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PARTE II — SISTEMA CRESOL: AGRICULTORES FAMILIARES E SERVIÇOS

4.2 C ONSTITUIÇÃO E F UNCIONAMENTO DO S ISTEMA C RESOL

O Sistema Cresol é formado por cooperativas de crédito que se organizam em rede, combinando os princípios da verticalidade e da horizontalidade nas relações estabelecidas entre os nós dessa rede, os parceiros e outros agentes externos. Atende exclusivamente agricultores que desenvolvem suas atividades em regime de economia familiar, com freqüência em pequenas áreas de terra (mais de 80% dos associados têm menos de 20 hectares, de acordo com dados do Sistema). Segundo seu estatuto social, podem se associar apenas agricultores familiares. Os objetivos do Sistema Cresol, definidos em seus documentos normativos, são o fortalecimento e o estímulo às atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares, por intermédio da concessão de crédito, de maneira que contribuam com o desenvolvimento de suas comunidades. A opção por atender as demandas financeiras desses agricultores se deu ainda na sua constituição.

As cooperativas do Sistema Cresol disponibilizam aos agricultores diferentes produtos e serviços financeiros, como conta corrente e talão de cheques, depósitos à vista e a prazo (valores em conta-corrente e aplicações dos associados no chamado depósito cooperativo, semelhante à poupança convencional), seguros e pagamentos de tarifas públicas e impostos. Além disso, proporcionam o acesso ao crédito com recursos oficiais, a começar pelo Pronaf, e com recursos próprios (capital social e captação de depósitos à vista e a prazo), financiando capital de giro, investimentos nas estruturas produtivas, oportunidades de negócio, emergências de saúde e construção ou reforma da casa. Os financiamentos são concedidos às atividades produtivas consolidadas na região, mas também a novas atividades, com ênfase na adoção de tecnologias alternativas de produção agrícola, como a agricultura ecológica. A definição da taxa de juros adotada pelo Sistema para os financiamentos com recursos próprios leva em conta a cobertura dos custos operacionais e de intermediação financeira e a viabilização da oferta de financiamentos adequados ao seu público-alvo. Deve-se levar em conta que não há uma inadimplência generalizada no Cresol, como se vê adiante.

Constituído no biênio 1995/96, o Sistema já havia adquirido, no final dos anos 1990, visibilidade na concessão do crédito para agricultores familiares, ainda que com atuação restrita ao Sul do país. Garantiu o acesso ao crédito e a outros serviços financeiros a agricultores que sempre se depararam com inúmeros limitantes para ter acesso aos mesmos serviços em outras instituições financeiras. Grande parte deles, é preciso dizer, nunca haviam obtido o crédito antes de se associarem a uma cooperativa do Sistema Cresol, ou mesmo haviam conseguido depositar seus recursos em uma agência bancária (segundo dados do Sistema, 85,2% dos seus associados nunca haviam tomado crédito em bancos e 49,8% não tinham conta corrente). Em 2003, as cooperativas do Cresol realizaram cerca de 50 mil operações de crédito com valor médio de R$ 3.460,00, utilizando recursos próprios e do Pronaf. Metade dessas operações concentrou-se no intervalo entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00 (48,9% do total de operações de 2003); no intervalo até R$ 1.000,00 estavam 13,6% dos contratos; entre 3.000,00 e 10.000,00, 33,9%, e as operações com mais de R$ 10.000,00 corresponderam a 3,5% do total.

Um patrimônio líquido acumulado de R$ 21,6 milhões demonstra, por sua vez, que o Sistema Cresol alcançou sustentabilidade financeira (dados de dezembro de 2003, Quadro 3), já que, em 1996, o patrimônio líquido totalizava R$ 101 mil, demonstrando que ocorre uma evolução positiva desse indicador. Ressalta-se que o Cresol é uma instituição formal que integra o sistema financeiro nacional e é reconhecido e fiscalizado pelo Banco Central. Isso significa que seus indicadores contábil-financeiros (seus parâmetros operacionais) devem corresponder a um determinado padrão de saúde financeira, exigidos pelos órgãos controladores do sistema financeiro.

