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César Guerra-Peixe: Miniaturas n. 3 (1948) e Suíte n. 1 (1949)

3.1 Contexto de produção

César Guerra-Peixe (Petrópolis, 18/03/1914 - Rio de Janeiro, 26/11/1993) foi violinista, arranjador, compositor, professor e pesquisador16. Segundo a tese de doutorado de Ana Cláudia Assis (2006), sua produção artística pode ser dividida em três fases, de acordo com a indicação do próprio compositor em seu catálogo de obras elaborado em 1971: fase inicial ou de formação (1938-1944), fase dodecafônica (1944-1949) e fase nacionalista (a partir de 1949).

A fase dodecafônica17 de Guerra-Peixe corresponde ao período de atuação do compositor no movimento e no grupo de compositores Música Viva. Nesse período, o compositor denotou um importante papel, visto que foi o integrante do grupo Música Viva com o maior número de peças compostas durante o período18. Para Guerra-Peixe, a vinculação ao grupo Música Viva também possibilitou que ele tivesse grande parte de sua obra executada e divulgada por meio de programas radiofônicos e/ou em recitais promovidos e organizados pelos próprios integrantes do movimento Música Viva. A título de exemplo, é possível citar o levantamento realizado por Kater acerca dos programas radiofônicos difundidos entre os anos de 1946 e 1950, no qual a incidência e representação de Guerra- Peixe é encontrada no mínimo 13,2% num total de 53 obras (KATER, 2001b). Sua produção musical também obteve projeção internacional conforme é possível observar nas notas relativas às obras do compositor em seu catálogo. A peça Noneto (1945) é um exemplo dessa projeção, pois foi estreada pela Rádio de Zurique em 1948, sob a regência de Hermann Scherchen, e executada em Darmstadt (Alemanha), no ano de 1949, sob a regência de Koellreutter. Outro exemplo, é a peça Sinfonia n. 1 (1946), realizada pela primeira vez na BBC de Londres, em 1946, sob a regência de Maurice Milles, e executada no mesmo ano

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As informações reunidas acerca da biografia e das atividades desenvolvidas por Guerra-Peixe foram extraídas do site e catálogo dedicado ao compositor disponível em <www.guerrapeixe.com>.

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Análises a respeito das peças dodecafônicas de Guerra-Peixe podem ser encontradas na dissertação de mestrado intitulada A fase dodecafônica de Guerra-Peixe: à luz das impressões do compositor (2002) de Cecília Nazaré de Lima.

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Encontra-se disponível no Anexo B deste trabalho uma lista das obras compostas por Guerra-Peixe no momento de atividades do grupo de compositores Música Viva entre os anos de 1944 e 1949.

também no Festival Internacional de Música Jovem da Rádio de Bruxelas, sob a regência de Hermann Sherchen.

Apesar de César Guerra-Peixe ter alcançado grande notabilidade composicional enquanto esteve vinculado ao Música Viva tanto no Brasil quanto no exterior, em 1949, o compositor rompeu sua ligação com o grupo, cessando assim sua fase composicional denominada dodecafônica. Esse rompimento pode ser compreendido como consequência da repercussão das diretrizes estabelecidas e difundidas pelo Congresso de Praga (vide Capítulo 1), bem como pode ser associado a motivos pessoais de Guerra-Peixe, como a sua mudança para Recife em razão de seu novo trabalho na Rádio Nacional do Comércio, seu interesse acerca da música popular brasileira e, por fim, sua insatisfação em relação à falta de comunicabilidade das suas peças compostas segundo técnicas dodecafônicas, conforme relata o próprio compositor em uma breve nota de encarte de um LP intitulado Guerra-Peixe,

Música brasileira de concerto, lançado pela gravadora RCA, no ano de 1975:

