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Com a proximidade da data de votação – marcada para o dia 25 de abril37 de 1984 – o Comitê Suprapartidário Pró-Diretas propôs uma paralisação nacional, no dia da votação. A intenção era a de que todos parassem suas atividades para assistirem a sessão do Congresso Nacional. O acompanhamento do voto de cada parlamentar, através das emissoras de televisão, poderia ter influência direta sobre os votos desses parlamentares, pois estes teriam receio de ir contra a opinião pública e a todos os milhões de brasileiros que acompanhariam a transmissão.

Neste caso, a mídia televisiva seria mais do que uma simples testemunha, ela acabaria por exercer seu poder de visibilidade, o que promoveria uma encenação direcionada para a esfera pública. Em outras palavras, “a presença das câmeras altera a forma e o rumo dos acontecimentos que se produzem para serem mostrados” (CARVALHO, 1999, p.22). Talvez por esse motivo, o Governo tenha proibido às emissoras de rádio e de televisão de divulgarem qualquer informação a respeito da sessão do dia 25/04/1984, no Congresso Nacional.

Em 17/04/1984, junto com a proibição das transmissões radiofônicas e televisivas, foram decretadas medidas de emergência no Distrito Federal e nas cidades adjacentes, com o alerta de que tais medidas poderiam se estender ao País inteiro se assim fosse necessário. Na tarde do dia 24/04/1984, sob o comando do general Newton Cruz, o Congresso Nacional foi cercado pelas tropas do Exército. O cerco durou algumas horas, até que as rampas do Congresso foram liberadas, ficando o Exército nas imediações.

Na manhã do dia 25/04/1984, o país amanheceu a espera de um resultado que viria de Brasília. A sessão do Congresso foi aberta às nove horas. Durante todo o dia, houve debates e pronunciamentos a favor e contra a Emenda. Segundo Leonelli e Oliveira (2004), a votação só iniciou por volta das vinte e três horas. “Durante todo o tempo, o sim sempre esteve à frente do não, mas a vitória da oposição estava longe de ser assegurada. Os pedessistas ausentes iam definindo o resultado” (LEONELLI; OLIVEIRA, idem, p.589).

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Coincidentemente, nesta mesma data se comemora o fim da ditadura salazarista em Portugal, ocorrida em 25/04/1974, que ficou conhecida como a Revolução dos Cravos.

Como era previsto, nenhuma informação jornalística pôde ser divulgada acerca da votação sem ter sido previamente aprovada pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel), órgão sob o comando do então coronel Antônio Fernandes Neiva. Não bastando à censura à imprensa, todos os telefones do Congresso Nacional permaneceram desligados, durante todo o dia 25/04/1984: a direção do Congresso alegou problemas técnicos. Em resposta a censura, naquele dia histórico, as rádios tocaram exaustivamente músicas que se transformaram em bandeiras políticas, vinculadas a campanha como: „Apesar de você‟, „O Bêbado e o equilibrista‟, „Pra não dizer que não falei das flores‟, „Coração de estudante‟, „Pelos bares da vida‟ e „Menestrel das Alagoas‟. As emissoras de televisão, por sua vez, utilizaram-se de silêncios, pausas e associações ao tema das Diretas. O intuito era fazer com que ninguém esquecesse que a Emenda estava sendo votada, mesmo que não pudessem dizer nada a respeito.

Muitas pessoas que esperavam pelo resultado da votação, em todas as cidades brasileiras, já estavam dormindo, quando este foi anunciado pelo então presidente da Câmara, deputado Flávio Marcílio. Com 298 votos a favor, a Emenda Dante de Oliveira foi reprovada pela Câmara dos Deputados. Faltaram apenas 22 votos para que alcançasse os 320 necessários à aprovação. Com a reprovação, a emenda foi arquivada e nem chegou a ser apreciada pelo Senado.

