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do Código Civil Brasileiro e artigo 1º da Lei das Sociedades Anônimas (limitação de responsabilidade dos sócios)

A existência de sociedades comerciais, tais quais a sociedade de responsabilidade limitada e a sociedade anônima, em que os sócios não respondem nem ao menos subsidiariamente pelas obrigações das sociedades – salvo em hipóteses em que ocorra desconsideração da personalidade jurídica –, também endossa a admissibilidade da limitação contratual de responsabilidade no direito brasileiro.

De um ponto de vista estritamente jurídico-formal, o argumento é frágil, pela razão óbvia de que sociedades comerciais são pessoas jurídicas distintas de seus sócios. A princípio, de uma perspectiva jurídico-formal, o fato de um sócio não responder pelas obrigações da sociedade não significa nada além de (i) a personalidade da sociedade não

indesejadas pelo empregado. A percepção do empregado acerca da probabilidade de ser beneficiado por um LCA, contudo, incentiva-o a agir em desconformidade às regras de conduta esperadas (Bamberger e Donahue, 1999).

138 Em importante artigo de 1985 acerca dos defeitos do sistema de responsabilidade civil norte-

americano, Stepahn Sugarman enumera como uma das razões pelas quais a responsabilidade civil não exerce modelarmente a sua função de prevenção à ocorrência de danos o fato de os causadores de danos contarem com a possibilidade de realizar transações com as vítimas dos danos pelas quais pagarão indenizações em valores inferiores ao valor dos prejuízos causados. Confira-se: “A further diminution of

tort law's effectiveness as a deterrent occurs because people discount the threat of tort liability. From an economic perspective, some discounting can be quite rational (…) Additionally, the tortfeasor likely is aware that many cases can be settled for far less than the cost of damages incurred” (Stephan Sugarman, 1985).

se confundir com a dos sócios e (ii) de que uma pessoa não responde pelas obrigações da outra.

Analisando-se mais atentamente as sociedades comerciais, contudo, não sob a ótica das formas jurídicas, mas sim sob a perspectiva da finalidade econômica historicamente desempenhada pela técnica do direito societário, observa-se que a ausência de responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade torna absolutamente desprovida de sentido a vedação à limitação contratual de responsabilidade por inadimplemento.

Historicamente, a limitação de responsabilidade dos sócios precede à personalidade jurídica das sociedades. Antes, portanto, de terem uma personalidade distinta da de seus sócios, as sociedades consistiam em nada mais do que um patrimônio especial apartado do patrimônio do sócio e afetado à atividade econômica para a qual era destinado.

A finalidade precípua das sociedades comerciais, ao menos em suas origens, é a de permitir aos sócios exercerem atividades econômicas limitando o risco de responsabilidade por essas atividades a uma parcela de seu patrimônio (justamente o patrimônio integralizado no capital social da sociedade).

Abstraindo-se a distinção entre a personalidade da sociedade e dos sócios e assumindo a premissa de que as sociedades são pessoas interpostas dos sócios, modeladas para atender aos interesses destes, conclui-se que as sociedades comerciais consistem em uma técnica jurídica que provê aos sócios meios para celebrar, reiterada e sistematicamente, contratos com terceiros, tendo sua responsabilidade pelas obrigações contratuais limitada a determinada parcela de seu patrimônio.

Em outras palavras, de uma perspectiva econômico-pragmática, que desloca o foco de atenção das formas jurídicas para as operações econômicas e materiais a estas subjacentes, a celebração de um contrato por uma sociedade comercial de responsabilidade limitada é um fenômeno equivalente à celebração, pelos próprios sócios, de um contrato com uma cláusula tácita de limitação de responsabilidade. Ou seja, quando uma sociedade limitada, com capital social de R$ 100.000,00, celebra um contrato de prestação de serviços, isso, em certo sentido, equivale (de uma perspectiva estritamente econômico-pragmática) à celebração, pelos sócios, de um contrato de

prestação de serviços com uma cláusula que limita a responsabilidade destes (mas não da sociedade) a R$ 100.000,00.

