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c) Pesquisa Visual: lugar e estatuto da imagem

A utilização de tecnologias visuais (ou audiovisuais) no decurso de uma pesquisa científica pouco nos indica sobre o estatuto que as diferentes imagens (ou dados de natureza audiovisual) adquirem em todo o processo. Esta é uma questão que, claramente, depende das opções do investigador, que terá de determinar qual a centralidade que a imagem e o audiovisual terão na compreensão, interpretação e descrição de uma determinada cultura ou fenómeno social. Van Leeuwen e Jewitt (2001) num esforço de sistematização de procedimentos e categorização de modelos, distinguem diferentes concepções e atitudes metodológicas perante a imagem, indicando que a pesquisa visual pode variar de acordo com o estatuto assumido pela imagem, com os modelos epistemológicos, a filiação académica ou os objectivos do investigador. Do cruzamento destas dimensões, surgem situações diversificadas que dependem das unidades de análise utilizadas, do objecto analítico e da relação entre os diferentes elementos do processo de recolha/análise. A imagem pode, por exemplo, ser abordada enquanto registo da realidade ou construção social; a pesquisa pode estar centrada sobre uma unidade de análise constituída por uma imagem ou por uma série de imagens; pode, ainda, ser explorada em função do texto, do contexto ou da prática social; pode, finalmente, integrar diferencialmente o texto, o produtor e o público, no processo analítico.

Simplificando, podemos estabelecer uma primeira distinção entre as imagens (ou o visual) enquanto elemento primário ou secundário de pesquisa. No primeiro caso, a pesquisa é realizada tendo o visual como foco primordial de investigação, conferindo uma profundidade heurística às imagens (fotografia e filme) que poderá estar ausente no segundo caso. Logo, a qualificação pesquisa visual deverá estar dependente do papel assumido pela imagem. Utilizar ferramentas visuais e imagens em investigação não é sinónimo de fazer pesquisa visual, na medida em que pouco nos diz sobre os processos analíticos posteriores e a profundidade heurística atribuída à imagem.

Quando se fala do lugar da imagem convém, ainda, fazer uma distinção entre, em primeiro lugar, a pesquisa centrada em imagens pré-existentes, tomadas enquanto objectos culturais e, em segundo lugar, a pesquisa que recorre a imagens fabricadas para responder aos

seus objectivos118. A primeira tem em consideração as imagens (por exemplo, fotografias, filmes

ou pinturas) produzidas pelas pessoas, tendo em apreciação a sua inserção numa determinada cultura, implicando o estudo antropológico das imagens (Ruby, 1996)119. A segunda, talvez a

mais comum quando se fala de pesquisa visual, refere-se a imagens orientadas e produzidas pelo investigador (fotos e filmes de expressões visíveis da cultura, como vestuário e adornos, interacção social, meio edificado, tecnologias, etc.). Sobre estes dois tipos de imagens impendem diferentes modelos de análise, na medida em que estas desempenham funções variadas e possuem estatutos ontológicos diferenciados (Morphy e Banks, 1997; Banks, 2001).

Obviamente que a forma como se define a pesquisa visual e o papel das imagens reflecte-se no modo como se estrutura toda a pesquisa e se utilizam as tecnologias visuais, facto que afecta necessariamente a fabricação das representações antropológicas. As orientações definidas pelo investigador estabelecem quais as ferramentas e metodologias mais úteis e pertinentes às diferentes fases do projecto. Estas estarão necessariamente subordinadas aos objectivos da pesquisa, ao enquadramento teórico-metodológico, ao paradigma epistemológico, bem como ao contexto em análise. Um projecto científico que assuma a centralidade do visual enquanto objecto de questionamento e análise, certamente conferirá à imagem um papel heurístico indispensável, na medida em que esta se afirma como representação da visualidade, dado primário de pesquisa, factor de acesso e compreensão desta dimensão da vida cultural.

4.4.2 - Tecnologias de representação e representações antropológicas

As questões que se colocam relativamente à utilização/integração da imagem (fotografia, cinema, vídeo) na construção de representações antropológicas diferem daquelas que foram destacadas no ponto anterior. Afirmei que as denominadas metodologias visuais devem ser

118 O que não implica que coloquemos de parte um encontro entre estas duas abordagens e lugares das imagens, na medida em que estas não se excluem nem são antagónicas.