O Cresol possui 72 cooperativas e cerca de 37 mil associados em 220 municípios na sua área de ação nos três estados da Região Sul (Tabela 10).57 São pequenas cooperativas com, em

média, 512 associados.58 Em 1996, ano de abertura das cinco primeiras cooperativas singulares, o

Sistema contava com 1.639 associados, restritos ao Paraná, onde iniciou suas atividades (Quadro 3). No Paraná, atualmente está a maior parte dos associados do Sistema (55%). A

57 Em dezembro de 2004, o Sistema Cresol tinha 50.450 associados atendidos por 80 cooperativas.

58 Ao analisar o potencial para a constituição de uma cooperativa do Sistema Cresol, a Cresol Baser recomenda que, em três anos, a cooperativa possa alcançar um quadro social de 500 associados — na abertura das portas, o ideal é que a cooperativa possa contar com um mínimo de 150 associados ativos para a formação da poupança (capital social e poupança a prazo e à vista) —, que permitirá ao dirigente conhecer todos os associados, suas propriedades e projetos, de maneira a melhor orientar a concessão do crédito (pelas contas do Sistema, esse número de associados pode ser atendido por 1,5 ou 2 dirigentes liberados em tempo integral na cooperativa) (SANTOS, 2003).

ampliação da sua atuação para Rio Grande do Sul e Santa Catarina se deu em 1998. Hoje, são 38 cooperativas singulares no Paraná (que representam mais da metade das cooperativas do Sistema, cerca de 53% do total), 19 em Santa Catarina e 15 no Rio Grande do Sul (Tabela 10).

TABELA 10 NÚMERO DE COOPERATIVAS, ASSOCIADOS E MUNICÍPIOS DO SISTEMA CRESOL, MÉDIA DE ASSOCIADOS E DE MUNICÍPIOS ATENDIDOS POR COOPERATIVA, SEGUNDO ESTADOS E REGIÃO SUL, 2003

Sistema Cresol por estado e região Dados

Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Região Sul

N. de cooperativas 38 19 15 72

% s/ total do Sistema Cresol 52,8 26,4 20,8 100,0

N. de associados 20.301 8.292 8.302 36.895

% s/ total do Sistema Cresol 55,0 22,5 22,5 100,0

Média de associados por cooperativa 534 436 553 512

N. de municípios atendidos 76 82 62 220

% s/ total do Sistema Cresol 34,5 37,3 28,2 100,0

Média de municípios na base de uma cooperativa 2 4 4 3

Fonte: Baser / Sistema Cresol, várias tabelas ago./2003; elaborado pela autora.

A média de municípios na base de uma cooperativa do Sistema Cresol é de 3 municípios. No Paraná, essa média cai para 2 municípios (Tabela 10). A orientação estratégica do Sistema Cresol, desde o final de 1999, é que a cooperativa que atua em mais de um município seja desmembrada e passe a atender os agricultores de um único município, constituindo-se novas cooperativas nos outros municípios. A recomendação é que as cooperativas restrinjam sua área de atuação a um município, incorporando as comunidades que o integram, mas evitando abrir postos de atendimento em municípios vizinhos, de modo que sua base seja municipal, e não regional (SCHMIDT et al., 2002).59

O Sistema Cresol avalia que sua atuação deve se restringir ao município porque esse espaço tem condicionantes específicos que devem ser valorizados no processo de desenvolvimento; além do que, é nesse espaço que atuam os agricultores e é nele que se dá a construção da cidadania (CRESOL BASER, 2001). O entendimento é de que a maior proximidade com as comunidades potencializa os efeitos positivos da atuação da cooperativa. A estratégia do desmembramento permite ao Cresol, mesmo ampliando suas relações e o espaço da sua inserção, ao se relacionar com diferentes atores que não integram a rede local, como órgãos do governo federal, não modificar o conteúdo da relação com os associados, pois as estruturas

59 A municipalização das cooperativas, por intermédio da criação de cooperativas de base municipal e do

desmembramento das já existentes e que integram mais de um município em sua área de ação, é um dos consensos construídos entre os atores do Sistema Cresol.

locais que compõem o arranjo institucional do Sistema preservam os parâmetros de pertença entre associados e cooperativas.