Foi em 1944 que, no Grupo Música Viva, comecei a pintar como compositor de tendência expressionista. Música atonal, na técnica dos doze sons, ou melhor, música dodecafônica. A experiência me fascinava, porque com essa coisa eu fazia onda de moderninho, de vanguardinha, de polêmico! Era intelectual tagarelar requintes estéticos... Panfletava-se a “universalidade” que jamais existiu. Sim – que engraçado – cheguei a obter importantes execuções na Europa: BBC de Londres, irradiando em ondas para cerca de quarenta direções, inclusive com retransmissões oficiais no Brasil; Festival Internacional de Música Jovem, de Bruxelas; rádios de Roma, Zurique, Hamburgo... No entanto, eu estava certo que não devia me impressionar com essas vitórias mais ou menos divertidas. [...] Ao visitar Recife em junho de 1949, eu já vinha me liberando do dodecafonismo, e o larguei nessa ocasião, ao impacto com a cultura espontânea do seu povo e toda a sua força nativa, por vezes até agressiva. Foi uma emoção espetacular, diante da riqueza regional de Pernambuco! Renunciei ao convite de Hermann Scherchen para residir em Zurique e no fim do ano, me mandei para o Recife “de cantadores vivendo de glória em pleno terreno” (Capiba). (GUERRA-PEIXE, 1975, s/p – grifos do autor)

Segundo Kater (2001b, p. 190), Suíte, composta para flauta e clarineta em abril de 1949, “é considerada sua última obra atonal-dodecafônica”, sendo que a partir de junho de 1949, Guerra-Peixe “considera ter abandonado definitivamente a orientação dodecafônica e abraçado a linha nacionalista”.

Embora o encerramento da fase dodecafônica de Guerra-Peixe seja definido por meio da sua ruptura com o grupo de compositores Música Viva em 1949, pode-se considerar que o compositor passou por um momento transitório entre suas duas fases estético- composicionais – dodecafônica e nacionalista – ora compondo ainda segundo a técnica dodecafônica, ora já se direcionando para uma estética nacionalista. Conforme apontado por Assis (2009, p. 141), os anos de 1948 e 1949 correspondem ao período no qual “Guerra-Peixe

iniciou um processo de afastamento gradativo da órbita dodecafônica em direção ao nacionalismo”.

Ao longo desse período transitório de Guerra-Peixe, verifica-se um total de oito obras compostas para piano: Miniaturas n. 3 (12/1948), Miniaturas n. 4 (19/01/1949), Suíte n.

1 (01/1949), Prelúdios (19/03/1949), Peça (12/05/1949), Suíte infantil n. 2 (09/1949), Valsa n. 2 (09/10/1949) e Valsa n. 3 (22/10/1949). É importante destacar que as peças compostas

nesse momento apresentam diferentes procedimentos composicionais, conforme é possível verificar inclusive nas notas de catalogação de suas obras, nas quais apenas Miniaturas n. 3,

Miniaturas n. 4 e Prelúdios possuem indicação do uso da técnica dodecafônica, enquanto as

outras peças citadas possuem indicação de procedimentos não dodecafônicos.

3.2 Comentário analítico

Conforme discutido no tópico anterior, a transição estética de César Guerra-Peixe pode ser observada na sua produção para piano datada entre os anos de 1948 e 1949, na qual se verifica o distanciamento do compositor em relação à técnica dodecafônica e a sua aproximação da estética nacionalista. As obras Miniaturas n. 3 e Suíte n. 119 foram compostas justamente nesse período e podem exemplificar as duas tendências presentes na produção de Guerra-Peixe ao longo dessa fase de transição, isto é, antes da sua ruptura com o grupo de compositores Música Viva.

De acordo com a catalogação de obras de Guerra-Peixe, Miniaturas n. 3 foi composta em dezembro de 1948 e compreende dois movimentos. Ainda segundo o catálogo, a

Suíte n. 1, dedicada à Celinha (esposa de Guerra-Peixe), foi composta em janeiro de 1949 e

compreende quatro movimentos. O catálogo não traz informação sobre a data e o local de estreia de Miniaturas n. 3. Já a Suíte n. 1, segundo o catálogo, foi estreada pelo pianista Heitor Alimonda no I Congresso Brasileiro de Folclore, realizado no ano de 1950 no Rio de Janeiro; também foi executada, pelo mesmo intérprete, no programa da Rádio Ministério da Educação e Cultura (MEC) e em Viena no ano de 1953.