Na manhã do dia 26/04/1984, milhões de brasileiros foram surpreendidos com a manchete do jornal Folha de S.Paulo, que havia fechado às três e meia da madrugada e foi o único jornal impresso brasileiro a dar a notícia na edição daquele dia. O jornal O Estado de S. Paulo que segundo Ricardo Kotscho (2006, p.128), “fechara no horário normal, encalhava, com uma manchete que virou folclore: „Faltam votos para a aprovação das Diretas‟”. A manchete da Folha intitulada „A NAÇÃO FRUSTRADA!‟ (1984, p.1) representava os sentimentos de milhões de brasileiros, que viram seu desejo exposto na rua com ordem e pacificidade ser destruído por alguns parlamentares.

Com a proibição da transmissão ao vivo e o controle sob todas as informações que vinham de Brasília, os brasileiros deixaram de ser testemunhas do que poderia ter sido um dos mais belos capítulos de nossa história: a conquista do direito de escolher o presidente, defendido numa Campanha cujo protagonista foi o próprio povo. É importante ressaltar que “no dia 26, as emissoras de rádio e televisão voltaram a veicular normalmente o material político, mas a divulgação das informações anteriormente gravadas continuava proibida. O governo parecia querer apagar o dia 25 de abril” (LEONELLI; OLIVEIRA, 2004, p.549).

Desse modo, a história que havia começado a ser escrita oficialmente em março de 1983 chegou ao fim em 25/04/1984. Diferente das histórias contadas no cinema, na televisão e nos folhetins, o protagonista – o povo brasileiro – não teve o final que desejava, pois a Emenda foi reprovada e com ela o sonho de votar para presidente teve que esperar mais alguns anos. Quanto aos outros personagens das Diretas – políticos e artistas – esses seguiram suas trajetórias: alguns colhendo os frutos das árvores que plantaram durante a Campanha; outros colhendo mesmo sem terem plantado38. Entretanto, a Campanha pelas Diretas marcou a história política brasileira e acabou sendo transformada num discurso constituinte39 para o imaginário político brasileiro.

A colocação do discurso das Diretas no grupo dos discursos constituintes se justifica, em parte, pela recorrente busca por referências no episódio, seja para legitimar, seja para deslegitimar algum posicionamento político diante da sociedade40. Mas, ressalta-se que, no âmbito desta perspectiva, o discurso das Diretas integra o grupo de textos que a posteridade julgou fundadores retrospectivamente. Para o cientista político Alberto Tosi Rodrigues (2003), foi na campanha das Diretas que a nova sociedade civil brasileira se enxergou como sociedade plural e participativa. Fato que segundo Rodrigues (idem), colabora para que o episódio das Diretas Já seja classificado como uma „encruzilhada histórica‟.

Ressalta-se que a transformação da Campanha em exemplo no imaginário político brasileiro, deve-se em parte aos efeitos da memória midiática sob a memória coletiva, ambos existentes acerca das Diretas Já. Neste ponto, deve-se ter em mente que a memória coletiva tem como uma de suas funções fornecer um quadro de referências e de pontos de referências (POLLAK, 1989). Assim, a ativação de uma imagem simbólica da Campanha na memória coletiva ajuda a conferir aos políticos uma legitimidade democrática ao falarem de interesses coletivos e princípios democráticos. Daí, porque o discurso das Diretas Já é com frequência retomado durante as campanhas eleitorais.

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O político José Sarney, por exemplo, mesmo não participando da campanha das Diretas Já, teve sua imagem atrelada à luta democrática, após assumir a Presidência da República, depois da morte de Tancredo Neves, presidente eleito que morreu antes de tomar posse. Uma análise da incorporação de elementos do passado na construção da imagem de José Sarney, especificamente através de um discurso em torno da memória das Diretas-Já e de Tancredo Neves é apresentada por: FORTES (2009).

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A noção de discurso constituinte é introduzida por D. Maingueneau e F. Cossuta, em artigo produzido em 1995 e publicado na revista Languages. Este termo foi usado para caracterizar os discursos “que desempenham um papel fundador, que sobre registros diversos servem de garantias últimas para multiplicidade das produções discursivas de uma coletividade” (MAINGUENEAU, 1998, p.31).