Do ponto de vista da cooperativa singular, e do próprio Sistema, a atuação exclusivamente municipal tem implicações importantes, pois o quadro social e a captação de poupança se ampliam, o risco sistêmico é reduzido (é mais fácil resolver problemas de inadimplência, por exemplo, quando eles estão localizados em um município do que quando a cooperativa atende três ou mais municípios) e os dirigentes têm mais facilidades para manter uma relação direta com os associados e consolidar relações de parceria no espaço local. Além disso, “[...] tem aquele

sentimento de que a cooperativa é nossa, é do município [...]”, como disse um dos entrevistados.

O Cresol significou avanços importantes na operacionalização do Pronaf. Na safra 2003/2004, o Sistema repassou cerca de R$ 98,6 milhões de custeio e investimento. O repasse de custeio por associado foi, em média, de R$ 1.677,00. Em 1996, o Sistema havia operacionalizado pouco menos de R$ 1,2 milhão de recursos do programa, o que demonstra o expressivo crescimento das operações com esses recursos. O repasse de recursos do Pronaf, especialmente o Pronaf C, é, sem dúvida, a principal função do Sistema Cresol, considerando que foi o próprio Sistema que arcou com o ônus de assumir essa função e de se capacitar para tanto (SANTOS et

al., 2000).

A partir do repasse do Pronaf, o Cresol consegue gerar um conjunto maior de serviços financeiros, inclusive financiamentos de curto prazo com recursos próprios, pois a operacionalização do programa possibilita a ampliação do quadro social das cooperativas e da captação de recursos em poupança. Em dezembro de 2003, para cada R$ 1,00 de Pronaf utilizado pelo Sistema, foram gerados R$ 0,64 de recursos próprios (patrimônio líquido e depósitos). Esses dados demonstram que os recursos do Pronaf ainda são a principal fonte de financiamento do Cresol; o objetivo do Sistema é ampliar a relação expressa nesse indicador, o que significaria menor dependência dos recursos oficiais.

A operacionalização do Pronaf deu grande impulso à capitalização das cooperativas do Sistema Cresol porque trouxe para dentro do sistema uma demanda dos agricultores há muito reprimida. Quando as primeiras cooperativas foram constituídas, a expectativa era capitalizá-las com a coleta de poupança a partir da movimentação dos recursos dos projetos executados pelas

entidades parceiras e com os recursos dos fundos de crédito rotativo.60 A experiência do primeiro

ano, repassando recursos do Pronaf em alguns municípios paranaenses, fez crescer a visibilidade da experiência com o cooperativismo de crédito. Nos anos seguintes, a demanda por novas cooperativas aumentou, assim como cresceu o número de associados, a captação de poupança e o patrimônio líquido das cooperativas. As taxas cobradas para a operacionalização do programa, e repassadas pelo Banco do Brasil, também contribuíram para manter a estrutura das cooperativas, de maneira que pudessem atuar além do Pronaf.

Atualmente, o saldo da carteira de crédito de recursos próprios é de R$ 28,9 milhões (dezembro de 2003). Hipoteticamente, a título de ilustração, se esse volume de recursos fosse disponibilizado para todos os associados do Sistema, seriam R$ 681,00 de financiamento com recursos próprios para cada um deles. Ao longo do ano de 2003, circularam R$ 75,4 milhões de recursos próprios entre os associados do Sistema. Para tanto, contam a evolução positiva do patrimônio líquido, conforme se demonstrou, e também da captação em depósitos.