19 No levantamento bibliográfico realizado para a presente pesquisa, foram encontrados dois trabalhos acadêmicos que abordam as peças Miniaturas n. 3 e Suíte n. 1, a saber, a tese de Doutorado realizada em 2006 pela pesquisadora Ana Cláudia Assis, denominada Os doze sons e a cor nacional: conciliações estéticas e culturais na produção musical de César Guerra-Peixe (1944-1954); e a tese de Doutorado intitulada Guerra-

Peixe e a busca pela renovação do nacionalismo musical: reflexos na obra para piano, realizada pela

É importante ressaltar que foram encontradas algumas divergências20 entre a partitura de Miniaturas n. 3 disponível no site <https://www.sesc.com.br/Sesc Partituras/> e o manuscrito do compositor Guerra-Peixe disponível na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Desse modo, o manuscrito foi utilizado como principal referência.

a) Aspectos formais

As peças possuem similaridades e diferenças com relação à forma musical. Por um lado, ambas se constituem como um conjunto de movimentos de curta duração.

Miniaturas n. 3 consiste em dois pequenos movimentos que se realizam em 23 compassos na

primeira peça e 16 compassos na segunda, somando não mais do que 2 minutos juntos. Já

Suíte n. 1 consiste em quatro movimentos e tem duração total de cerca 9 minutos21. No entanto, se por um lado Miniaturas n. 3 (bem como todas as demais obras da série

Miniaturas) e Suíte n. 1 podem ser aproximadas por causa do projeto de coletânea de

pequenas peças, por outro lado, elas se diferenciam significativamente à medida que, na série

Miniaturas, Guerra-Peixe não atribui títulos específicos a cada movimento, enquanto na Suíte n. 1, cada movimento traz como título um gênero característico da música brasileira: I. Ponteio, II. Chôro, III. Toada e IV. Dobrado. A respeito de Suíte n. 1, conforme observa

Flávia Botelho (2013), é importante ainda destacar a semelhança entre o modelo de suíte empregado por Guerra-Peixe e aquele proposto por Mário de Andrade em seu livro Ensaio

sobre a música brasileira (ANDRADE, 2006), no qual a suíte é exemplificada e associada a

um conjunto de seis movimentos denominados Ponteio, Cateretê, Côco, Moda ou Modinha,

Cururu e Dobrado.

A utilização e preferência por formas concisas em Miniaturas n. 3 e Suíte n. 1 pode ser entendida como uma estratégia encontrada pelo compositor para realizar experimentações acerca de aspectos harmônicos e rítmicos, conforme ele mesmo declara a respeito do uso da forma suíte em carta enviada ao musicólogo Mozart de Araújo.

Sinto que durante algum tempo eu preciso compor suítes, que é para explorar todos esses ritmos que conhecemos. Começarei, depois de empregar muitos ritmos em sua forma mais elementar, a diluir todo esse manancial. Agora é totalmente impossível fazer qualquer coisa como Sonata por causa da abundância de material que surge

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Segundo a breve comparação, foi possível notar a falta da clave de fá nos compassos de número 7 e 17 na partitura do primeiro movimento de Miniaturas n. 3 disponibilizada pelo Sesc Partituras.

