Um ponto interessante a partir de agora é calcular a distância entre dois pontos ou duas cida- des, conhecendo suas coordenadas geográficas. Para isso vamos entender que, dadas as coorde- nadas geográficas de um ponto, podemos determinar as coordenadas cartesianas e isso facilitará o cálculo da distância entre dois pontos na esfera. É importante ter em mente que os cálculos aqui feitos considerarão a Terra como uma esfera perfeita, o que não é de fato, portanto nossos cálculos
quando comparados com a realidade, terão divergências, o que importa aqui é entender o cálculo de distâncias em uma esfera, tratar esse cálculo no contexto da Terra tem por objetivo despertar a curiosidade sobre o tema e futuros aprofundamentos. Façamos as seguintes considerações sobre o sistema de coordenadas noR3.
• A origem do sistema de coordenadas, ponto O, será o centro do planeta Terra. • O eixo da Terra será o eixo z do sistema de coordenadas.
• O eixo y intersecta a linha do equador, cortando o meridiano de longitude 90◦E no sentido positivo.
• O eixo x no sentido positivo intersecta o Meridiano de Greenwich Veja agora o ponto P de coordenadas (x, y, z) no globo abaixo:
Figura 3.22: Esfera
Observe que os ângulos AOP = θ e C bb O A = ϕ representam respectivamente a latitude e a lon- gitude do ponto P, sendo assim temos que:
• OP = r é o raio da esfera que valepx2+ y2+ z2. • Do triângulo AOP temos que:
senθ = AP
OP =
z
px2+ y2+ z2, como OP = r ,temos que z = r senθ. (I)
cosθ =O A OP = px2+ y2 px2+ y2+ z2= px2+ y2 r ⇒ q x2+ y2= r cos θ. (II)
cosϕ =OC
O A= x
px2+ y2⇒ x = cos ϕ q
x2+ y2, de (II) temos que x = r cosθ cosϕ
Portanto dada a latitudeθ e a longitude ϕ de um ponto no globo, suas coordenadas cartesianas no R3, são dadas por:
x = r cosθ cosϕ (3.1)
y = r cos θ sen ϕ (3.2)
z = r senθ (3.3)
Como já sabemos que a menor distância entre dois pontos na esfera é um arco de um grande círculo, se soubermos o ânguloα desse arco, através da fórmula de comprimento de arco
α◦ 180◦πr
( ou simplesmente rα com α em radianos), podemos determinar essa distância.
Veja agora situações em queα é facilmente determinado, bastando que os pontos A e B estejam na mesma longitude, assim a diferença entre as latitudes determina o valor deα, ou que A e B estejam sobre a linha do equador e assim a diferença entre as longitudes determinamα, observe os exemplos:
Exemplo 3.1. Observe que na Figura 3.23 as localidades 1 e 2 apresentam longitudesϕ1= ϕ2= −70
e latitudesθ1= 50◦eθ2= −30◦respectivamente, assim o ânguloα destacado na imagem é igual a 80◦e a distância entre as localidade 1 e 2 é dada por π · 6400 · 80
◦
180◦ = 8936, 09metros. A Figura 3.24
é uma repetição da Figura 3.22 mostrando os paralelos e meriadianos nos quais os pontos fazem parte e o ângulo central do arco que representa a distância entre os dois pontos.
Exemplo 3.2. Aqui temos outro exemplo de duas localidades 1 e 2 que estão na mesma longitude
ϕ1= ϕ2 = −84◦ e latitudesθ1= 63◦ e θ2= 10◦ respectivamente. Logo o ângulo α destacado na
imagem éα = 53◦e a distância entre as localidades é dada por π · 6400 · 53
◦
180◦ = 5920, 16 metros.
Exemplo 3.3. Na Figura 3.27 mostramos uma situação em que as duas localidades estão sobre a
linha do Equador. Na imagem temos as localidades 1 e 2 com latitudesθ1= θ2= 0◦ e longitudes
longitudeϕ1= −78◦ eϕ2= 36◦. Observe que o ânguloα destacado na imagem é igual a 114◦ e a
distância entre as localidade 1 e 2 é dada por π · 6400 · 114
◦
180◦ = 12733, 92 metros. A próxima figura é
uma repetição da anterior mostrando os paralelos e meriadianos nos quais os pontos fazem parte e o ângulo central do arco que representa a distância entre os dois pontos.