119 Estas imagens, imaginários e objectos de natureza visual e audiovisual reflectem o modo como diferentes pessoas e grupos se retratam e representam o mundo em seu redor, partindo das tecnologias ao seu dispor (um processo de auto-documentação com propósitos diversos). No entanto, ao falarmos de imagens pré-existentes podemos estar a evocar, também, imagens produzidas por elementos exteriores (investigadores, curiosos, jornalistas, turistas, etc.) que retratam uma certa realidade e, como tal, constroem um determinado discurso visual que pode ser objecto de análise.

utilizadas tendo em consideração, os objectivos do estudo, as opções teórico-metodológicas do investigador e o objecto de estudo (contexto social, cultural, geográfico, etc.), o que implica que o seu uso também esteja dependente de uma série de contingências locais e de uma correcta apreciação das limitações e benefícios da sua aplicação. Nas palavras de Banks (2001: 176) «a produção e uso de imagens visuais na pesquisa de terreno empírica deve ser compreendida como um, e apenas um, dos métodos que o pesquisador social pode utilizar». Ou seja, a meu ver, a utilização das metodologias visuais deve resultar de uma ponderação em que são contempladas as diferentes ferramentas e metodologias, tendo em consideração uma situação empírica e um quadro conceptual. Logo, as ferramentas visuais devem ser entendidas num panorama mais complexo de uma etnografia que é forjada com recurso a ferramentas e dados de diferente condição (verbais, visuais, sonoros). Capacidade de adaptação dos instrumentos ao contexto em estudo corresponde, por um lado, à (tentativa de) captação da polissemia e riqueza do objecto e, simultaneamente, à (tentativa de) representação da realidade multissensorial, multimediática120 e multissémica, experienciada pelo etnógrafo.

Julgo que o mesmo princípio se deve aplicar, em parte, ao caso que agora nos ocupa. Ou seja, considero que o formato a utilizar na construção de conteúdos e representações antropológicas deve ser definido tendo em atenção a cultura estudada, os métodos usados para a estudar, as características pessoais do antropólogo e as do público a que se destina a investigação. Existem, portanto, factores internos e externos à pesquisa que devem ser atendidos. Deste modo, as convenções estilísticas, os códigos e linguagem, os formatos, a extensão e quantidade de informação, entre outros elementos devem ser tidos em consideração, quando se procura elaborar um filme, um livro, uma monografia ou um documento hipermedia. As virtudes e insuficiências das diferentes hipóteses em apreciação devem ser avaliadas criteriosamente. Sendo este um processo comunicativo composto por diversos vértices, temos, ainda, a considerar a relação entre o autor, o produto fabricado e o público121.

As imagens e tecnologias visuais deparam-se com contextos académicos que sustentam determinados discursos acerca dos modos legítimos de construir representações antropológicas. Os formatos adoptados inscrevem-se num momento histórico, com os seus os modos de fazer

120 No sentido de diferentes media.

121 Este princípio aplica-se aos diferentes formatos e conteúdos apresentados, sejam estes de natureza exclusivamente (ou predominantemente) verbal ou visual. Adiante falarei em pormenor das questões relativas à audiência, a partir dos estudos da recepção que têm colocado a ênfase na relação complexa entre os vários componentes do acto comunicativo.

ciência e conceber a antropologia, com os quais estes formatos estabelecem uma relação de complementaridade ou antagonismo. Lembremo-nos que no início da utilização das tecnologias visuais, estas estavam ao serviço da antropologia oficial, do modelo dominante. O afastamento, que condena a visualidade a um campo periférico (e que dá origem à subdisciplina da antropologia visual), dá-se de forma gradual, após as primeiras grandes expedições realizadas na transição para o século XX. Daí que para compreender as perspectivas de utilização da imagem na construção das representações etnográficas, tenhamos de considerar o contexto histórico, cultural e científico que as envolvem.