21 Suíte n. 1 foi a única peça do conjunto das cinco obras analisadas na presente pesquisa que não foi possível ter acesso a qualquer registro em áudio, nem comercial, nem realizado no contexto de outras pesquisas.

sem que eu o queira. Ficarei nas pequenas peças, suítes de danças, suítes descritivas, (GUERRA-PEIXE, cartas a Mozart de Araújo, 06/02/1950 apud BOTELHO, 2013, p. 134)

b) Aspectos harmônicos

Em relação à organização harmônica das obras, é importante destacar que

Miniaturas n. 3 e Suíte n. 1 apresentam procedimentos distintos. Miniaturas n. 3 foi composta

a partir de uma série dodecafônica (cf. Figura 9), ainda que esta raramente se apresente de modo explícito e que não tenha sido empregada de forma estrita ao longo da peça. A série é apresentada com mais transparência apenas no início do segundo movimento, porém ainda assim sem a quinta nota da série – a nota fá22.

Figura 9: Série dodecafônica original empregada em Miniaturas n. 3.

Figura 10: Frase inicial do segundo movimento da peça Miniaturas n. 3 com a série assinalada (c.1-4).

Ainda que a versão integral do original da série (ou mesmo suas transposições e/ou versões inversa, retrógrada ou retrógrada invertida) não se confirme com clareza por meio de um mapeamento sistemático, é possível encontrar ao longo dos dois movimentos de

Miniaturas n. 3 sequências ordenadas de certo número de notas da série, indicando talvez uma

tendência de nucleação da série em subconjuntos irregulares, numa maneira particular e não ortodoxa de Guerra-Peixe lidar com a técnica dodecafônica no plano horizontal (melódico). Já no plano vertical (harmônico), Guerra-Peixe privilegia em Miniaturas n. 3 o agrupamento de

22 A série completa aparece indicada no catálogo do compositor Guerra-Peixe. Disponível em <www.guerrapeixe.com>. P O 1 2 3 4 6 7 9 108 11 12

subconjuntos de três notas da série, não respeitando necessariamente a ordenação original, em busca de sonoridades específicas que ele próprio chamava de complexos harmônicos. Em carta enviada a Curt Lange (10 de fevereiro de 1948), Guerra-Peixe comenta que Miniaturas

n. 3 foi composta a partir dessa ideia de complexos harmônicos, isto é, segundo um

reservatório de possibilidades harmônicas e intervalares de uma série de doze sons:

[...] Dr. Lange. Ultimamente venho criando séries de doze sons desta forma, observando muito o complexo harmônico:

Os sons são empregados indiferentemente, iniciando por qualquer um deles e seguindo por qualquer outro do mesmo grupo de sons. Não sei se este processo já foi empregado, mas creio que vale alguma coisa – pois deu-me excelente resultado nas Músicas n. 1 e n. 2 para violino, Provérbios n. 2 e Trio de sopros. Penso continuar porque a melodia se torna mais maleável e bastante variável. Pode-se chamar isso de TÉCNICA DOS DOZE SONS? (GUERRA-PEIXE apud ASSIS, 2006, p. 218)

Utilizando a teoria dos conjuntos, é possível ver que o terceiro acorde indicado no exemplo de Guerra-Peixe é uma inversão do primeiro, e que o quarto acorde é uma transposição do segundo. Sendo assim, a peça é estruturada harmonicamente a partir de dois complexos harmônicos, isto é, de dois conjuntos intervalares, nomeados no exemplo a seguir como A e B. O conjunto A possui como características intervalares uma segunda menor, uma terça maior e uma quarta justa, enquanto que o conjunto B possui uma segundamaior e duas quartasjustas. É importante ressaltar também que as notas do complexo harmônico formam as doze notas do total cromático, conforme se observa na figura a seguir.

Figura 11: Complexos harmônicos descritos por Guerra-Peixe em carta a Curt Lange. Mapeamento dos conjuntos A e B e seus respectivos vetores intervalares.

A partir do processo descrito na Figura 11, é possível encontrar, em diversos trechos, nos dois movimentos de Miniaturas n. 3, acordes e arpejos construídos a partir da utilização desse complexo harmônico de forma estrita (cf. Figura 12), ainda que

A B A B

(015) <100110>

(027)

eventualmente transposto. Na figura seguinte, é possível observar a presença simultânea dos dois conjuntos intervalares característicos de Miniaturas n. 3:

Figura 12: Utilização dos complexos harmônicos A e B no primeiro movimento da peça Miniaturas n. 3 (c.15-18).