Nos Exemplos 3.1, 3.2 e 3.3, α foi facilmente determinado, mas isso nem sempre é possível, basta uma situação como na figura abaixo, onde temos dois pontos nos quais suas longitudes e latitudes são diferentes entre si.
Figura 3.29: Exemplo
Outra situação bastante interessante é o caso de cidades localizadas no mesmo paralelo, sem ser o do equador, é de se imaginar que a menor distância entre elas se dá pelo menor arco do paralelo que as contém, mas já vimos que isso não é verdade pelo Teorema 3.1. As duas próximas imagens ilustram essa situação
Figura 3.30: A e B localizados no mesmo Paralelo
Figura 3.31: Situação de duas localidades no mesmo paralelo
Teorema 3.7 (Cálculo da distância de dois pontos quaisquer em uma esfera). Dados dois pontos
A e B de latitudes em radianosθ1eθ2respectivamente e longitudes em radianosϕ1eϕ2respectiva-
mente, numa esfera de raio R, a menor distância entre esses dois pontos é dada por:
d (A, B ) = R arccos(cosθ1cosθ2cos(ϕ1− ϕ2) + senθ1senθ2).
Demonstração. Sem perda de generalidade, considere uma esfera de raio R = 1 e os pontos A e B
sobre a esfera. Colocando A e B em coordenadas cartesianas temos A= (cosθ1cosϕ1, cosθ1senϕ1, senθ1) e B = (cosθ2cosϕ2, cosθ2senϕ2, senθ2). Sendo O o centro da esfera, o ânguloα entre os vetores unitários−−→O A eOB indica a região da esfera que se deve percorrer para ir de um ponto ao outro.−−→
Da geometria analítica temos:
cosα = 〈 −−→
O A,OB 〉−−→
k−−→O AkkOB k−−→
Como−−→O A e−−→OB são vetores unitários temos cosα = 〈−−→O A,−−→OB 〉 ⇒ α = arccos〈−−→O A,−−→OB 〉.
Como
〈−−→O A,−−→OB 〉 = (cosθ1cosϕ1, cosθ1senϕ1, senθ1)(cosθ2cosϕ2, cosθ2senϕ2, senθ2) (3.4) = cos θ1cosϕ1cosθ2cosϕ2+ cos θ1senϕ1cosθ2senϕ2+ sen θ1senθ2 (3.5) = cos θ1cosθ2(cosϕ1cosϕ2+ sen ϕ1senϕ2) + senθ1senθ2 (3.6) = cos θ1cosθ2cos(ϕ1− ϕ2) + senθ1senθ2 (3.7) Assim,
α = arccos(cosθ1cosθ2cos(ϕ1− ϕ2) + senθ1senθ2) (3.8) ⇒ d(A, B) = R arccos(cos θ1cosθ2cos(ϕ1− ϕ2) + senθ1senθ2). (3.9)
Exemplo 3.4. 1) Chicago e Roma situam-se na mesma latitude (42◦N) mas em longitudes diferen- tes: a de Chicago é aproximadamente 88◦W e a de Roma aproximadamente 12◦E.
a) Suponha que um piloto tenha ido de Chicago a Roma em vôo no rumo leste, permanecendo o tempo todo na mesma latitude. (Muita gente acha que esse é caminho mais curto possível). Que distância o piloto teve de voar?
2) Sejam as coordenadas geográficas das cidades abaixo:
• Londres - Inglaterra: Latitude: 51, 5◦(Norte) e 0◦de longitude.
• Calgary - Canadá: Latitude: 51, 5◦(Norte) e longitude 114◦(oeste).