Os depósitos à vista e a prazo saltaram de R$ 697 mil no primeiro ano de funcionamento do Sistema, em 1996, para R$ 41 milhões, em 2003. O crescimento desses números evidencia a capacidade de poupança dos associados (uma poupança média de R$ 969,00 por associado, em dezembro de 2003) e a credibilidade que o Sistema vem conquistando (é a partir do fortalecimento da cooperativa singular que aumenta sua capacidade de captar recursos na comunidade). Tem que se considerar ainda que “a capacidade de captar poupança local representa um passo significativo rumo a sustentabilidade”, mesmo porque “os tomadores de empréstimos tendem a reembolsar em maior escala os empréstimos que provém de fontes locais em detrimento das fontes externas, agências e bancos governamentais” (JUNQUEIRA, 2002, p. 09). Um dado importante para o Sistema é o incremento de 50% no montante de depósitos à vista e a prazo, verificado nos primeiros seis meses de 2004. De R$ 41 milhões em dezembro, passou para aproximadamente R$ 60 milhões. O fortalecimento dos depósitos reflete a confiança

60 Estimava-se, quando as cooperativas pioneiras foram constituídas, que os depósitos locais seriam baixos e que a captação em poupança seria de R$ 200 a R$ 400,00 por associado, anualmente. Por isso, avaliou-se que haveria uma maior dependência da captação junto às entidades representativas dos agricultores familiares, especialmente de recursos dos projetos desenvolvidos com o apoio de entidades de cooperação internacional. A estratégia de disponibilizar crédito a partir da poupança coletada localmente foi definida mais recentemente pelo Cresol, com a ampliação significativa do volume captado. O movimento médio anual por associado nas cooperativas, em 2003, foi de R$ 1.478,99.

dos associados nas cooperativas e a credibilidade no Sistema conquistada ao longo de nove anos de atuação (Boletim Informativo Cresol, 16 jul. 2004, n. 33).

O Sistema Cresol disponibiliza linhas de crédito com recursos próprios: adiantamento a depositantes, limite de cheque especial, crédito pessoal (ou um contrato de abertura de crédito – CAC) e o crédito rural (CRP). A taxa de juros do adiantamento a depositantes é de 6,5% a.m., enquanto a cobrada no cheque especial fica em torno dos 6% a.m.(as cooperativas também disponibilizam a opção de desconto de cheque, com juros de 3,07% a.m.). Já o CAC cobra juros de 4% a.m. e o CRP de 1,52% a.m. (dados de jul. 2004). O CRP comporta, é importante observar, várias linhas de crédito com diferentes taxas de juros: a linha do bem-estar familiar, até R$ 1.500,00, com juro entre 1,8% e 2% a.m, para melhorias na residência, aquisição de bens de consumo-durável ou tratamento de saúde; o crédito para financiar insumos agroecológicos e incentivar a conversão produtiva, com taxas variando de 1,5% a 1,7%; o financiamento das atividades desenvolvidas por grupos já com algum grau de amadurecimento da organização, cuja taxa de juro é de 1,5% a 1,8%; e o pré-custeio, disponibilizado previamente à liberação dos recursos do Pronaf (dados de setembro de 2002).

A taxa de inadimplência média, considerando todas as operações do Sistema Cresol, era de 3,42%, em julho de 2004. “Os financiamentos que contam com o acompanhamento efetivo de um técnico, não restrito à elaboração do projeto, têm mostrado maiores índices de sucesso, ampliando a renda do agricultor e garantindo, na maioria dos casos, condições efetivas para o pagamento dos empréstimos” (BITTENCOURT e ABRAMOVAY, 2001, p. 543). Houve, em passado recente, a concentração dos recursos do crédito em um número reduzido de tomadores em algumas cooperativas, especialmente naquelas cooperativas gerenciadas por técnicos contratados, e problemas relativos à inadimplência de alguns desses contratos. Atualmente, as cooperativas são gerenciadas por um dirigente liberado para essa função. Os dirigentes das cooperativas conhecem as trajetórias produtiva e familiar dos agricultores que solicitam financiamentos, mesmo porque também são agricultores familiares, e podem identificar com mais facilidade as condições que os agricultores têm para reembolsar o crédito liberado. As taxas de inadimplência consideradas ideais pelo Sistema — trata-se de percentuais anuais com base na

carteira de crédito total das cooperativas — são de 3% para o crédito pessoal e de 1,5% para o crédito rural.61

