudo indica que uma “via biológica específica relacionada aos canais de cálcio (“poros” celulares) contribui para a patogênese de diversos problemas psiquiátricos e reafirma o potencial 215 Ibidem. 216 Ibidem. 217

Este deslocamento diagnóstico que permite adotar um “conceito dimensional” dos transtornos, encontramos presente na fala de Rohde já em 2010. In: A era da desatenção. Jornal Folha de São Paulo, 30-05-2010.

218

BOURDIEU, P. 1983. Op. cit. p. 178.

219

Estudo acha riscos genéticos comuns a transtornos psiquiátricos. Jornal Folha de São Paulo, 28-02-2013.

dessa via como um alvo para novas classes de remédios”. De acordo com os autores da pesquisa, as conclusões do estudo “oferecem evidências para que as bases biológicas sejam usadas no diagnóstico e para a classificação dos transtornos”. No entanto, como observa Emmanuel Dias Neto, pesquisador associado do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da USP e cientista adjunto do Hospital A.C. Camargo, “ainda não há explicação prática do achado para quem tem uma dessas doenças”.220

Apesar dos constantes esforços empregados pela comunidade médica-psiquiátrica na busca pela etiologia orgânica dos mais variados transtornos de ordem mental, e aqui especificamente o TDAH, é possível perceber que, até o presente momento, os resultados são muito modestos e não permitem assegurar respostas conclusivas acerca da questão. Dias Neto, inclusive, evidencia que “estamos começando a conhecer a caixa-preta que é o genoma”. Estes dados iniciais e fragmentários, entretanto, não ofuscam o otimismo depositado pelos atuais cientistas nas neurociências, nem impedem seus prognósticos no