• Nenhum resultado encontrado

A situação em França delineava os condicionantes circunstanciais para a formação de uma “situação revolucionária”.

As eleições para o Corpo Legislativo acabavam de terminar em França, e revelava um crescimento significativo da oposição ao regime do Segundo Império. Em Maio de 1869, Varlin e os seus camaradas tinham publicado o “programa eleitoral de um grupo de operários parisienses” que atestava um afastamento ainda maior dos operários franceses de vanguarda dos dogmas proudhonistas. As eleições tinham provocado desordem na capital (tinham-se mesmo levantado barricadas), tendo sido feitas prisões. O que Marx viu e ouviu em Paris, aquilo de que teve conhecimento pelas palavras e pelas cartas dos Lafargue, pela correspondência de Dupont com as seções francesas e pela imprensa testemunhava que o Segundo Império atravessava visivelmente uma crise que se agravava. Ao examinar as perspectivas da revolução européia, Marx escrevia, em Janeiro de 1870, que “a iniciativa revolucionária partirá provavelmente da França”.

Em Dezembro de 1869 começou a ser publicado em Paris o jornal La Marseillaise [A Marselhesa]. O seu comitê de redação agrupava operários de sentimentos socialistas, membros da Internacional, blanquistas e republicanos de esquerda, unidos na luta contra o Segundo Império.163

Bonaparte irá contra-atacar, procurando destruir a organização dos trabalhadores, perseguindo e prendendo os principais líderes do movimento proletário, que, certamente, ficará debilitado e fragilizado em termos táticos e estratégicos, uma vez que são esses os seus membros mais experimentados e que poderiam fazer a diferença no processo e desencadeamento da luta revolucionária.

A justificativa das prisões foi a acusação propagada de que membros da Internacional conspiravam para assassinar o imperador. Assim, quando da manobra demagógica do plebiscito de 8 de Maio de 1870, as principais lideranças da vanguarda operária encontravam-se presas ou exiladas. E aqui, mais uma vez, se confirma a política bonapartista, comentada anteriormente, das manobras plebiscitárias e como Bonaparte usou e abusou do sufrágio universal retirando e

adulterando o seu conteúdo e potencial de pressão enquanto arma de radicalização das medidas da revolução em permanência.

Contra a acusação de conspiração do proletariado francês, Marx lançou a seguinte defesa:

Se a classe operária conspira – ela, que forma a grande massa de toda a nação, ela, que cria toda a riqueza e em nome de quem os poderes usurpadores pretendem reinar – então conspira publicamente, tal como o sol conspira contra as trevas, com a plena consciência de que fora do seu âmbito não existe qualquer poder legítimo.164

Essa apaixonada defesa de Marx demonstra que o que foi indevida e propositalmente caraterizado como “conspiração” é, de fato, a luta legítima para a reapropriação do poder político por aqueles que devem deter o controle sobre os meios e fontes de vida, tornando-os, verdadeiramente, sociais e efetivando o controle social sobre as relações sociais e de produção.

A classe operária parisiense não teve tempo de se fortificar e unificar a fim de garantir o êxito e vitória do movimento emancipatório da classe proletária. Essa era uma das preocupações de Marx, que tentava alertar para o problema das divisões do proletariado embriagado pelas ilusões das diferentes correntes sectárias. Mas, quando a Comuna de Paris arrebentou não foi apenas o fruto do espontaneísmo das massas, muito pelo contrário, a forma de gestão e controle social que deveria existir já estava sendo discutida e desejada pelos trabalhadores, que vinham se reunindo e discutindo em várias seções nos clubes e associações públicas-proletárias desde 1866. Como precisamente expôs Armando Boito Junior, em contraposição à tese segundo a qual a Comuna de Paris teria sido uma “revolução involuntária”:

Ora, as circunstâncias desempenham um papel importante em qualquer revolução. Nenhuma revolução é a realização integral de um projeto elaborado por um sujeito que teria desvelado a suposta marcha da história. A Comuna de Paris, nessa medida, também pode ser considerada filha das circunstâncias, mas não involuntária. A pesquisa histórica já citada de Dalotel, Faure e Freiermuth mostra que nas reuniões públicas do período final do Segundo Império forjou-se uma plataforma socialista de massa. Essa plataforma incluía como um de seus pontos centrais, que, ao contrário de outros, unificava quase todas as tendências, a luta pela “Comuna social”. Nos anos de 1868, 69 e 70, essa Comuna, que “se administrará a si própria”, toda Paris proletária debateu e almejou. Ela não foi mero produto imprevisível da Guerra Franco-Prussiana.165

163 Idem; ibidem, p. 539.

164 Idem; ibidem, p. 540.

165 JUNIOR, Armando Boito. Comuna Republicana ou Operária? A tese de Marx posta à prova, nota 14, p. 57-58. in – A Comuna de Paris na História. Armando Boito Júnior (Org.). São Paulo: Xamã; Campinas: Cemarx, 2001.