Como afirmam Augé e Colleyn (2005:89), «todos os debates acerca da possibilidade de enunciar a verdade ou verdades confrontam-se assim com a questão da linguagem e da escrita». Esta não é uma questão menor para a antropologia. Pelo contrário, tem assumido um papel central na redefinição da sua identidade, num período conturbado da sua história. E é precisamente esta a questão que actualmente se coloca. Que verdade ou verdades em antropologia. Como comunicá-las? De que modo a imagem pode participar deste processo? A meu ver, as tecnologias e media visuais desempenham, actualmente um papel fundamental, contribuindo decisivamente para (re)pensar os enunciados antropológicos e propondo abordagens que, sendo inovadoras, decorrem de um processo histórico centenário onde fotografia, cinema e vídeo são protagonistas na produção de documentos visuais e audiovisuais com densidade antropológica.

As últimas décadas têm sido marcadas por um intenso debate na disciplina antropológica sobre os modos de representação e a discursividade dos antropólogos, levantando importantes questões de foro epistemológico, político e ético. Esta situação não é indiferente à denominada crise de representações em antropologia, motivada por alterações fundamentais que ocorrem ao longo do século XX, reconfigurando por completo quer o mundo dos antropólogos, a denominada sociedade ocidental, quer o mundo tradicionalmente alvo da atenção da antropologia, o mundo não ocidental (Marcus e Fischer, 1986). A obra colectiva editada/organizada por James Clifford e George Marcus há mais de 30 anos, intitulada Writing culture: the poetics and politics of ethnography (1986), é por muitos visada como a pioneira deste movimento de ruptura com os modos tradicionais de fazer e representar antropologia, uma vez que introduziu questões fundamentais que obrigaram a um profundo equacionar da disciplina. Em causa estava, genericamente, a condição política da acção do antropólogo, agente de uma ordem e uma causa imbuída de significado ideológico que geralmente não é motivo de reflexão interna. Os aparatos de construção de saber e de comunicação em antropologia cumprem uma

função reprodutora e legitimadora, ao serviço dessa ordem. Os clássicos modelos de comunicação em antropologia tendem a reproduzir técnicas e convenções discursivas decorrentes dos postulados positivistas da objectividade, univocalidade e verdade, protegendo e legitimando a autoridade do antropólogo.

Como tive oportunidade de referir, o discurso científico-realista, de tradição positivista, encontra a sua legitimidade numa série de princípios assentes num modelo conceptual e metodológico aparentemente inatacável e historicamente aprovado pela comunidade científica. Todavia, estas premissas têm sido largamente contestadas, através de um processo de desconstrução que aponta o carácter ideológico e arbitrário do acto científico, fatalmente refém da história e dos seus agentes. Assim, o discurso contemporâneo revela-nos que o distanciamento, a objectividade e a neutralidade, por um lado, só numa visão ingénua o são verdadeiramente e, por outro lado, podem não ser os alicerces basilares de uma prática epistemológica renovada. Aquilo que Clifford (1986a) nos comunica é que qualquer discurso antropológico é uma construção, como tal resulta de múltiplas forças e sinergias, sendo sempre parcial, incompleto e arbitrário, ou seja, ficcional. Tal como os modos de ver estão profundamente implicados numa ordem, num modelo cultural, também os modos de falar e relatar a realidade o estão. A ciência ocidental tende a excluir determinados modos expressivos do seu reportório legítimo, como sejam a retórica, a ficção e a subjectividade, em benefício dos valores sacralizados da objectividade, da neutralidade e do realismo (Clifford, 1986a)122. Os

códigos utilizados, as categorias conceptuais, o estilo, a organização do discurso, a fabricação de objectos discursivos, encontram-se imersos num consenso cultural, legitimado e sustentado por quem domina as convenções.

A partir deste momento opera-se uma fractura capital com os modelos institucionalizados, com os modos de pensar e comunicar em antropologia, colocando em causa a autoridade do texto antropológico e algumas das suas ideias fundadoras (Marcus e Fischer, 1986). Em dúvida estão, entre outras questões, as representações antropológicas tradicionais fundadas na escrita. A etnografia contemporânea integrou a noção do texto etnográfico enquanto construção, resultado de um processo de natureza subjectiva, uma representação. A ideia de construção estende-se a todo o processo científico, embora seja útil distinguir três níveis, operacional e cronologicamente distintos: A construção ocorre (a) no processo etnográfico propriamente dito, (b) no processo de construção de conteúdos e representações antropológicas

122 De acordo com James Clifford, estas qualidades eliminadas da ciência teriam sido remetidas para a categoria literária

e, finalmente, (b) no processo de recepção/leitura dos conteúdos e representações antropológicas.