• Campinas - Brasil: Latitude: 22, 9◦(ao Sul) e longitude 47, 06◦(ao Oeste) .
a)Qual das cidades está mais próxima de Londres: Campinas ou Calgary?
b)De quantos quilômetros a distância entre Londres e Calgary pelo paralelo 51, 5◦(Norte) excede
a do círculo máximo?
Resoluções:
1.
a) Para determinar essa distância precisamos calcular, calcular o raio do paralelo de 42◦N. Para isso observe a Figura 3.32.
Da Figura 3.31 temos que cos 42◦= r
6400⇒ r = 6400 · cos 42
◦∼= 4756, 12km.
O ânguloα será a diferença entre as longitudes, assim α = 12◦–(−88◦) = 100◦∼= 1, 75rad assim a distância desejada é d = r · α = 4756,12km · 1,75 = 8323,21km.
b) Das informações de Chicago temos queθ1= 42◦∼= 0, 73r adeϕ1= −88◦∼= −1, 53rad. De Roma temosθ2= 42◦∼= 0, 73 e ϕ2= 12◦∼= 0, 21r ad.
Usando o teorema 4.6 a distância entre as duas cidades é dada por d = 6400·(cos0,73·cos0,73· cos(−1,53–0,21) + sen0,73 · sen0,73) ⇒ d ∼= 7756.
Figura 3.32: Esfera
c) Como a velocidade média é calculada por Vm= ∆s
∆t, temos que o tempo gasto na primeira situação é dado por t1=
7756
900 = 8, 62h ∼= 8h37min. Da mesma forma o tempo gasto na segunda situação é t2=
8323, 21
900 ∼= 9, 25h = 9h15min. Assim temos que a diferença de tempo entre um per- curso e outro é de 38 minutos aproximadamente.
2.
A questão se resolve de modo análogo à Questão 1, seu gabarito segue abaixo.
a) Distância entre Londres e Calgary é 7030km e entre Londres e Campinas 9501km. b) 7920km.
Demonstração. Consideremos dois pontos A e B arbitrários em uma esfera. Devemos provar que,
de todos os caminhos que conectam estes dois pontos, o de menor distância será um arco de circunferência máxima contendo os pontos A e B.
Iremos supor sem perda de generalidade que a superfície esférica que estamos trabalhando possui raio com medida 1 unidade e que seu centro é o sistema ortogonal de coordenadas carte- sianas. Como a superfície esférica é simétrica podemos assumir que o ponto A é o Polo Norte e o ponto B será dado por suas coordenadas geográficas com medidas em radianos. Dizemos que a
θ1eϕ1são a latitude e longitude de B respectivamente.
O comprimento de um arco de uma circunferência de raio R e ângulo centralα em radianos, se encontra utilizando a fórmula Rα. A circunferência máxima que passa por B contém o meridiano de B, como consideramos que o raio da esfera mede 1, temos que o comprimento do menor arco
_
AB, é dado por π
2− θ1, observe a Figura 4.1.
Devemos agora mostrar que o comprimento de qualquer caminho arbritário que liga A e B é menor ou igual do que π
2− θ1.
Se nos imaginarmos viajando de A até B, em cada instante t, estaremos num ponto do globo terrestre com uma latitudeθ(t) e uma longitude ϕ(t). Iniciando nossa viagem no instante t = 0 e a finalizando no instante t = 1 temos:
• θ(0) =π 2 • θt1= θ1
Figura 3.33: Esfera com localidade A e B. Retirado de [8]
• ϕ(t1) = ϕ1
Um caminho arbitrário ligando A e B é descrito por um vetor posição~r dado por: ~r(t) = (cosθ(t)cosϕ(t),cosθ(t)senϕ(t),senθ(t))
Derivando-se essa função vetorial em relação ao tempo t obtemos o vetor velocidade ~r0(t ) da trajetória e consequentemente sua velocidade k~r0(t )k no instante t. Observe os cálculos:
Temos que:~r(t) = ¡cosθ(t)cosϕ(t),cosθ(t)senϕ(t),senθ(t)¢, assim:
x(t ) = cosθ(t)cosϕ(t)
x0(t ) = (cosθ(t))0cosϕ(t) + cosθ(t)(cosϕ(t))0
x0(t ) = −senθ(t)θ0(t ) cosϕ(t) − cosθ(t)senϕ(t)ϕ0(t )
x0(t )2 = [− sen θ(t )θ0(t ) cosϕ(t)]2+ 2 senθ(t )θ0(t ) cosϕ(t)cosθ(t)senϕ(t)ϕ0(t ) + [cosθ(t)senϕ(t)ϕ0(t )]2.
