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3. O PROGRAMA RESTAURATIVO NO JUDICIÁRIO DE CAMPINAS

3.3 Dados sobre o programa restaurativo na 2ª VIJ de Campinas

3.3.3 Círculos, pós-círculos e encaminhamentos posteriores

Realizados os pré-círculos com o autor e/ou com o receptor do ato, as facilitadoras elaboram breve relatório contendo a qualificação das partes (nome, idade, grau de instrução e profissão), a descrição sumária do conflito, os procedimentos realizados (leitura dos autos, envio de carta convocatória, pré-círculos e entrevistas conjuntas, quando houver), a análise dos atendimentos e parecer técnico (considerações finais). Em caso de ausência de uma ou ambas as partes, o fato é comunicado no relatório.

Durante 2015 foram elaborados 105 relatórios pelas facilitadoras, sendo que em 29 deles foi constatada a desnecessidade de intervenções do juízo (28%); 23

83 apresentavam os relatos de cada um dos entrevistados, sem tecer, ao final, avaliação ou sugestão (22%); 19 apenas continham informação de ausência das partes (18%); 18 mencionaram a ocorrência de círculo restaurativo (17%); 09 apresentaram alguma sugestão de encaminhamento (8%), como atendimento no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); e 04 relatavam orientação fornecida ao adolescente ou responsável legal, consistente em auxílio psicológico (4%).

Com relação à conclusão sobre a desnecessidade de intervenções do juízo, as facilitadoras a associam com a reflexão do autor sobre o ocorrido e o reconhecimento dos seus atos; a existência de amparo e proteção familiar; o fato de o conflito ter sido um episódio isolado na vida do adolescente; e ausência de maiores desdobramentos do episódio ou de necessidades relatadas pelos receptores.

29 23 19 18 9 4 3 0 10 20 30

Gráfico 12 - Relatórios da Equipe Técnica

(2015)

Sem Necessidade de Intervenção Sem menção

Informação CR Sugestão Orientação Sem informação 28% 22% 18% 17% 8% 4% 3%

Gráfico 13 - Relatórios da Equipe Técnica

(2015)

Sem nec intervenção: 29 Sem menção: 23 Informação: 19 Círculo Restaurativo: 18 Sugestão: 09 Orientação: 04 Sem informação: 03

84 Em análise dos relatórios produzidos em 2016113, em 63 deles houve a conclusão

de desnecessidade de intervenções do juízo (40%); 32 apenas descreveram os relatos de cada um dos entrevistados, sem fazer qualquer juízo de valor (21%); 44 deram conta da ausência de uma ou ambas as partes e/ou consultando como proceder e intimação judicial (28%); 10 descreveram a realização de círculo restaurativo (6%); 5 relataram alguma sugestão de encaminhamento (5%), como atendimento no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); e 3 mencionaram orientação fornecida ao adolescente ou responsável legal, consistente em auxílio psicológico (2%).

113 Foram, portanto, desconsiderados os processos que estão em andamento e não possuem um relatório

de informação ou um relatório final elaborado.

63 32 44 10 5 3 0 20 40 60

Gráfico 14 - Relatórios da Equipe Técnica

(2016)

Sem Necessidade de Intervenção Sem menção

Informação CR Sugestão Orientação 40% 21% 28% 6% 3% 2%

Gráfico 15 - Relatórios da Equipe Técnica

(2016)

Sem nec intervenção: 63 Sem menção: 32 Informação: 44

Círculo Restaurativo: 10 Sugestão: 05

85 Em 2015, foram realizados 18 círculos restaurativos e, em 2016, foram contabilizados 10 círculos restaurativos114, oportunidades em que os autores, receptores

e outros envolvidos (familiares e amigos) puderam dialogar sobre o ato conflituoso e propor ações para o futuro. Em linhas gerais, segundo informações extraídas dos relatórios das facilitadoras, os autores (e por vezes os receptores) assumiram responsabilidade pelos atos e pediram desculpas, os participantes puderam expressar seus sentimentos sobre a situação, refletiram sobre as consequências do conflito e concordaram em não repetir as violências perpetradas, bem como em conviver de maneira pacífica, tratando-se com educação e respeito.

É preciso ressalvar que o simples critério quantitativo baseado no número de círculos restaurativos realizados para medir a eficácia do procedimento não se coaduna com a essência do modelo. Isso porque esse indicador aritmético não leva em consideração aspectos intrínsecos nos quais a justiça restaurativa se pauta, tais quais a responsabilização pelo autor (e em alguns casos a corresponsabilização pelo receptor), a reflexão proporcionada aos envolvidos; a oportunidade de o receptor expressar seus sentimentos e de ser ouvido; e a disponibilidade de reparação de danos. Muitos desses elementos aparecem de forma satisfatória nos atendimentos iniciais ainda que frustrado o círculo restaurativo entre os envolvidos. O que se pretende destacar, portanto, é que é fundamental que os resultados da justiça restaurativa não se limitem ao número de acordos efetuados, mas compreendidos a partir de uma nova lente, como propõe Zehr (2012).