A maneira flexível com que a série foi empregada em Miniaturas n. 3, bem como o questionamento de Guerra-Peixe em carta enviada a Curt Lange, sugerem um momento de questionamento do compositor em relação ao uso da técnica dodecafônica. No entanto, um maior distanciamento de Guerra-Peixe do universo serial ocorre mais explicitamente à medida que o compositor realiza experimentações com elementos característicos da música nacional brasileira, conforme pode ser observado na peça Suíte n. 1 para piano.

Na fase dodecafônica Guerra-Peixe vivenciou o conflito entre tradição e modernidade expresso pela oposição entre os compositores nacionalistas e o grupo Música Viva. Os momentos de negação do nacionalismo musical, o engajamento na linguagem de vanguarda do grupo Música Viva e a tentativa de conciliação entre dodecafonismo e nacionalismo são a total expressão desse conflito, que culminou no abandono do grupo Música Viva e da técnica dodecafônica. (BOTELHO, 2013, p. 311-312)

O aspecto harmônico de Suíte n. 1 pode representar a oposição de Guerra-Peixe em relação à técnica dodecafônica e o seu deslocamento em direção à estética composicional nacional, visto que a peça não foi composta segundo uma série de doze sons. No entanto, observa-se uma mescla de procedimentos composicionais em Suíte n. 1, no qual a escrita modal é realizada em conjunto com progressões cromáticas e/ou com acordes que não estabelecem nenhuma relação harmônica com a peça, entre outros aspectos.

No primeiro movimento da Suíte n. 1 – Ponteio –, nota-se uma independência entre a melodia e o acompanhamento da peça, dado que a melodia se apresenta por meio de modos, e o acompanhamento, a partir de dois conjuntos de ostinatos melódicos. Verifica-se, assim, que a melodia do Ponteio se apresenta a partir de modos que são manipulados e alterados de maneira bastante plástica. O início de Ponteio, por exemplo, encontra-se no

A

modo de Mi jônio, ao passo que essa sonoridade é alterada para Mi dórico no compasso 5 por causa das notas sol natural e ré natural. No entanto, essa sonoridade (Mi dórico) é remodelada novamente para o modo de Mi jônio já no compasso 6 por causa do uso da nota

Sol#, gerando, dessa forma, uma escuta alternada entre os dois modos na melodia.

Figura 13: Utilização dos modos Mi jônio e Mi dórico (c.1-6).

Já o acompanhamento se apresenta em Ponteio por meio de dois grupos de ostinatos que se repetem e se alternam de maneira não ordenada ao longo da música. É importante observar que esses dois grupos – A e B – não estabelecem nenhuma relação com a melodia e não chegam a formar um único padrão escalar; nota-se apenas que os ostinatos se caracterizam por intervalos consonantes de terça menor, terça maior, quarta justa e sexta maior, bem como por intervalos dissonantes de segunda menor, segunda maior, trítono, sétima menor e maior.

Figura 14: Ostinatos melódicos-rítmicos empregados em Ponteio.

No segundo movimento da Suíte n. 1 – Chôro –, nota-se que a melodia e seu acompanhamento se apresentam sobre progressões cromáticas, de maneira autônoma e sem estabelecer relações tonais. A título de exemplo, segue o início de Chôro, entre os c.1-4, no qual é apresentada uma progressão de acordes que se encadeiam essencialmente por meio de cromatismos internos e que se finaliza por meio de uma passagem descendente formada por intervalos de terça maior e quarta justa.

Figura 15: Progressões cromáticas observadas em Chôro (c.1-4).