[cosθ(t)cosϕ(t)ϕ0(t )]2.
z(t ) = senθ(t) z0(t ) = cosθ(t)θ0(t )
z0(t )2 = cos2θ(t)θ0(t )2.
Com esses cálculos temos que:
x0(t )2+ y0(t )2+ z0(t )2=
=sen2θ(t)θ0(t )2[cos2ϕ(t)+sen2ϕ(t)]
z }| {
sen2θ(t)θ0(t )2cos2ϕ(t) + sen2θ(t)θ0(t )2sen2ϕ(t)+
=cos2θ(t)ϕ0(t )2[sen2ϕ(t)+cos2ϕ(t)]
z }| {
cos2θ(t)sen2ϕ(t)ϕ0(t )2+ cos2θ(t)cos2ϕ(t)ϕ0(t )2 + cos2θ(t)θ0(t )2.
Assim temos,
x0(t )2+ y0(t )2+ z0(t )2 = sen2θ(t)θ0(t )2+ cos2θ(t)ϕ0(t )2+ cos2θ(t)θ0(t )2 = θ0(t )2(sen2θ(t) + cos2θ(t)ϕ0(t )2
= θ0(t )2+ cos2θ(t)ϕ0(t )2.
Com isso temos que a velocidade de ~r0(t ) no instante t é dada por:
k~r0(t )k =qθ0(t )2+ cos2θ(t)ϕ0(t )2≥pθ0(t )2= |θ0(t )| ≥ −θ0(t ). Desse modo como o comprimento L de uma curva é calculado por L =Rb
a k~r (t )kd t temos que: L ≥ Z t1 0 [−θ 0(t )]d t = −[θ(t1) − θ(0)] = π 2− θ1, como queríamos provar.
Demonstração do Teorema3.3
Demonstração. Para demonstrar o teorema, faremos uso do teorema que segue abaixo, cuja de-
monstração pode ser concontrada em [19].
TEOREMA: Suponha que f e suas derivadas parciais sejam contínuas na região fechada R, no plna xy. Então, se A for a medida da área de superfície z = f (x, y) que está sobre R, temos que:
A =
Z Z
R
q
fx2(x, y) + fy2(x, y) + 1d xdr.
Afim de facilitar os cálculos iremos demonstrar o teorema para a metade de um fuso, em se- guida multiplicaremos por 2 para se obter a área do fuso completo, observe a Figura 4.1 a seguir.
Figura 3.34: Semi esfera
A esfera apresentada na figura possui equação x2+ y2+ z2= a2. Isolando z na equação e o chamando de f (x, y), temos f (x, y) =pa2− x2− y2, que é a parte superior da esfera na qual nos atentaremos para fazer os cálculos. Observe que fx(x, y) = −x
pa2− x2− y2 e fy=
−y pa2− x2− y2.
Atente para o fato de que fx(x, y) e fy(x, y) não estão definidos na circunferência x2+ y2= a2
limitada a circunferência x2+ y2= b2, onde b < a, tomando em seguida o limite quando b → a−. Além disso, o cálculo fica simplificado se a integral dupla for calculada por uma integral iterada usando coordenadas polares. Então, sendo A a área do fuso, temos que:
A = lim b→a− Z b 0 Z α 0 a a2− r2r dθ dr (3.10) ⇒ A = 2αa lim b→a− Z b 0 r a2− r2d r (3.11) ⇒ A = 2αa lim b→a− h −pa2− r2ib 0 (3.12) ⇒ A = 2αa lim b→a−[− p a2− b2+ a] (3.13) ⇒ A = 2αa2. (3.14)
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