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3. Publicidade dos atos processuais Constituições e Códigos Processuais

3.3. Códigos Processuais Civis Brasileiros

3.3.3. Código de Processo Civil de 1939

O contexto político-governamental vivenciado pelo Brasil na Década de 1930 com Getúlio Vargas no Poder, estava envolto em uma política eminentemente centralizadora.

Relembra-se, inclusive, que o então governante dissolveu o Congresso Nacional, apropriando-se, via de consequência, dos Poderes Executivo e Legislativo, ao passo que também destituiu os Governadores dos Estados nomeando interventores federais, com a exceção de Minas Gerais.

Diante desse cenário político obscuro, a Constituição de 1934 foi gerada com um viés centralizador, com o objetivo de concentrar no legislador federal o máximo de competências possíveis.

O então Ministro da Justiça Francisco Campos justificou a centralização do processo civil nas mãos da União:

“o regime instituído em 10 de novembro de 1937 constituiu na restauração da autoridade e do caráter popular do Estado. O Estado caminha para o povo e, no sentido de garantir-lhe o gozo dos bens materiais e espirituais assegurado na Constituição, o Estado teve que reforçar a sua autoridade a fim de intervir de maneira eficaz em todos os domínios que viessem a revestir-se de caráter público, ora, se a justiça, em regime liberal, poderia continuar a ser campo neutro em que todos os interesses privados procurariam, sob a dissimulação das aparências públicas, obter pelo duelo judiciário as maiores vantagens compatíveis com a observância formal de regras de caráter puramente técnico, no

novo regime haveria de ser um dos primeiros domínios, revestidos de caráter público, a ser integrado na autoridade do Estado”286.

No campo do processo civil, como a experiência dos códigos estaduais inaugurada pela Constituição republicana de 1891, que de um modo geral já não tinha andado muito bem, tinha-se mais uma razão para que a Constituição de 1934, alterando a regra anteriormente vigente, ditasse expressamente, em seu art. 5º, XIX, “a”,287 a competência exclusiva da União para legislar sobre o

Processo Civil brasileiro.288

Além do mais, havia uma clara lacuna entre o direito substancial, a partir da edição do Código Civil de 1916, que vigia em todo o território brasileiro, e o direito processual, que estava até então fracionado.

Diante de tais situações, tornou-se necessário elaborar um Código de Processo Civil único para vigorar em todo o território brasileiro, oportunidade em que o então Ministro da Justiça, Francisco Campos, organizou uma Comissão de juristas encarregados da tarefa.289

286 CAMPOS, Francisco. PROCESSO Oral 1ª série. Coletânea de estudos de juristas

nacionais e estrangeiros, nº 1. Rio de Janeiro: Forense, 1940. p. 254.

287 Art. 5º. Compete privativamente à União: XIX – Legislar sobre: a) direito penal, comercial, civil,

aéreo e processual, registros públicos e juntas comerciais.

288 Frisa-se: O Presidente Getúlio Vargas, por intermédio de um discurso eminentemente

fundamentalista, que era calcado na pauta de unificação nacional e aumento dos poderes da União, através da Constituição de 1934, trouxe de volta para as mãos da União a competência para legislar, sozinha, sobre processo civil (art. 5º, inciso XIX), desprestigiando, assim, os Estados membros, que haviam sido privilegiados pela Constituição Republicana de 1891 (a referida Constituição, como já vimos, desejava dar mais poderes aos estados federados, não apenas no âmbito econômico, mas também legislativo). O artigo 11 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934 determinava que o governo nomearia “uma comissão de três juristas para

elaborar o Código de Processo Civil e Comercial”. Entretanto, houve o golpe que instaurou o

Estado Novo, revogando, dessa forma, a Constituição de 1934 e dissolvendo, por completo, o Congresso Nacional. A Constituição de 1937, que marcou o início da ditadura do Estado Novo, de autoria de Francisco Campos (Ministro da Justiça), manteve a disposição constitucional de resguardar a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (rememorar capítulo sobre o tema).