Em verdade, a ausência de responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade é ainda mais prejudicial ao credor do que as cláusulas de limitação de responsabilidade contratual. Em primeiro lugar, a ausência de responsabilidade dos sócios abrange todo o espectro de obrigações decorrentes das relações contratuais da sociedade, incluindo a obrigação de realizar a prestação principal, ao passo que a cláusula de limitação de responsabilidade abrange apenas a obrigação de indenizar decorrente do inadimplemento contratual. Em segundo lugar, os custos de informação para que o credor tome ciência da real extensão da limitação de responsabilidade são muito maiores no caso da limitação de responsabilidade dos sócios do que na limitação contratual de responsabilidade: enquanto, no primeiro caso, o credor deve buscar nos registros de comércio a última versão do contrato social ou do estatuto social para obter informações acerca do capital social atualizado da sociedade com a qual está contratando e ainda tomar ciência das demais obrigações sociais da sociedade para saber se o valor destas superam ou não o capital social, no segundo caso, a limitação de responsabilidade está estipulada no próprio contrato da qual o credor fez parte.

Não se pode deixar de observar, contudo, que este argumento perde muito de sua força persuasiva diante da prática corrente dos tribunais brasileiros de desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades comerciais sem uma prévia e rigorosa investigação acerca do preenchimento dos requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica.

Artigo 787 do Código Civil Brasileiro (seguro de responsabilidade civil)

Por fim, a aceitação, pelo ordenamento jurídico, da validade dos contratos de seguro, em especial do contrato de seguro de responsabilidade civil, também reforça a admissibilidade, a priori, das cláusulas de limitação de responsabilidade.

Assim como ocorre na aproximação entre sociedades comerciais de responsabilidade limitada e cláusulas de limitação de responsabilidade acima tratada, de uma perspectiva estritamente jurídico-formal, o argumento não parece muito persuasivo: afinal, a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil

destoa enormemente da aposição de uma cláusula de limitação de responsabilidade em um contrato qualquer.

O contrato de seguro é um negócio jurídico autônomo, ao passo que a cláusula de limitação de responsabilidade é uma convenção acessória de um negócio jurídico. A cláusula de limitação de responsabilidade altera os efeitos do negócio jurídico celebrado entre credor e devedor, enquanto o contrato de seguro de responsabilidade civil institui uma nova relação, autônoma, entre o devedor e um terceiro (o segurador) que não influi na relação jurídica entre credor e devedor139.

De uma perspectiva econômica, contudo, as duas operações (celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil e aposição de uma cláusula de limitação de responsabilidade) têm muito em comum. Ambas representam uma reconfiguração da alocação original dos riscos contratuais. No contrato de seguro de responsabilidade civil, os riscos contratuais são transferidos do devedor para o segurador (e o segurador recebe um prêmio por assumir o risco), enquanto nas cláusulas de limitação de responsabilidade, o risco contratual é parcialmente (ou integralmente) transferido do devedor para o credor (e o credor, ao menos teoricamente, também recebe um prêmio por assumir o risco, na forma de um desconto no preço ou outros benefícios contratuais). Ou seja, a cláusula de limitação de responsabilidade equipara-se, de uma perspectiva econômica, à contratação de um seguro de responsabilidade civil pelo devedor no qual o credor é o segurador140.

Mesmo dessa perspectiva econômica, as duas situações têm diferenças nada desprezíveis. Em primeiro lugar, o segurador é uma empresa cuja única atividade é assumir riscos profissionalmente: o segurador que assume o risco do devedor por meio de uma apólice de seguro é muito mais preparado, tem muito mais informações e

139 Em verdade, conforme demonstrado no Capítulo 2 acima, quando se tratou da cláusula de substituição

de responsabilidade por seguro, o seguro de responsabilidade civil exerce moderada influência sobre a relação entre vítima e causador do dano nos ordenamentos jurídicos em que se admite a chamada “ação direta”, ou seja, a possibilidade de a vítima acionar diretamente o segurador do causador do dano para receber a indenização pelos prejuízos sofridos. Conforme já demonstrado, no Direito Brasileiro, a ação direta é expressamente prevista em lei nos casos envolvendo seguro de responsabilidade civil

obrigatórios. A lei, contudo, é omissa acerca da possibilidade de ação direta nos contratos de seguro de responsabilidade civil facultativos, sendo que o Superior Tribunal de Justiça tem precedentes tanto admitindo, quando rejeitando a ação direta para esses casos.

