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1 FUNDAMENTOS DO DIREITO PENAL POLÍTICO ITALIANO

1.1 A tradição liberal do direito penal entre o século XIX e início do século

1.1.2 Código Zanardelli

Em 30 de junho de 1889 ocorre a aprovação definitiva do primeiro código penal único do Reino da Itália. Restou conhecido pela alcunha do ministro da justiça condutor deste processo, Giuseppe Zanardelli, um dos responsáveis pela sua faceta liberal-democrática (SBRICCOLI, 1990, p. 189). Na Relazione al Re47, demonstrando seu intuito de ajudar na conquista de liberdade e progresso de seu país, entende que o novo código aponta o grau de civilidade das instituições italianas, e que o trabalho da ciência aplicada à legislação penal pôde traduzir esta vontade na codificação (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 7). Os trinta anos de gestação são também parte da história de ruptura com o provincianismo, do crescimento cultural e da modernização do sistema penal (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 11; SBRICCOLI, 1998, p. 508).

A abolição formal da pena de morte; determinadas escolhas de caráter técnico, como a bipartição crime-contravenção e a supressão da casuística na construção dos tipos penais; as escolhas de política criminal herdeiras de uma “herança cultural48”, dando destaque na parte especial aos crimes contra a liberdade, como a asseguração da liberdade de culto num país de crentes em contraposição aos anteriores “crimes contra a religião” do CP albertino; um sistema de penas adequado à realidade carcerária, com a diminuição da previsão da segregação de liberdade e a introdução da liberdade condicional: todas refletem efetivamente, em forma e substância, as aspirações científicas dos juristas da penalística civil49 (SBRICCOLI, 1990, p. 189-192; 1998, p. 508-509).

47 Em que pese o termo também ser utilizado da mesma forma que a tradução literal em português

“relação”, em italiano possui o sentido específico de texto político destinado a explicar um projeto de lei, similar às nossas “exposições de motivos”.

48 Essa “herança cultural” com os grandes penalistas italianos é uma situação difícil com a qual os

cultores do código de 1889 se depararam, fazendo que com ela lidassem de forma contraditória: “Possiamo certo sollevare dubbi d’ordine metodologico sulla visione ‘a posteriori’ delle differenze tra il codice Zanardelli e il cosidetto ‘Iluminismo penale’ [...] o il rivoluzionario ‘droit intermediaire’, o il codice penale francese del 1810 [...] o le soluzioni normative della monarchia in luglio in Francia, prime a definire la policità del reato e sopratutto riservargli uno status di favore legale, in parte ripreso dal testo del 1889. Ma il rischio di accostare e confrontare esperienze giuridiche e contesti politici tanti diversi – sebbene certi paralelli possano essere superficiali in sede di interepretazione storiografica – è per così dire inevitabile: vedremo che sono gli stessi artefici del codice Zanardelli a richiamarsi a questi precedenti, ora per accoglierne la sostanza, ora per prenderne le distanze” (COLAO, 1993, p. 655-656).

49 O Código Penal brasileiro de 1890 surge da necessidade de adaptação da legislação criminal à

realidade republicana, e em especial à abolição da escravatura (PIRAGIBE, 1932a, p. 22). Codificação de índole liberal, assemelha-se em vários pontos da legislação italiana, tendo em vista seguir amplamente suas linhas teóricas básicas, como a impossibilidade de pena de morte (PIRAGIBE, 1932a, p. 24) e a não-recepção das medidas de segurança, razão pela qual sofreu

No tocante aos crimes políticos, todavia, não se pode deixar levar por tais considerações de cunho geral. Há uma série de particularidades que tornam o tratamento desses crimes pelo código unitário merecedor de especial atenção. Ainda na Relazione al Re o ministro Zanardelli disserta que a tutela dos “crimes contra a segurança do Estado” deve consagrar a esfera mais gravosa de punição por conta da importância da pátria e suas instituições, porém sem afetar a liberdade do pensamento e sua discussão. Portanto, o crime político não é um “delito fictício50”, mas afeta o bem maior dos cidadãos – a pátria – e a expressão da soberania nacional – os poderes do Estado – de modo que um ordenamento civil e livre deve prever um cuidado especial a esta classe de delitos sem, todavia, provocar perseguições inúteis e pouco salutares à população (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 63 e 75).