289 GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 19ª edição. São Paulo: Malheiros,

Um dos membros dessa comissão,290 o advogado Pedro Batista Martins,

apresentou um anteprojeto que, após ser revisto pelo Ministro da Justiça, por Guilherme Estellita e por Abgar Renault, veio a ser aprovado como o Código de Processo Civil de 1939291 através do Decreto-Lei nº 1.608 de 1939.292

A nova norma processual deveria entrar em vigor em 1º de fevereiro de 1940, porém, por força do Decreto-Lei nº 1.965 de 1940, o Código aprovado só entrou em vigor no dia 1º de março de 1940.

Além do mais, destacamos que o Código em análise foi influenciado pelos estudos de Franz Klein quando da reforma da legislação processual austríaca de 1898, pelo projeto da codificação italiana elaborado por Giusppe Chiovenda (1919) e pelas reflexões, ponderações e conclusões do ilustre jurista José Alberto dos Reis, autor do projeto do Código de Processo Civil de português publicado no ano de 1930.

Era assente na doutrina da época que esse novo Código instrumental carreava uma parte geral moderna e avançada, ao mesmo tempo em que continha uma parte especial ultrapassada e antiquada. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “dizia-se, com razão, que dois espíritos coabitavam o Código, formando

uma parte geral impregnada de ideias novas, enquanto as que tratavam dos

290 A comissão organizada era composta pelos juristas Álvaro Berford, Edgard Costa, Goulard de

Oliveira, Álvaro Mendes Pimentel, Múcio Constantino e Pedro Batista Martins.

291 BRASIL. Lei 1.608, de 18 de setembro de 1939. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del1608.htm Acesso em 22 de abril de 2019, às 21:38hs.

292 Para enriquecimento do conhecimento, não é demais descrever a forma de sintetização do

Código de processo Civil de 1939: O texto do CPC/39 era dividido em quatro partes fundamentais, sendo que a primeira parte ocupava-se com o chamado processo de conhecimento (artigos 1º ao 297). A segunda e maior parte de todas abrangia os numerosos procedimentos (artigos 298 ao 781). A terceira era dedicada aos recursos e processos de competência originária dos tribunais (artigos 782 ao 881). A quarta e última parte tinha por objeto o processo de execução (artigos 882 ao 1.030). Sobre a disposição do CPC/39, ver MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de

procedimentos especiais, dos recursos e da execução se ressentiam de um execrável ranço medieval”.293

Segundo os historiadores do processo brasileiro, a maior virtude da codificação de 1939 não estava em um instituto em específico, mas sim em ter finalmente libertado o Ordenamento jurídico brasileiro do “obsoleto procedimento do direito

romano-canônico”.294

Em que pese a divergência acerca das características e inovações da legislação de 1939, temos que o Código de Processo Civil de 1939 foi o marco da reunificação da legislação processual civil brasileira. A partir do referido Código instrumental houve uma mudança de paradigma, pois o país, como um todo, passaria a ser regido por um único instrumento processual civil, algo que, a nosso ver, influenciava diretamente no próprio preparo dos juristas da época.

Acerca do problema posto pelo presente trabalho, vimos no tópico anterior que alguns códigos estaduais elaborados entre os anos de 1922 a 1930 já traziam previsão expressa acerca do princípio da publicidade dos atos processuais, sendo que alguns deles alcançaram tamanha evolução, que apresentaram até mesmo hipóteses excepcionais em que era lícito o trâmite processual em segredo de justiça, como foi o exemplo das codificações de Pernambuco e de Minas Gerais. Acreditamos que o caminho para o Código de Processo Civil de 1939 já estava traçado, pois bastava que fosse retirado, da legislação então vigente, aquilo que lhe interessava.

Ademais, diante da já estudada evolução das constituições brasileiras, não podemos nos esquecer que estava sendo construído, pouco a pouco e ao longo da história da legislação constitucional, desde 1824, um ordenamento envolto em uma principiologia garantista, o que também refletia, no ano de 1939, na própria legislação ordinária a ser editada.

293 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V. 1. 46ª edição. Rio de

Janeiro: Forense, 2007. p. 17.

Por tais motivos, cremos que o primeiro código formal de processo civil brasileiro andou bem, pois, logo em seu art. 5º já trouxe norma expressa segundo a qual

“os atos judiciais serão públicos”:

Art. 5º. Os atos judiciais serão públicos, salvo quando o contrário for exigido pelo decoro ou interesse social, e realizar-se-ão em dias úteis, das seis (6) às dezoito (18) horas.