No que diz respeito ao processo etnográfico, o entendimento de uma cultura decorre de práticas simultâneas e complexas de observação, comunicação e interpretação, que estão dependentes de contextos espacio-temporais, de factores cognitivos e psicossociais referentes aos diferentes actores em relação. Como referem Hammersley e Atkinson, o etnógrafo encontra- se envolvido numa situação social, é um agente que cumpre um papel, os métodos que usa constituem apenas «refinamentos ou desenvolvimentos dos que são usados na vida quotidiana» (Hammersley e Atkinson, 1983: 15). Assim, toda a observação é, no fundo, observação participante. Para além das contingências decorrentes do tempo, do espaço e dos próprios protagonistas, aquilo que o etnógrafo vê, ouve e fala, é a resposta pessoal a uma situação que, apesar de relativamente controlada por convenções académicas e sociais, é sempre única, provisória e irrepetível. A experiência é pessoal, subjectiva e singular. A compreensão e interpretação também. Nenhuma visão ou representação do mundo é isenta, teórica ou ideologicamente.

Relativamente aos conteúdos e representações antropológicas, estes surgem sob diferentes formatos, geralmente sob a forma escrita, procurando dar a conhecer a experiência etnográfica (descrevendo, analisando e interpretando uma cultura e a experiência pessoal no interior dessa cultura). Se por um lado, este processo sucede a outro que é, como vimos, construído, por outro lado, exige da parte do antropólogo opções de ordem formal, conceptual, estilística, em convergência com os seus objectivos académicos, pedagógicos e científicos particulares. Se a observação é parcial, a cognição assenta em elementos arbitrários e a comunicação é sempre limitada e discricionária.

Por último, convém ter em consideração um dos vértices geralmente esquecidos do processo de comunicação em ciência, o receptor, público ou audiência (Ruby, 1995; Martinez, 1992; Hammersley e Atkinson, 1983). As teorias da recepção discutidas inicialmente no interior da teoria literária, foram apropriadas pelos media studies e cultural studies, atentos à forma como os textos são recebidos, descodificados e compreendidos pelos diferentes receptores/leitores123. Estas questões são particularmente caras à antropologia visual,

123 Após décadas de análise dos media e das comunicações de massa onde transparecia a ideia de manipulação e de exercício de poder sobre uma massa indistinta e indefesa de receptores, as últimas décadas são marcadas por uma alteração de perspectivas, com um acentuar das questões relativas aos efeitos cognitivos da comunicação de massas (Saperas, 1993) e das abordagens accionistas, pois, como afirma Francis Balle (1995:535), «mais do que

especialmente evidentes em autores que se dedicam à realização de filmes etnográficos, preocupados com o impacto que os conteúdos produzidos têm nos diversos tipos de público (académicos, alunos, público indiferenciado)124.

Martinez (1992) ao analisar o processo de recepção dos filmes etnográficos, alertou-nos para aquilo que, actualmente nos parece evidente, e que é estudado nos denominados media studies, que revela que o processo de comunicação envolve um público que descodifica a mensagem em função de uma série de factores que não são controlados pelos produtores e emissores das mensagens. Logo, o sentido não está definido a priori. Ou seja, todo e qualquer conteúdo, inclusive de carácter antropológico, é apreendido, desconstruído e compreendido através de um processo em que factores de ordem cultural, social, psicológica, entre outros, participam na produção de sentido. Se a produção de um discurso sobre o real é uma fabricação, logo uma ficção, a sua apreensão e compreensão resultam, igualmente de uma construção simultaneamente individual e colectiva125. Ruby (1995), por seu turno, reforçando