Definir quais os crimes que continham o escopo político foi uma tarefa difícil para o legislador. O título Dei delitti politici não foi acolhido pela comissão legislativa, que preferiu utilizar a fórmula Dei delitti contro la sicurezza51 dello Stato (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 245), deixando a

critério da doutrina e da jurisprudência definir o caráter de político, possibilitando atribuir tal mote para outros crimes mesmo que não

inúmeros ataques da criminologia pátria, a ponto de espalhar-se pelo meio jurídico nacional o boato de que se tratava do pior código penal do mundo, que ensejou a proposição de reformas ao longo de todo o período de sua vigência, como os projetos Vieira de Araújo (1893), Galdino Siqueira (1913) e Sá Pereira (1927). Tal crítica foi veementemente rejeitada por Alcântara Machado (1941) e Nélson Hungria (1943), responsáveis pela reforma de 1940.

50 “L’ordine e la sostanza del titolo I non hanno subìto che lievi modificazioni. Il pensiero che inspirò il Progetto, al

quale ache in questa parte non mancò la generale approvazione, ha ispirato pure l’opera di revisione: consacrare, cioè, la più energica tutela della Patria, dello Stato e delle sue istituzioni, senza porre pastoie alla libertà del pensiero e della discussione, ma senza neppure seguir l’idea che il reato politico sia un reato fittizio, un fato inncente o anche meritorio: idea codesta che potea giustificarsi soltanto di fronte all’illegitimità o alla tirannia dei passati ordinamenti. In un ordinamento civile e libero il delitto politico, circoscritto ne’ giustifica le più severe sanzioni, poichè con esso si attenta al supremo bene del citadino, la Patria, alle supreme espressioni della volontà e sovranità nazionale e della tutela pubblica, i Poteri dello Stato” (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 75).

51 Floriana Colao aponta para a contradição latente à escolha da nomenclatura do título como

sendo fruto da dupla escolha entre os direitos políticos do cidadão em contraposição à segurança do Estado, ou seja, entre tutelar as liberdades e punir o dissenso. Essa é uma difícil mediação que a autora aponta ter paulatinamente pendido para a força da autoridade, já que as escolhas técnicas do código Zanardelli acabaram que por esvaziar o seu conteúdo garantista. (1983, p. 1-12). Ainda, o termo “segurança” (sicurezza) como bem jurídico desperta algumas questões agudas, dado o seu alto grau de subjetivismo: afinal, o que é estar seguro? Como deduzir a “insegurança” de um ente abstrato como o Estado? Arno Dal Ri Jr. (2006, p. 282ss) aponta para a dificuldade conceitual do termo quando trata da doutrina de segurança nacional adotada pelo regime militar instaurado no Brasil a partir de 1964. Tal conceito não possuiu explicação legal tanto no contexto italiano do século XIX como no brasileiro do século XX, o que gerou distorções e ampliações indevidas para ambos os casos.

constantes no Título I do Livro II do código (COLAO, 1983, p. 10; 1993, p. 657; SBRICCOLI, 1973, p. 655-657). Tal situação interferia de modo direto no veto de extradição aos criminosos políticos, que poderia ser estendido a outras situações. Analisando estatísticas da época sobre a magistratura, Floriana Colao (1983, p.43-48) aponta para a grande flexibilização da conotação política dos delitos, que se espraiavam dos crimes contra a segurança do Estado para crimes contra a ordem pública, como a resistência à ordem de funcionário público e a realização de greves52.

A recém-unificação colocou um grande peso sobre a nova legislação. O crime considerado mais gravoso era o de atentar contra a unidade do território (art. 104), sendo merecedor do ergástulo53. Conforme dispunha o art. 12 do Código Zanardelli, tal penal tratava-se de reclusão perpétua com segregação contínua (diurna e noturna) e obrigação de trabalho por não menos de sete anos, que após o cumprimento poderia ser em comum, mas em silêncio. Havia a idéia de pena-retribuição, porém apelava-se à idéia do não-derramamento de sangue em conjunto com a segurança da sociedade (NUVOLONE, 1984, p. 965).