140 Antonio Pinto Monteiro sintetiza muito bem esse argumento: “se o segurado tem o ônus de pagar o respectivo prêmio, também o devedor, beneficiário da cláusula exoneratória, concederá frequentemente certas vantagens ao credor, designadamente reduzindo o preço dos bens ou serviços, pelo que em ambos os casos se trataria de comprar a irresponsabilidade” (Pinto Monteiro, 2011, p.134).

expertise na análise de risco do que o credor que assume os riscos do devedor por meio de uma cláusula de limitação de responsabilidade. Isso faz com que o segurador esteja muito mais apto a se remunerar adequadamente (suficientemente) pelo risco assumido do que o credor de seu segurado. Além disso, em segundo lugar, uma vez que, no contrato de seguro, a transferência de riscos consiste em convenção sobre a obrigação principal do contrato, ao passo que, nas cláusulas de limitação de responsabilidade, a transferência de riscos consiste em convenção acessória sobre uma obrigação secundária do contrato, é natural que haja maior atenção e dispêndio de tempo das partes na negociação da transferência do risco (e, consequentemente, uma declaração de vontade negocial mais hígida) na primeira hipótese do que na segunda. Ou seja, é mais fácil justificar a admissibilidade, pelo sistema jurídico, do contrato de seguro – em que o risco é assumido por um tomador de riscos profissionais, em um negócio jurídico celebrado com a exclusiva finalidade de estipular a assunção do risco e sua contraprestação – do que da cláusula de limitação de responsabilidade – em que o risco é assumido por um tomador de riscos amador, em um negócio jurídico no qual a assunção do risco contratual é matéria secundária, que não está na primeira pauta de discussão das partes.

Ainda assim, a despeito das relevantes diferenças dogmáticas e econômicas entre o contrato de seguro de responsabilidade civil e a cláusula de limitação de responsabilidade, a admissibilidade do contrato de seguro no ordenamento jurídico endossa a admissibilidade da cláusula de limitação de responsabilidade.

E isso por dois motivos. Em primeiro lugar, porque a admissibilidade do contrato de seguro de responsabilidade civil denota a dispositividade do risco contratual. Em outras palavras, o sistema jurídico, ao aceitar que o devedor celebre contrato de seguro de responsabilidade civil para ser reembolsado de eventuais indenizações que tenha de pagar em razão de seu inadimplemento, admite que o risco contratual (e, aqui, a expressão risco contratual está sendo utilizada como significando os efeitos materiais e econômicos negativos do inadimplemento e não os efeitos jurídicos do inadimplemento) seja suportado por pessoa diversa da pessoa do devedor. Isso afasta qualquer alegação de que o sistema jurídico consideraria imoral ou contrário aos bons costumes – e a imoralidade e os bons costumes são uma das barreiras em que a autonomia da vontade

esbarra, no Direito Brasileiro – o pacto pelo qual o devedor conseguiria se livrar dos efeitos econômicos de seu inadimplemento141.

Em segundo lugar, porque a admissibilidade da validade do contrato de seguro de responsabilidade civil implica a aceitação, pelo sistema jurídico, da validade de um negócio jurídico que promove grandes desincentivos ao devedor a tomar medidas de precaução para evitar o inadimplemento e a produção de danos ao credor – e a geração desses desincentivos à precaução (o chamado moral hazard), como já visto acima e como será mais detidamente discutido abaixo, é um dos principais argumentos contra a validade das cláusulas de limitação de responsabilidade.