No terceiro movimento da Suíte n. 1 – Toada –, Guerra-Peixe utiliza novamente uma textura em duas camadas, sendo a inferior formada por um acompanhamento em ostinato. Entretanto, ao passo em que no Ponteio os dois grupos de ostinatos são usados de maneira não ordenada, aqui, especificamente na primeira parte, o acompanhamento é realizado sobre dois grupos de ostinatos que se alternam a cada compasso. Dessa maneira, tem-se como exemplo a passagem entre c.5-10, na qual se verifica os dois grupos de ostinatos, bem como os modos Fá# eólio entre c.5-9 e o modo Fá# dórico em c.10, em razão da nota

Grupo A Grupo B trítono 4J 3M 3m 2M 7M 7m 2m trítono 3M 4J 4J 6M trítono 3M 3m 2M 2M 2m trítono 3m 4J tritono 6M 4J 4J 3M 4J 4J 3M

ré# na camada da melodia. Observa-se também que os dois grupos de ostinatos (A e B) são

formados por acordes que se configuram por relações intervalares dissonantes e não por meio de tríades – comuns no idioma tonal/modal. Dessa forma, observa-se a sobreposição de intervalos harmônicos de terça menor, sétima maior e nona maior e por um intervalo melódico de oitava justa descendente em relação a nota mais grave do acorde, no grupo A, e por intervalos harmônicos de segunda maior, sexta menor e sétima menor e por dois intervalos melódicos descendentes de quinta e oitava justa, também em relação à nota mais grave do acorde no grupo B.

Figura 16: Utilização dos modos Fá# eólio e Fá dórico e ostinatos em Toada (c.5-10).

A partir do compasso 13, Toada apresenta um procedimento similar ao empregado no Ponteio, no qual a melodia e o acompanhamento se desenrolam de maneira independente, sendo que a melodia se baseia em modos e o acompanhamento se realiza por meio de ostinatos que se alternam e que não estabelecem nenhuma função harmônica. Como exemplo, tem-se uma passagem entre os compassos 13-23, nos quais a melodia se alterna entre os modos Fá# dórico (c.13-16, c.18 e c.20-23) e Fá# eólio (c.17 e c.19), em função da alternância entre ré# e ré natural. Já o acompanhamento se apresenta, nesse trecho, por meio de um ostinato rítmico, que é realizado por notas que não estabelecem nenhuma relação com a melodia e que não formam um padrão escalar, embora sejam observados quatro grupos de ostinatos harmônico intervalares diferentes (A, B, C e D), em que são priorizados os

7M 9M 3m 8J 2M 7m 6m 5J 8J Grupo A Grupo B

intervalos de terça menor, terça maior, quinta justa, sexta maior e sétima menor na parte interna dos acordes, bem como intervalos dissonantes de sétima maior, nona maior e nona menor entre as notas extremas do acorde, ou seja, entre as notas mais agudas e graves.

Figura 17: Utilização dos modos Fá# dórico e Fá# eólio na melodia e ostinatos em Toada (c.13-23).

Já no quarto e último movimento da Suíte n. 1 – Dobrado –, observa-se um grande volume de passagens melódicas por graus conjuntos (segunda menor e segunda maior). No entanto, esses movimentos não chegam a formar um único modo ou escala, já que as notas se modificam logo após a sua aparição.

Figura 18: Exemplo de aspecto harmônico de Dobrado (c.1-4). 3m 9M 5J 7m 3m 5J 7M 6M 9m 5J 7M 3M 5J 5J 4J 3M 5J 4J Texto grupo A grupo B grupo D grupo C

Conforme observado em Miniaturas n. 3 e Suíte n. 1, pode-se considerar que ambas as peças indicam o deslocamento do compositor entre dois ambientes distintos, sendo que a primeira peça analisada – Miniaturas n. 3 – corresponde a um momento em que Guerra- Peixe realizou experimentações de maneira mais livre com a técnica dodecafônica, pois o tratamento da série é manipulado de maneira flexível, ao passo que Suíte n. 1 pode representar

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