A objetividade jurídica era a soberania do Estado e a incolumidade de suas formas manifestação, seus poderes e instituições. O título I da parte especial continha trinta e quatro (34) artigos, entre tipos penais e normas auxiliares, divididos em quatro capítulos: I) dos crimes contra a pátria, que abrigavam em conjunto tanto condutas de traição e auxílio a inimigo externo quanto os crimes de sedição e proteção dos símbolos nacionais; II) dos crimes contra os poderes do Estado, ou seja, contra o rei

52 “In definitiva non sembra possibile limitare l’area della criminalità politica ai soli delitti contro la sicurezza dello

Stato. Infatti la magistratura ‘politicizza’ tutta una serie di condotte considerati ‘comuni’ dal codice e dalla dottrina; il nucleo concettuale del delitto político viene allargato fino a comprendere tutte le espressione dell’antagonismo al dominio borghese” (COLAO, 1983, p. 47).

53 Atualmente regulado pelo art. 22 do Código Rocco, o ergástulo consiste em prisão perpétua

com trabalho em locais específicos e recolhimento noturno. É destinada para os crimes considerados mais graves por esta codificação, o que implica em vários delitos contra a personalidade do Estado, como portar armas contra o Estado (art. 242) e espionagem (art. 258). Há a possibilidade para conversão em pena com lapso temporal definido pela existência de circunstâncias atenuantes, bem como a possibilidade da pena de trabalho ser exercida externamente à prisão. É dever a visita constante do responsável pelo estabelecimento e há direito à assistência médica e pastoral. Sua extinção somente é passível por meio de anistia, graça ou indulto, sendo imprescritível e importando uma série de penas acessórias, como a impossibilidade de exercer cargos públicos, destituição de poder familiar, incapacidade para testar. Após a queda o fascismo o ergástulo foi estendido a todos os crimes cominados com pena de morte (Legge del 22 gennaio 1948, n. 21). Para a disciplina completa, Manzini (1981, p. 99- 104).

e os parlamentares; III) crimes contra os Estados estrangeiros e seus chefes e representantes; e IV) disposições comuns aos capítulos anteriores, como a previsão de crime autônomo se o bando é armado ou simples quadrilha, punição a cúmplices que concedem abrigo a criminosos, excludentes e disposições quanto ao cumprimento de pena54.

A questão envolvendo o sujeito ativo se mostra bastante interessante. Enquanto alguns artigos seguem a regra hoje consagrada na maioria das codificações penais ocidentais da indiferença quanto ao sujeito ativo, outros vão restringir o âmbito de aplicação aos cidadãos ou aos estrangeiros residentes, como o art. 105 e 114. Se essa regra é coerente com a objetividade do delito – a cidadania do sujeito ativo não importaria para a realização do resultado desmembramento da união nacional, tendo como exemplo o supracitado art. 104 – pela mesma razão aponta a impropriedade da terminologia “crimes contra a pátria” (MAJNO, 1911, p. 390).

Segundo Floriana Colao (1983, p. 9), a Itália tinha como objetivo se coadunar com o contexto da legislação penal européia55 que pretendia (mesmo que no plano teórico) proporcionar ao direito penal político um sistema congruente com a dimensão constitucional do Estado, vez que para o ministro Zanardelli a legislação penal era integrante do direito público e protetora do Estado (1993, p. 652). Para tanto, o código italiano previa para tais delitos uma disciplina inspirada no favor rei: proibia a extradição, estipulava a “custódia honesta56”, confiava a competência de

54 A formatação dos crimes políticos no Código Penal brasileiro da República era similar a do

Código Zanardelli, apesar de que a lei brasileira possuía dois títulos para cuidar do assunto: os “crimes contra a existência política da República” e os “crimes contra a segurança interna da República”. O primeiro capítulo do primeiro título tratava dos crimes contra a independência, integridade e dignidade da pátria, ou seja, o mesmo assunto do capítulo primeiro do Título I da codificação italiana; o segundo capítulo do primeiro título tratava dos crimes contra a Constituição, forma de governo e sua organização social, que ia na direção do capítulo segundo do Título I da codificação italiana. Ainda, constava o capítulo atinente aos direitos políticos do cidadão, que possuía autonomia na legislação italiana. Já o segundo título da codificação brasileira abrigava condutas que se encontravam espalhadas pelo Título I italiano, como a conspiração e sedição, ou fora desta seção, como a resistência, desobediência e desacato, crimes contra a administração pública. Em que pese a diferença na distribuição, em verdade tratam de matérias similares com penas similares, e possuem semelhança na redação por conterem certa carga de casuística, que viria a ser a grande marca do Código Rocco e que a codificação brasileira de 1940 se afastou.