Como já mencionado, na maioria dos relatórios elaborados pela equipe técnica, as facilitadoras concluem pela desnecessidade de intervenções do juízo no caso, destacando: a reflexão das partes acerca do conflito; o reconhecimento do autor pelos seus atos; a ausência de maiores desdobramentos da situação conflituosa; o amparo familiar dos envolvidos; e a não-reiteração de conduta infracional do autor.

Com relação aos círculos restaurativos acompanhados durante a pesquisa de campo, constatou-se que as facilitadoras nunca interferem nos termos do acordo entre os participantes. Não há direcionamento ou sugestão de medida em momento algum, ficando os envolvidos livres para definirem conjuntamente o acordo, a partir das necessidades surgidas do conflito discutido.

114 Houve, ainda, um círculo que não ocorreu em razão da ausência de uma das partes, a despeito de

86 Nos círculos observados, o acordo firmado durante o círculo restaurativo consistiu basicamente no comprometimento em se portarem com respeito mútuo dali para frente. Em todos os casos, houve pedido de desculpas, ainda que esse não fosse um elemento obrigatório para a composição entre os envolvidos, e não foi verificado qualquer acordo envolvendo reparação monetária. Em apenas um círculo foi feito um acordo com medidas específicas e tangíveis: prosseguimento de tratamento psicológico e psiquiátrico já iniciado e comprometimento em retornar à escola.

Uma limitação constatada no programa restaurativo de Campinas diz respeito à ausência de integração com setores de atendimento externos ao Judiciário. Qualquer encaminhamento a outros órgãos e instituições ligadas à rede de garantias de direitos (educação, saúde e assistência social, por exemplo) depende de determinação judicial. Nesse sentido, eventual acordo entre os envolvidos que envolva algum outro serviço especializado prestado pelo Estado, como eventual transferência de escola, inscrição em curso profissionalizante e atendimento psicológico, depende de apreciação do juízo. À facilitadora resta comunicar o que foi acordado pelas partes em seu relatório e sugerir encaminhamento.

Quanto aos encaminhamentos posteriores, constatou-se uma tendência da promotora de justiça no sentido de requerer a remissão como forma de exclusão do processo, sendo o pedido deferido pela juíza de direito.

Dos 105 processos enviados para a justiça restaurativa em 2015, a remissão simples como exclusão do processo foi concedida em 96 casos (91%), em 01 processo foi concedida a remissão cumulada com medida de advertência (1%) e em 01 caso houve a remissão suspensiva (1%). Apenas em 04 casos foi dado prosseguimento aos processos (02 processos encontram-se em andamento para diligências, em 01 caso há sentença julgando a ação procedente e 01 resultou na concessão de remissão suspensiva do processo cumulada com liberdade assistida). Já os relatórios das facilitadoras ou opinaram pela continuidade do processo115 ou informaram a ausência das partes,

consultando como proceder. Além disso, 03 processos foram arquivados por erro ou duplicidade.

115 No processo nº 0032239-84.2015 (lesões corporais), o relatório informou que: ambas as partes

recusaram o encontro restaurativo; a adolescente autora se mostrou indiferente e apática quanto ao ocorrido; a autora cumpre medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade por outro processo (furto); a adolescente não dispõe de respaldo familiar adequado; e, portanto, conclui pela imposição de medida socioeducativa e encaminhamento para psicoterapia.

87 Em 2016, excluídos os 54 processos que estão em andamento (por exemplo, alocados à equipe técnica para atendimento das partes, enviados ao Ministério Público para manifestação acerca do relatório ou aguardando diligências), foi possível apurar que foi concedida a remissão simples em 113 processos (86%) e a remissão cumulada com medida de advertência ao adolescente em 07 casos (6%). Outros 08 processos retornaram ao trâmite da justiça comum (6%) e 03 foram arquivados por ausência de provas ou erro na qualificação das partes (2%).

Portanto, os dados colhidos mostram que na maioria dos casos: não foi constatada qualquer necessidade de intervenção do juízo segundo avaliação das facilitadoras; e os operadores do direito adotaram a conclusão dos relatórios, atuando no sentido da concessão de remissão simples como exclusão do processo a praticamente

93% 4% 3%

Gráfico 16 - Fluxo Posterior à JR (2015)

Remissão (exclusão: 96 e suspensão: 01) Prosseguimento: 04 Arquivamento: 03 86% 6% 6% 2%

Gráfico 17 - Fluxo Posterior à JR (2016)

Remissão simples (todos como exclusão): 113 Remissão com advertência: 07 Prosseguimento: 08

88 todos os autores dos casos enviados ao programa restaurativo. Essas constatações parecem apontar na direção de um aumento do controle social e aplicação instrumentalizada da justiça restaurativa. Maiores considerações sobre essas questões serão desenvolvidas no próximo capítulo.

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