Nesse ponto, parece ser mais fácil justificar, no sistema jurídico, a validade da cláusula de limitação de responsabilidade do que a validade do contrato de seguro. Isso porque há razões para crer que os contratos de seguro de responsabilidade civil promovem mais intensamente o efeito do moral hazard do que as cláusulas de limitação de responsabilidade. Em geral, o devedor, ao celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil, tem mais segurança de que não terá de suportar os custos econômicos de seu inadimplemento (e, portanto, tem mais desincentivos a tomar as precauções necessárias para evitar o inadimplemento) do que quando celebra uma cláusula de limitação de responsabilidade. A uma, porque o segurador tem incentivos a cumprir o pactuado na apólice e pagar a indenização, em razão dos custos reputacionais em que incorre se evitar indenizar o segurado (o valor de mercado de uma apólice de seguros está diretamente relacionado à credibilidade da seguradora). O credor, por sua vez, na maior parte dos casos, não tem custos reputacionais quanto a esse aspecto e, portanto, terá todos os incentivos a tentar vulnerar judicialmente a limitação de responsabilidade para receber a indenização integralmente. A duas porque é mais difícil o segurador obter provas que lhe permitam alegar legitimamente uma exceção à obrigação de indenizar o sinistro (como por exemplo, a ocorrência de dolo do segurado) do que o credor obter provas de fatos que lhe permitam legitimamente afastar a limitação de responsabilidade do devedor. Mesmo porque, havendo seguro de

141 Confira-se, nesse sentido, Antonio Pinto Monteiro: “Na verdade, a partir do momento em que o seguro permitiu a transferência da obrigação de indenização, do lesante para a Companhia Seguradora, foram-se esbatendo certo tipo de argumentos de ordem moral que se vinham opondo à validade das cláusulas de exclusão, na base precisamente de que seria ‘imoral livrar-se das consequências de culpas

próprias’” (Pinto Monteiro, 2011, p. 134). No mesmo sentido, Ana Prata (2005, p. 168) e também Aguiar

responsabilidade civil, o credor do segurado tem todos os incentivos a se conluiar com o segurado para auxiliá-lo a receber a indenização securitária.

Artigo 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor

Por ironia, um dos estatutos legislativos brasileiros que mais promove intervenção em negócios jurídicos privados é também aquele do qual mais inequivocamente decorre a admissibilidade em geral da cláusula de limitação de responsabilidade.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, inciso I, prevê que são nulas, nos contratos de consumo, cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a

responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”.

No mesmo inciso, contudo, há uma ressalva à regra geral de vedação das cláusulas de limitação de responsabilidade nos contratos de consumo: “Nas relações de consumo

entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”.

Parece evidente que o artigo 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, ao afirmar que a “indenização poderá ser limitada”, está se referindo à limitação ex ante do valor da indenização (cláusula de limitação de responsabilidade) e não à limitação ex

post (transação). Afinal, a transação é amplamente permitida em qualquer relação jurídica de direito privado, independentemente de “justificativa” e seria absurdo que a lei limitasse a possibilidade de transação às relações de consumo entre pessoas jurídicas. Ou seja, a lei brasileira expressamente admite a validade da cláusula de limitação de responsabilidade, mesmo em contratos de consumo, quando estes forem celebrados entre pessoas jurídicas e desde que haja uma “justificativa” para a limitação.

Abstraindo-se do requisito da existência da “situação justificável” para a validade da limitação de responsabilidade, previsto no artigo 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, é inegável que a previsão da admissibilidade de cláusulas de limitação de responsabilidade em contratos de consumo, por um raciocínio a fortiori, implica a admissão de sua validade no regime comum contratual.

Seria um contrassenso que a ordem jurídica admitisse a cláusula de limitação de responsabilidade em contratos de consumo, altamente sujeitos à intervenção do Estado- Juiz, e as vedasse em contratos paritários.

(ii) Argumentos dogmáticos desfavoráveis à admissibilidade da cláusula (a) Argumento do esvaziamento da relação obrigacional

Um argumento tradicionalmente lançado contra as cláusulas de limitação de responsabilidade é o de que essas cláusulas retirariam da obrigação contratual toda a sua coercibilidade. Na prática, outorgariam ao devedor o direito de não cumprir a obrigação, uma vez que este deixaria de sofrer qualquer consequência negativa pelo seu inadimplemento.

O argumento, contudo, não parece prosperar.