55 Nesta direção aponta o próprio ministro Zanardelli: “Anche in questo lavoro di revisione, come nel

Progetto, non vuol mai disgiunti [...] gli ammaestramenti utilissime delle legislazione straniere dalla ricerca di ciò che nel nostro paese si pensa, si sente, si vuole” (REGNO D’ITALIA, 1889, p. 7).

56 Aqui percebe-se uma das vitórias da penalística civil: “In considerazione del diverso contenuto dei delitti

politici la dotrina ottocentesca suggerisce la previsione di pene detentive a contenuto diferenziato. In nome della ‘diversa gravità’ della condotta punibile, si riserva la forma di reclusione più rigida ai reati comessi per motivi

julgamento ao júri, que a tradição liberal entendia como expressão da opinião pública, livre e independente em relação ao juízo togado. Por outro lado, percebe-se aqui uma contradição com relação ao projeto liberal quando se verifica que a punição de alguns delitos57 muitas das vezes condenava atos tecnicamente considerados como preparatórios quando com escopo diverso do político.

A acolhida da figura do “atentado58” (mesmo que velada) dentro da noção de “segurança do Estado” mitigou a força liberal que o código desejava ter. Não havia consenso na doutrina se o termo servia para a punição a partir dos primeiros atos executórios, igualando o crime tentado ao consumado, ou se servia para a punição desde os atos preparatórios (PANAGIA, 1980, p. 68-72). Mesmo tentando fugir de tal problema com a utilização da expressão fatto diretto a (MAJNO, 1911, p. 390-391; COLAO, 1993, p. 662), não se escapou da inadequada construção de determinados delitos, com a justificativa de se prestar a mais ampla tutela possível à organização político-institucional do Estado. A conspiração (art. 134) para a realização de crimes graves, como o atentado à figura do soberano e o levantamento de armas contra o Estado, levavam à incriminação formas de insurreição que se constituíam pela instigação, com caráter evidentemente de atos preparatórios, pois o início de atos executórios levaria aos crimes principais pelo cumprimento da condição da realização de fatto diretto a algum crime.

Em comparação com os códigos pré-unitários, tem-se uma sensível mitigação das penas, que à exceção da gravosa figura do desmembramento territorial contam apenas com razoáveis restrições de liberdade em

‘abietti o disonoranti’ o con ‘ mezzi ripugnanti’, cioè ai delitti comuni. Al contrario, per i delitti politici viene prospettata una pena delineata come mera ‘custodia’, senza il contenuto di afflitività che deriva dall’obbligo del lavoro, senza isolamento, e con un trattamento complessivo meno ‘duro’ di quello riservato ai delinquenti comuni” (COLAO, 1983, p. 3).

57 Como o acesso a local que contenha documentos com segredos de Estado (art. 110, segunda

parte).

58 O instituto do atentado tecnicamente consiste na equiparação entre tentativa e consumação, ou

seja, a partir do momento em que há o início dos atos executórios – que não necessariamente produzirão algum resultado – o crime estaria consumado. Esta fórmula (que se coloca adiante das distinções entre crime material, formal e de mera conduta) tem especial valor na configuração de determinados crimes políticos: em alguns casos é a única possibilidade de punição, pois do contrário já estaria instaurada uma nova ordem e tal jurisdição não alcançaria o fato criminoso, como o art. 104 do Código Zanardelli que equipara a tentativa e consumação da entrega de território para Estado estrangeiro; todavia, em certos delitos, como o atentado à vida do rei (art. 117 da mesma codificação) tal figura se mostra rigorosa, pois equipara homicídio, lesões corporais e liberdade pessoal, sendo que por vezes estas duas não são com a finalidade de dar cabo à vida da vítima.

contraposição com o banimento, exílio e confisco anteriormente previstos. Por outro lado, só havia diferenciação expressa entre os “cabeças”, os auxiliares e os meros afiliados na constituição de bando armado.

Uma questão interessante é sobre quais seriam aqueles a incidirem em crimes políticos. Analisando os tipos constantes no Título I do Livro II, percebe-se nitidamente que a preocupação está em torno da figura do inimigo do Estado unitário, aquele que atenta contra os seus poderes e instituições. Floriana Colao aponta que outras formas de dissenso político, como o direito de manifestação do pensamento (símbolo do liberalismo), acabaram que por serem tutelados por outras normas da codificação e não dispostos dentre os crimes contra a segurança do Estado. Como exemplo, temos, em especial, a associação criminosa (art. 245) e os crimes contra a liberdade do trabalho (arts. 165 e 166), este último destinado a tornar a greve ilícita (1993, p. 667-671). Por isso a escolha de não intitular a seção de Dei delitti politici; o resultado foi um conflito entre a exigência do Estado em não renunciar a tutela de sua segurança e do cidadão em não renunciar a sua liberdade. Em que pese o caráter liberal desejado, as escolhas técnicas (em especial os tipos penais abertos e a figura do atentado) comprometeram uma tutela garantista (COLAO, 1983, p. 26).

