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Nesta pesquisa ficou bem caracterizada entre os professores a ocorrência de dificuldades tanto no âmbito pessoal, no ambiente escolar e relativas

ao sistema educacional. Alguns professores têm maior equilíbrio pessoal (MARCELO, 1998), ou se sentem mais preparados e conseguem enfrentar o “choque com a realidade” de modo mais sereno, tomando decisões que lhes permitem construir conhecimentos profissionais mais prontamente. O estudo de Gonçalves (2000), já referido, permite dizer que os sujeitos que tiveram uma experiência docente diferenciada em seu período de formação inicial enfrentam essa fase de início de carreira com uma “certa autonomia” profissional.

Embora a experiência seja diferente de um para outro professor iniciante, parece que todos passam pelo choque com a realidade. Simon Veeman (apud MARCELO, 1998), a quem é atribuída a expressão, diz que:

O primeiro ano caracteriza-se por ser, geralmente, um processo de aprendizagem intensa – na maioria dos casos do tipo ensaio-e-erro- caracterizado por um princípio de sobrevivência e por um predomínio do valor do prático. Os programas de iniciação procuram estabelecer estratégias para reduzir ou re-orientar o chamado “choque da realidade”.

Na verdade, o professor principiante se depara com situações que aos seus olhos são absurdas, impondo-lhe que se firme logo nesse início para poder galgar um bom desenvolvimento na sua profissão. É um processo de aprendizagem que exige do professor principiante muita força de vontade, porque são situações problemáticas que modelam suas atitudes e comportamentos frente ao novo, ao real, ao tomar decisões no dia-a-dia de sua prática docente.

Lídia chegou à prática docente sentindo-se muito insegura nos conteúdos que precisava ensinar e na organização de suas aulas para isso. Precisava, portanto, construir conhecimentos profissionais na prática, pois, segundo sua percepção, havia tido deficiências na formação. Parecia não ter desenvolvido, ainda, naquele momento inicial de sua carreira docente, os atributos necessários para ser professora. Por isso, ela ficava em conflito consigo mesma. Tinha

consciência de que lhe faltavam conteúdos específicos para se sentir à vontade na profissão de professora.

Yolanda, Sérgio, Luciana e Márcia não tinham receio quanto ao que faziam em sala de aula, pois, ao iniciar, já possuíam um “certo” domínio do

conteúdo. O que lhes faltava parecia ser o amadurecimento profissional, ou seja, o desenvolvimento e apropriação de conhecimentos práticos acerca da profissão, só possível desenvolver no exercício profissional, muitas vezes por meio de tentativas

de ensaio-e-erro, como nos coloca Marcelo, anteriormente citado. No entanto, cada professor apresenta uma situação inicial diferente,

ou seja, uns sentem dificuldades quanto ao domínio dos conteúdos, outros no âmbito pessoal-social (a questão do racismo), o que ocorreu com a professora Márcia, outros enfrentam dificuldades ligadas ao sistema educacional, e há professores, ainda, que, embora iniciantes, enfrentam todo e qualquer tipo de dificuldades, como foi o caso de Yolanda que, ao ser desafiada enfrenta o novo, aceitando os desafios.

Busco a seguir, na perspectiva de elaboração de uma síntese acerca da fase inicial da carreira docente, apresentar evidências manifestas pelos sujeitos desta pesquisa, no sentido de contribuir com a formação de professores e com professores em início de carreira. Organizo as idéias em tópicos, recorrendo por vezes a autores que discutem a problemática. São os seguintes os tópicos sintetizadores dos resultados obtidos na pesquisa:

• Parece possível considerar as dificuldades iniciais da profissão docente como parte de um processo natural de adaptação a uma nova realidade, precisando para isso, superar o choque inicial com essa realidade. Foi nesse ambiente

profissional, mediante a realização da própria prática docente que os sujeitos da pesquisa manifestaram construir conhecimentos profissionais.

• O professor, neste momento inicial da carreira docente, sabe que irá enfrentar diferentes e novas situações, e precisa aprender a enfrentá-las como meio para construir conhecimentos profissionais e enfrentar as diferentes situações como condição “sine qua non” para a sua constituição profissional.