O Sistema Cresol opera, ainda, uma linha de microcrédito (o Microsol), em convênio com o BNDES. O primeiro convênio foi de R$ 1,5 milhão e o segundo, em 2002, foi de R$ 2,5 milhões. O Sistema se comprometeu com uma contrapartida de R$ 1,00 de recurso próprio para cada R$ 1,00 do BNDES. A captação do recurso custa a Taxa de juro de longo prazo (TJLP) para o Cresol, que empresta para o associado até duas vezes e meia essa taxa, mas a critério de cada cooperativa: a depender das condições de rentabilidade da cooperativa, é possível emprestar o recurso do microcrédito cobrando a mesma taxa da captação (em julho de 2004, os juros médios cobrados foram de 2,42% a.m.). Se a rentabilidade for suficiente ou mesmo se outra linha de crédito subsidiar o microcrédito, não há problemas; os dirigentes das cooperativas podem avaliar as condições da rentabilidade utilizando a “matriz de gestão estratégica”, tratada adiante.

Mais recentemente, o Sistema conseguiu ter acesso aos recursos do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), uma ação conjunta entre o Ministério das Cidades e o Ministério da Fazenda, para o financiamento de moradias no meio rural.62 As moradias

financiadas pelo Sistema Cresol devem beneficiar famílias morando em condições precárias de habitação. Levantamento feito indica que cerca de 65% das 1.280 casas financiadas estão em fase de conclusão e 32% já estão prontas, sendo que 3% ainda não tiveram a construção iniciada (Boletim Informativo Cresol, 05 jul. 2004, n. 02). Foram financiadas 561 casas no Paraná, 329 em Santa Catarina e 390 no Rio Grande do Sul.

Em relação à operacionalização do crédito no Sistema Cresol, ainda que se considere que o acesso ao crédito rural pelos agricultores familiares sempre esteve na pauta dos movimentos sociais, nota-se que essa experiência guarda suas especificidades. Os fundos de crédito rotativo não tinham, por sua própria natureza, o mesmo grau de formalismo que as cooperativas de crédito, integradas ao sistema financeiro nacional e regulamentadas pelo Banco Central, ou seja,

61 Com base na sua experiência acumulada, o Sistema Cresol definiu as condições “ideais” para alguns dos indicadores econômicos das cooperativas singulares. Ver CONTAG e CUT (1999).

62 As informações disponíveis em www.cresol.com.br dão conta que o PSH foi criado pela medida provisória 2.212, de 30 de agosto de 2001, e regulamentado pelo Decreto Lei 4.156, de 11 de março do ano seguinte. O programa é operado por instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central e tem por objetivo viabilizar o acesso à moradia para segmentos de renda baixa. Além dos recursos do PSH, o Sistema Cresol também negocia com o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal o acesso a recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e do Fundo de Garantia por tempo de Serviço (FGTS) para reforma e ampliação de moradias no meio rural.

como já se observou anteriormente, a cooperativa de crédito conforma uma organização completamente diferente do que as lideranças sindicais, por exemplo, tinham gerido até então (o sindicato, uma associação ou mesmo uma cooperativa de produção). Mesmo entre os agricultores, havia o receio de tomar o crédito rural, de assumir o compromisso financeiro, ainda que se considere o Pronaf, pois o crédito, até então, na percepção dos agricultores, “[...] tinha

falido a propriedade do vizinho [...]”, como observou um dos entrevistados. Nesse caso, não é

suficiente considerar apenas o conjunto de sanções às instituições financeiros que acompanha a concessão do Pronaf, direcionando os recursos exclusivamente para os agricultores familiares. Para entender os resultados alcançados pelas cooperativas do Sistema na alocação dos recursos oficiais aos agricultores, é preciso entender como as cooperativas se relacionam com os associados, debatendo as formas de aplicação do recurso na unidade de produção e de comercialização dos produtos, por exemplo.