Apesar de “toda a Paris proletária” ter debatido e almejado a “Comuna Social”, pestanejaram e perderam um tempo precioso do qual não dispunham com discussões intermináveis sobre como deveriam proceder na execução das tarefas após a tomada de Paris. Um exemplo desse aspecto da questão é dado pelo próprio Marx, que através de Leo Frankel e Louis Eugene Varlin, “procurava levar a Comuna a atuar com maior energia em relação à contra-

revolução no interior de Paris”, recomendando, “insistentemente, uma tática ofensiva contra

Versalhes”.166

Temendo um conluio entre Bismarck e os versalheses, Marx aconselhou os communards a fortificar o lado norte das colinas de Montmartre, em frente das quais estavam as tropas prussianas. Mais tarde, escrevia com amargura: “... Tinham ainda tempo para o fazer: eu tinha-lhes dito de antemão que, de outro modo, cairiam numa ratoeira”. Marx advertia os seus correspondentes, que representavam os elementos verdadeiramente proletários na Comuna, contra as intrigas dos dirigentes pequeno-burgueses. “A Comuna parece perder demasiado tempo com bagatelas e querelas pessoais. Vê-se que há ali outras influências além das dos operários”, escrevia ele a 13 de Maio de 1871 a Frankel e Varlin.167

Marx, apesar de visualizar alguns problemas na forma como se desencadeou essa sublevação dos operários parisienses, procurava buscar as condições para que as brechas e possibilidades de inversão dos fatos e fatores se dessem favorecendo a luta revolucionária do proletariado, abrindo caminho para sua vitória.

Durante a Comuna de Paris, o papel de Marx como participante nos acontecimentos exprimiu-se em primeiro lugar nos contatos diretos com os seus dirigentes, nos conselhos judiciosos que deu aos commmunards. Juntamente com Engels, realizou um imenso trabalho para coordenar – e em certos casos para provocar – um movimento em apoio da Comuna entre os operários dos outros países, e para lhe dar uma orientação justa. Após a queda do Estado proletário, Marx foi um enérgico organizador da ajuda às vítimas do terror dos versalheses, aos emigrados da Comuna.168

Apesar dos esforço de Marx e dos verdadeiros proletários que faziam parte da Comuna, em meados de Maio, a situação militar da Comuna começou a inquietá-lo permanentemente.

Duas semanas antes da queda de Paris revolucionária, informando os commmunards dos pormenores do acordo secreto entre Bismarck e Favre contra a Comuna, advertiu-os de que o golpe decisivo poderia ser desferido por volta de 26 de Maio. Escreveu: “É absolutamente necessário fazer depressa tudo o que quereis fazer fora de Paris, em Inglaterra e noutros locais”. Marx, prevendo a

166Karl Marx – Biografia. P. N. Fedosseiev (et. al.) Lisboa: Edições Avante; Moscovo: Edições Progresso, Instituto de Marxismo-Leninismo anexo ao CC do PCUS, 1983, p. 554.

167 Idem; ibidem, p. 554. 168

derrota da Comuna, considerava que sequestrando os fundos da banca francesa e escondendo em local seguro os documentos comprometedores para os chefes versalheses, a Comuna poderia ter influência sobre Thiers e arrancar-lhe algumas concessões.169

Por fim, dentre os fatores conjunturais e circunstanciais que criaram as condições para o aparecimento da Comuna de Paris não menos influência exerceu os desdobramentos da guerra franco-prussiana, acelerando e exigindo a defesa do território francês pelo proletariado, pois, conforme frisou Marx e segundo as tentativas que tanto ele quanto Engels empreenderam para esclarecer aos proletários dos diferentes países europeus a respeito da crucialidade em garantir uma paz honrosa, sem anexações territoriais, uma vez que elas poderiam germinar o sentimento de vingança e ódio que criariam o clima de tensão e de novas guerras. Apreenderam a tendência a fato daquilo que se tornaria a I Guerra Mundial. Os operários de Paris tiveram de pegar em armas para frear a voracidade anexionista-militar dos prussianos.

A citação que segue ilustra bem esse fato.

A guerra franco-prussiana, que começara em Julho de 1870, foi um elo importante na cadeia dos acontecimentos. O permanente arrastar de espadas dos círculos bonapartistas franceses, as suas pretensões à margem esquerda do Reno, o apoio que lhes dava às tendências separatistas de alguns Estados alemães, levantavam sérias dificuldades à conclusão da unificação da Alemanha. Por outro lado, a existência do agressivo império bonapartista, esse foco permanente de guerras, reforçava as tendências militaristas dos junkers prussianos e dos meios belicistas da burguesia alemã que, sob a bandeira de defesa dos interesses nacionais da Alemanha, pretendia realizar os seus próprios planos dinásticos e de conquista: estender o poder dos Hohenzollern aos Estados da Alemanha do Sul. Bismarck utilizou habilmente as atitudes chauvinistas de Napoleão III e da sua clique para paralisar as tendências antiprussianas dentro do país e provocar um conflito militar em que a França assumiria o papel de agressor. A guerra, que objetivamente começou com o fim de impedir Napoleão III de eternizar a divisão da Alemanha, ameaçava, nessas condições, transformar-se numa campanha de conquista da França.170

Não havia outra escolha aos operários de Paris diante do cerco prussiano do que esta: ou a insurreição ou a capitulação. Foram as circunstâncias e determinantes históricos-sociais que aceleraram o processo revolucionário, que ainda não se encontrava suficientemente amadurecido pelo proletariado, mas o qual ele se viu obrigado a defender e realizar, mediante a imediaticidade

169 Idem, ibidem, p. 555.

170

da resposta que tiveram de dar para assegurar os interesses e necessidades materiais de sua classe.

VII. d) A Comuna de Paris: luta política-social e dominação política social-

Documentos relacionados