Neste sentido, os crimes associativos por vezes foram utilizados para a repressão de movimentos políticos. Porém, aqui a operação possui um sentido diferenciado, na medida em que se deve retirar a natureza política do delito para seu enquadramento legal. É o caso do movimento anarquista, em que a jurisprudência majoritária da época negou o caráter político de seus crimes por conta dos meios empregados (dinamite, p. ex.) para difundir sua doutrina59. Este fato será inclusive a motivação para a edição de uma série de leis extravagantes ao código com conseqüências a serem analisadas a seguir. Zerboglio (1903, p. 93) aponta o erro de se entender “que aquilo que é meio seja escopo”, ou seja, a jurisprudência do período fazia uma equiparação inidônea, visto que doutrinariamente o objetivo da anarquia não é o cometimento de crimes, mas uma transformação social.

A mesma situação ocorre com a incriminação da guerra civil fora do âmbito dos crimes contra a segurança do Estado. Zerboglio (1903, p. 121- 124) justifica no sentido de que a contenda seria exclusivamente entre

59 “Aggiungeremo di più che la giurisprudenza suprema si è informata a preocupazioni diametralmente opposte a

quelle che muovevano i complilatori del Codice. [...] Si ripete ad ogni istante che è nelle fonti che s’avviva la parola e s’illumina lo spirito della legge, ma pois si dimentica di applicare il retto principio allora appunto che lo richiede più la dificoltà e l’importanza altissima e delicata dell’argomento in questione” (ZERBOGLIO, 1903, p. 102-103).

segmentos sociais, de forma que não haveria preocupação com o regime constante, pois caso contrário seria insurreição. Porém, tal argumentação parece frágil quando se percebe que, no seu provimento de defesa do Estado em 1926, o fascismo o arrolará como um dos crimes merecedores de pena de morte, conforme se verá adiante.

Enfim, o Codice Zanardelli estava preparado para o seu tempo, com escolhas capazes de confrontar a realidade penal, apesar dos grandes problemas que o entornavam social e politicamente: um país marcado por um grande atraso social, uma magistratura que não era parte da tradição jurídica dos penalistas da codificação60, um sistema carcerário dos mais desumanos da Europa à época, um código de processo penal incapaz de proporcionar uma prestação jurisdicional adequada ao novo sistema de crimes e penas e, por fim, uma lei de segurança pública que atribuía poderes amplíssimos à polícia (em especial quando trata das possibilidades frente à manifestação do dissenso político) dignos de uma “sociedade de Caserna”, contrapondo-se a um Estado que se pretendia liberal (SBRICCOLI, 1973, p. 649-650).

Todavia, se o código estava adequado à perspectiva liberal, não se pode dizer o mesmo da realidade política do Estado italiano naquele período:

Por outro lado, o “código liberal” era chamado a operar em uma Itália ‘governada não-liberalmente’, onde pesavam as divisões entre Norte e Sul, a questão católica mal resolvida, a concepção oligárquica e antisocial [sic] do liberalismo, segundo a qual as expressões de divergência política deveriam ser sujeitadas a medidas de polícia,

60 Percebe-se tal situação se analisamos o perfil dos penalistas mais célebres do século XIX. Em

geral, estes estão distribuídos entre a advocacia, a academia e a política legislativa (Francesco Carrara é o exemplo por excelência, pois exerceu as três atividades). Esse tipo de situação em conjunto com o heterodoxo sistema judiciário italiano, que até o início do século XX contava com cinco cortes de cassação independentes para determinadas parcelas do território, tornava complicada a relação do direito codificado com a aplicação judicial: “Tal original emprego da cassação favoreceu na Itália a instauração de uma relação dialética entre direito codificado e jurisprudência. Assim, a segunda esteve em condições de relativizar o primeiro; todavia, ao mesmo tempo, aquele direito jurisprudencial era produto duma jurisdição suprema que, com