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Acrescenta-se que durante a realização desta dissertação foi produzido artigo em co-autoria intitulado Em busca de

referências: a Campanha pelas Diretas Já como discurso constituinte para a política brasileira. Este foi apresentado na

VII Semana de Humanidades e I Encontro de Pesquisa e Pós-Graduação em Humanidades, realizado na Universidade Federal do Ceará – UFC, no período de 4 a 7 de maio de 2010. Referências em JESUS; CARVALHO (2010b).

Neste ponto, infere-se que na história da política brasileira, a Campanha pelas Diretas é vista como exemplo, onde se busca referências. O que faz das Diretas um belo capítulo – embora não tenha alcançado o seu objetivo principal: a aprovação da Emenda Dante de Oliveira – são todos os elementos que a cercaram, tal como: a entrada da população na política – o que não se repetiu mais com o mesmo vigor.

Até aqui, buscou-se abordar a Campanha pelas Diretas por entender que uma pesquisa que se propõe a analisar uma cobertura jornalística de um movimento que marcou a história política de um País, não poderia fazer isso, sem antes disponibilizar elementos que ajudassem a conhecer ou relembrar o fato histórico. Por esses mesmos motivos, entende-se ser significativo falar sobre o jornal Folha de S. Paulo, tendo em vista que são analisadas, nesta pesquisa, reportagens publicadas por esse jornal.

Desse modo, considerando André Cellard (2008, p.300) para quem “não se pode pensar em interpretar um texto, sem ter previamente uma boa idéia da identidade da pessoa que se expressa, de seus interesses e dos motivos que a levaram a escrever”, resolveu-se por dedicar o segundo capítulo desta dissertação à apresentação do jornal Folha de S. Paulo, abordando, dentre outros aspectos, a relação da Folha e de seus repórteres com a Campanha pelas Diretas.

2 UM JORNAL EM DEFESA DAS DIRETAS

Antes de falar sobre a relação do jornal Folha de S. Paulo e de seus repórteres com a Campanha pelas Diretas Já, entende-se ser necessário oferecer algumas informações acerca da história desse jornal. Apresentar a Folha, sob uma perspectiva histórica, ajudará a entender a adoção de posicionamentos políticos e ideológicos por parte desse jornal, em diferentes momentos da história política do Brasil. Isso contribuirá para se conhecer as razões que levaram a Folha de S. Paulo a apoiar as Diretas, transformando-se num dos seus principais defensores.

Ainda neste sentido, acrescenta-se que historicizar a fonte é o passo inicial para se estabelecer uma análise. Como destaca Tânia Regina de Luca (2006, p.140), jornais não são “obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os tornam projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de idéias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita”. Desse modo, reforça-se a importância de se “identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos [...] inquirir sobre suas ligações cotidianas com diferentes poderes e interesses financeiros” (LUCA, op. cit, idem).

Assim, verifica-se a necessidade de se conhecer quem fala, pois como alerta Eni Orlandi (2008, p.95), “as palavras não significam por si, mas pelas pessoas que as falam ou pela posição que ocupam os que as falam”. Desta forma, para compreender as estratégias discursivas utilizadas pela Folha, no decorrer da cobertura da Campanha pelas Diretas, é necessário, antes de qualquer coisa, conhecer quem fala e principalmente a quais interesses estão vinculados o seu discurso. No entanto, é importante destacar que não se pretende estabelecer uma narrativa histórica minuciosa acerca do jornal Folha de S. Paulo41. Nesta perspectiva, será apresentado, no primeiro tópico deste capítulo, apenas o que se considera elementos fundamentais, de modo a disponibilizar informações básicas sobre a história do jornal, cujas reportagens são analisadas, destacando dentre outros aspectos, suas ligações com diferentes correntes políticas e interesses financeiros.

41 Sobre a história da Folha de S. Paulo recomenda-se a leitura de: História da Folha de S. Paulo: 1921-1981 (MOTA;

CAPELATO, 1981). Sobre a Folha de S. Paulo enquanto conglomerado jornalístico recomenda-se a leitura de: Folhas ao