A origem do Sistema Cresol não pode ser dissociada da trama de relações sociais e dos elementos éticos, culturais, religiosos e políticos que caracterizam o Sudoeste do Paraná, como a Revolta dos Colonos, nos anos 1950, em que pequenos agricultores lutaram pela posse da terra em meio à disputa de interesses entre empresas particulares de colonização e os governos estadual e federal, ainda muito presente no imaginário dos agricultores da região; a intensa organização social nas comunidades rurais, os vínculos com os sindicatos de trabalhadores rurais vinculados à CUT e a formação de lideranças comunitárias na atuação das CEBs e de entidades, como a Assesoar. O Sistema surgiu circunscrito ao universo das organizações sociais do Sudoeste, em particular, e aos agricultores vinculados a elas. A base inicial das cinco primeiras cooperativas (Capanema, Marmeleiro, Dois Vizinhos, Pinhão e Laranjeiras63) era formada,

basicamente, por grupos e associações de agricultores familiares organizados por meio do trabalho de ONGs, sindicatos de trabalhadores rurais e pela Igreja Católica. “A idéia inicial era limitar a associação às cooperativas somente aos agricultores vinculados às demais organizações dos agricultores familiares da região, mas esta proposta não foi aceita pelo Banco Central, quando da sua regulamentação” (CUT e CONTAG, 1999, p.32).64

63 No apoio à constituição dessas duas cooperativas, no Centro-oeste paranaense, é preciso considerar, especialmente, a atuação da Fundação Rureco.

64 A formatação do arranjo institucional do Cresol, operando exclusivamente com agricultores familiares, foi condicionada intensamente pelas formas da organização social dos agricultores familiares, não há dúvida, porém, pode-se dizer que a idéia de um sistema de crédito cooperativo voltado aos agricultores familiares foi sendo polida

Hall (2002) ressalta que a convocação para a constituição das cinco primeiras cooperativas do Sistema Cresol foi feita para os trabalhadores rurais e os mini e pequenos produtores da área de ação de sindicatos de trabalhadores rurais e de organizações de cooperação e não-governamentais ligadas a esses atores nos municípios em que as cooperativas surgiram, como a Assesoar. Isso evidencia que a construção da identidade originária do Cresol esteve vinculada à atuação dessas entidades e, mais uma vez, com destaque para a atuação da Assesoar.

Conhecer o trabalho de base da Assesoar, iniciado nos anos 1960 e inspirado pela doutrina social da Igreja Católica, é fundamental para entender o que está na base da identidade do próprio Sistema Cresol. A Assesoar expressou e foi conseqüência do trabalho social da Igreja Católica, ainda que depois tenha se desvinculado de suas diretrizes, em meados dos anos 1980. Esse trabalho, via comunidades eclesiais de base e pastorais, foi importante para a formação de grande parcela dos dirigentes de organizações populares e sindicais do meio rural do Sul do país. “As pastorais desenvolvem uma pedagogia de compromisso e de inserção na sociedade, encaminhando seus membros para uma presença ativa nos processos de mudança social” (SOUZA, 1997, p.79-80). A Assesoar estimulou a organização comunitária (organização pastoral e social por faixa etária) e política (sindicatos e cooperativas) dos agricultores familiares e valorizou a formação de lideranças (ainda que impregnada de elementos doutrinais), visando a

na interação com o contexto mais amplo e com diferentes atores. A legislação cooperativista permitia a constituição

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