Nesse âmbito, destacamos que, segundo Antônio Pereira Braga, processualista contemporâneo à época em estudo, a publicidade dos atos judiciais, na vigência do CPC/39, com o escopo de evitar os impropérios que poderiam advir do segredo, era tida como uma “exigência da boa justiça e como garantia da retidão

e imparcialidade dos juízes, por sujeitá-los ao julgamento da opinião pública”.295

Vê-se, portanto, que já havia uma ideia legislativa e doutrinária ligada ao controle externo do Poder Judiciário pela sociedade, através do “julgamento da opinião

pública”.296

Nota-se, ainda, que mesmo possuindo um texto simples, até mesmo se comparado às codificações estaduais, o art. 5º, ao apresentar a publicidade dos atos processuais como a regra a ser seguida, já faz ressalvas descrevendo a exceção para quando o segredo de justiça for exigido para resguardar o decoro ou o interesse social.

Acerca da primeira exceção à publicidade dos atos processais, isto é, quando for exigido pelo decoro, entendia-se tratar, tal hipótese, do resguardo à moral para evitar-se escândalo pela divulgação de situações vexatórias que demandam discrição.297

Para Borges da Rosa, em uma análise realizada em 1940 e voltada para o cenário de recém edição do CPC/39, excepcionar a publicidade pelo decoro

295 BRAGA, Antônio Pereira. Exegese do Código de Processo Civil. Vol. III. São Paulo: Max

Limonad Ltda., 1943. p. 24.

296 BRAGA, Antônio Pereira. 1943. Op. Cit., p. 24. 297 BRAGA, Antônio Pereira. 1943. Op. Cit., p. 26.

objetivava “evitar escândalo, mau exemplo para pessoas inexperientes, mulheres,

menores, ofensa à dignidade, ao bom nome, à honra, à boa reputação de uma pessoa, de um funcionário, de uma repartição, de um tribunal, etc. e semelhantes”.298

Temos, portanto, que o segredo de justiça a imperar nos casos de defesa do decoro, buscava assegurar proteção à moral das pessoas, no âmbito familiar, funcional etc., bem como evitar a propagação de maus exemplos para defender as “pessoas inexperientes” da sociedade.

Por outro lado, a exceção ligada ao interesse social era compreendido, na época, como motivo que pudesse causar qualquer dano à sociedade, à coletividade, ao País, ao Estado, ao Município, à Justiça, ou a outros estabelecimentos de caráter público ou social, ou ao bem-estar, ordem, paz, sossego ou segurança pública.299

Em que pese o Código de Processo Civil de 1939 ser silente acerca da nulidade dos atos processuais não praticados de forma pública fora das hipóteses legalmente previstas de segredo de justiça, a doutrina já defendia, diante da imensidão da afronta ao ordenamento recém implantado, a aplicação da referida sanção pela inobservância da regra da publicidade dos atos processuais:

“(...) embora o Código não o estatua expressamente, são nulos os atos praticados sem publicidade, sendo também nulo o ato que por lei deva ser público se o respectivo escrito não se declarar que se realizou com a exigida publicidade (...). a razão seria tratar-se de uma formalidade essencial, que interessa à ordem pública. Em primeiro lugar, porém, se a audiência deve ser nula quando o respectivo têrmo não declarar que foi pública, igualmente nulos deveriam ser todos os demais atos quando o respectivo escrito não atestasse a publicidade, pois para todos é de modo geral determinado no art. 5º que sejam públicos. Em segundo lugar, o pressuposto fundamental da nulidade, em bora hora adotado, salvo expressa cominação é tão somente prejuizo que possa causar (art. 275).300

298 ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Civil e Comercial. Vol. I. Porto Alegre: Globo, 1940. p.

161.

299 Nesse sentido, ver ROSA, Inocêncio Borges da. 1940. Op. Cit., p. 161. 300 BRAGA, Antônio Pereira. 1943. Op. Cit., p. 26.

No mais, fora dos debates envoltos na qualidade e modernidade do Código instrumental de 1939, destacamos que a referida codificação foi de importância ímpar para o processo civil brasileiro, eis que, além da publicidade dos atos processuais, “o texto legal trazia, ainda, a adoção de princípios que, muito mais

tarde, seriam aclamados pela ciência processual, tais como o da imediatidade, da unirrecorribilidade das sentenças e da eventualidade”.301