Em primeiro lugar, a cláusula de limitação de responsabilidade (na acepção de responsabilidade contratual adotada neste trabalho) altera apenas um dos efeitos do inadimplemento do devedor: a obrigação do devedor de indenizar o credor pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento da obrigação contratual. Todos os outros efeitos decorrentes da relação contratual permanecem inalterados, notadamente o direito do credor de exigir o cumprimento forçado da obrigação. A cláusula de limitação de responsabilidade, portanto, não torna a obrigação contratual uma obrigação incoercível142.

Em segundo lugar, ainda que a cláusula de limitação de responsabilidade tivesse o efeito de retirar da obrigação toda e qualquer coercibilidade, ainda assim não se haveria, necessariamente, de se considerá-la inválida. O ordenamento jurídico não veda a estipulação de obrigações naturais e nem de negócios jurídicos cuja eficácia fique suspensa até manifestação unilateral de uma das partes nesse sentido (e.g. contrato de

142 Confira-se, nesse sentido Antonio Pinto Monteiro (2011 p. 186), Aguiar Dias (1947, p. 56), Letícia

Marquez de Avelar (2011, p. 141) e Almeida Costa (1998, p. 700). Este último alterou seu entendimento acerca da validade da cláusula de exclusão de responsabilidade, entre a 4ª edição e a 5ª edição de sua obra, justamente em razão da constatação de que, mesmo com a exclusão total da obrigação de indenizar (ressalvando-se as hipóteses de dolo e culpa grave), o credor não fica despojado dos demais remédios contratuais contra o inadimplemento.

opção), ou seja desfeita diante da manifestação unilateral de uma das partes (e.g. contrato-promessa com cláusula de arrependimento). A incoercibilidade de obrigações contratuais não implica necessariamente a ausência de efeitos jurídicos dessas obrigações ou das relações jurídicas que as originaram: o credor da obrigação natural não pode exigir do devedor que a cumpra, mas a obrigação gerará efeitos na hipótese de ser cumprida espontaneamente pelo devedor (os efeitos da obrigação natural resumem- se, basicamente, à conferência de uma causa ao pagamento do devedor, o qual não poderá repeti-lo do credor143). Do mesmo modo, o outorgado de uma opção de contrato bilateral não é obrigado a cumprir sua prestação contratual no contrato objeto da opção enquanto não a exercer. A relação jurídica e suas respectivas obrigações objeto da opção são incoercíveis enquanto esta não for exercida. Uma vez exercida a opção, contudo, não poderá mais o outorgante se furtar a cumprir sua prestação contratual. Do mesmo modo, a coercibilidade do contrato promessa com cláusula de arrependimento pode ser elidida pelo promitente a qualquer tempo, até a celebração do contrato definitivo objeto do contrato promessa (ou até o termo ou evento estipulado em contrato), bastando ao promitente, para tanto, exercer seu direito de arrependimento. Uma vez celebrado o contrato definitivo, contudo, não poderá mais o promitente valer-se do direito de arrependimento.

Tratam-se de três exemplos de relações jurídicas cuja eficácia está subordinada ao arbítrio de uma das partes (devedora de obrigações decorrentes da relação jurídica), até determinado momento previamente estipulado no tempo ou até a ocorrência de determinado evento contratual. No primeiro exemplo (obrigação natural), o devedor evita que a obrigação irradie seus efeitos mediante a sua singela omissão em cumpri-la. No segundo exemplo (contrato de opção), o beneficiário da opção elide os efeitos do contrato objeto da opção com a sua omissão em exercê-la. No terceiro exemplo (contrato promessa com cláusula de arrependimento), o promitente elide a eficácia da relação jurídica mediante exercício do direito de arrependimento.

O que se depreende desses exemplos é que a ordem jurídica não veda a possibilidade de as partes celebrarem validamente negócios jurídicos cuja eficácia esteja, até determinado momento no tempo ou no desenrolar da relação jurídica, subordinado a um ato de vontade de apenas uma delas.

(b) O Argumento da imperatividade da reparação integral

Nos Tribunais Brasileiros, encontram-se julgados que contrapõem a limitação contratual de responsabilidade ao artigo 944 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.