• Ficou muito evidente a singularidade de início de vida profissional. Entretanto, na singularidade de cada um, pode ser evidenciado um certo estado de nervosismo encarado como algo natural, situação gerada pela insegurança frente ao novo, às várias situações que se interpõem nesse momento inicial, que se constituem desafios a enfrentar e que geram a produção de conhecimentos profissionais. Como diz ELBAZ (1983, apud IMBERNÓN, 2000; p.58)

A análise do conhecimento do professor responde melhor ao propósito de começar a ver a atividade docente como exercício de um tipo especial de conhecimentos com os quais, ao realizar seu trabalho, os professores enfrentam todo o tipo de tarefas e problemas.

• O processo de aprender a ensinar significa que o professor aprende a partir do exercício da profissão7. Como diz GUARNIERI (2000, p. 12-13),

o professor aprende a partir do exercício da profissão, o que não significa dicotomizar teoria e prática, ou seja, desconsiderar o papel da formação, ou dizer que a prática ensina em si e por si mesma, ou mesmo que a prática não seja repleta de princípios teóricos.

A autora acima diz, ainda, que a aprendizagem profissional ocorre na medida em que o professor vai efetivando a articulação entre o conhecimento teórico-acadêmico, o contexto escolar e a prática docente. Em seus termos:

É no exercício da profissão que se consolida o processo de tornar-se professor, ou seja, o aprendizado da profissão a partir de seu exercício

7 A LDBN/1996 brasileira prevê o exercício profissional desde os primeiros anos dos cursos de graduação, o que

tem possibilitado, na experiência do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFPa, a construção de saberes profissionais durante o período de formação inicial.

possibilita configurar como vai sendo construído o processo de aprender a ensinar [e que] tal construção ocorre à medida que o professor vai efetivando a articulação entre o conhecimento teórico-acadêmico e o contexto escolar com a prática docente. (GUARNIERI, 1996: 19).

Para os sujeitos aqui estudados, estas questões envolvendo o aspecto do espaço onde passaram a atuar como docentes foram citadas como relevantes: o estereótipo de inexperiente, as dificuldades de adaptação ao local e às pessoas, enfim essas questões com relação a adaptação no ambiente escolar, “na pele de professor” (NÓVOA, 1995). Entretanto, o mesmo autor nos adverte de que o desenvolvimento profissional não decorre tão somente do desenvolvimento pedagógico, ou do conhecimento progressivo sobre si próprio e da compreensão do que, como e porque o professor faz em sua prática docente, ou ao seu desenvolvimento teórico ou cognitivo, na proximidade cada vez maior com os conhecimentos próprios de sua área. O autor reforça a idéia de que o desenvolvimento profissional decorre de todos esses fatores, embora esteja sujeitos a limitações de contexto, que podem favorecer ou impedir o desenvolvimento profissional.

Todos eles mostram uma preocupação constante com relação a ter que dominar o conteúdo, para não ser encontrado em falha. Ficou bem nítida esta preocupação no início de suas carreiras docentes. Uns é claro, com mais ênfase que outros, porque se tratam de pessoas diferentes, contextos diferenciados e momentos docentes ímpares para cada um. O que percebo é que cada professor tem a sua vida pessoal e o seu ciclo de vida (Huberman, 1989) mostra nitidamente o seu trajeto profissional. E, a sua história de vida conta muito para a sua formação inicial e contínua.

Adiante, teço minhas considerações finais com a intenção de contribuir/assegurar uma busca incessante nas diversas implicações que foram evidenciadas neste estudo sobre o início de carreira docente, conflitos e tensões de professores de ciências e biologia, com o objetivo de refletir na ação, para a ação e sobre a ação (SCHÖN, 1992). Descobrir/avaliar as dificuldades encontradas no caminho inicial da docência e sobretudo como saber/fazer frente a essas problemáticas surgidas no meio do caminho, face minha atuação com a prática docente na universidade e sobretudo para a minha formação pessoal e profissional. Pois segundo (IMBERNÓN, 2000) “a entrada no século XXI nos obriga a pensar numa nova forma de educar”.

Nesta minha consciência do trabalho árduo, valho-me da sabedoria do grande mestre Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas:

Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazerem balance, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas terá sido? Agora, acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado.

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