uma manifestação de sentido único, seria preferível considerar a hipótese de ajustamentos recíprocos entres «emissores» e «receptores» de uma mensagem (…) A interpretação puramente mecanicista da influência dos media sobre a sociedade ou sobre os seus membros está de acordo com os esquemas simplistas de uma causalidade linear ou com os esquemas de um behaviorismo pavloviano». Todavia, apesar dos progressos que se registaram ao nível das teorias da recepção, que tendem a olhar para o público/audiência como elementos activos no processo de construção de sentido, Ruby (1995) sugere que o estado geral do conhecimento a este respeito peca pela ausência de um claro investimento no estudo da relação entre os receptores, os media e os conteúdos, afirmando que «os leitores são inventados mais do que descobertos. A pesquisa da recepção consiste em estar sentado no próprio estúdio, lendo ou revendo textos e fantasiando acerca do público. A estes modelos faltam os meios de verificação e, em contrapartida, assentam na elegância do argumento dos académicos» (Ruby, 1995: 194). O mesmo autor adianta que as etnografias da recepção, iniciadas na década de 80, tendem a alterar significativamente esta situação, tornando mais rica e sólida a análise dos problemas decorrentes da recepção.

124 A antropologia escrita destina-se geralmente a um público mais restrito e especializado, formado por académicos e estudantes, enquanto o filme etnográfico tem demonstrado responder a diferentes públicos e objectivos que não se limitam à agenda académica do momento. Aliás, a diversidade de filmes e documentários etnográficos, corresponde igualmente a diferentes circuitos de comunicação e públicos. Em contrapartida, as questões relativas ao público não são geralmente tidas em consideração na elaboração de textos escritos, uma vez que é tomado como um dado adquirido que se destinam a uma audiência que partilha os mesmos códigos linguísticos, conceptuais e culturais e que domina as convenções estilísticas.

125 Curiosamente, de acordo com Martinez o facto de um texto ser mais fechado, ou seja, mais autoritário e unidireccional no modo como determina as possibilidades de leitura, não impede a existência de interpretações aberrantes que em nada estariam nas previsões do autor dos conteúdos. As questões relativas à audiência podem estender-se à própria comunidade de especialistas, como refere Marcus (1994), dando o exemplo dos antropólogos

esta ideia, afirma que os autores de um filme empregam determinados códigos e modelos culturais, que julgam apropriados ao contexto em questão, presumindo a sua partilha por parte do público. Todavia, o que acontece frequentemente, é uma discrepância entre os códigos, competências linguísticas e modelos culturais, sendo que, na existência de conflito, é o modo de ver da audiência que prevalece.

A antropologia contemporânea, mais atenta ao carácter construído e arbitrário dos seus modos de representação do mundo, busca formatos mais coerentes com novas questões de ordem científica, ética e política que resultaram de uma reconversão de práticas e olhares. A etnografia e as representações etnográficas mais recentes podem ser caracterizadas pela variedade de posturas, mas igualmente por tendências subversivas e transgressoras (Atkinson e Hammersley, 1998; Coffey, Holbrook, Atkinson, 1996), reflectindo um território onde pontuam perspectivas divergentes de aproximação da realidade cultural e social126. O tradicional

logocentrismo é questionado, uma vez que a experiência etnográfica, foco de todo o conhecimento antropológico, dificilmente se traduz pelo uso exclusivo da palavra. Os domínios da experiência não são facilmente capturados, existe uma grande discrepância entre a riqueza da experiência vivida no campo e a linguagem usada para a caracterizar. Para alguns a experiência etnográfica deve ser estudada na sua profundidade sensorial (Hastrup, 1994; Pink, 2006).

Tendo em consideração que, por um lado, os processos vividos são dificilmente traduzíveis em palavras e que, por outro lado, a produção do conhecimento antropológico não é apenas compreensível de acordo com os clássicos requisitos da objectividade e racionalidade científicas, entendidos por oposição à subjectividade e intuição (Hastrup e Hervik, 1994), não é possível sustentar a asserção, baseada no mito logocêntrico, de que a linguagem reflecte a realidade e que, como tal, é a entrada privilegiada para a cultura que se pretende estudar, conhecer e descrever. Neste contexto, diferentes autores apelam a modelos de comunicação mais consentâneos com a multivocalidade e polifonia do mundo (Marcus e Fischer, 1986;

scriveners que tendem a olhar para os filmes etnográficos de acordo com grelhas de leitura e sistemas classificatórios em mente, servindo o filme apenas como um apontamento naturalista que pode ser explicado de acordo com o sistema conceptual prévio.

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