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Quando perguntado sobre a sua idade, Matheus respondeu “vou fazer 13”. É engraçado como algumas crianças, ao serem perguntadas sobre sua idade, ao invés de responderem a idade exata, dizem “vou fazer...” independente de quanto tempo falte para o aniversário, parecendo que sempre querem ser mais velhos.

Matheus se mostrou como a criança mais independente entrevistada. Bastante desinibido, mas sem causar nenhum tipo de problema ou interferência durante as oficinas, Matheus trouxe temas para a entrevista que não tinham surgido até então.

Ele mora na Lapa, com a mãe e mais dois irmãos menores. Dá como referência para localizar sua casa, o ponto da linha 7 de Abril - linha de ônibus que aparece também quando fala sobre a escolinha de futebol do clube Vitória, que gostaria novamente de frequentar. A casa fica realmente bem próxima dos pontos de ônibus da Estação, “em frente ao ponto 7 de Abril, a primeira casa depois do portão”. Embora Matheus considere o local como Lapa, ao descer a escada que existe em frente a sua casa, chegamos à rua de Clénisson, que diz ser Tororó (de baixo).

Sua família mora no andar térreo de uma casa de três andares, sua avó no primeiro andar e a tia no segundo. Até o ano passado, Matheus morava com a avó. Neste ano, com o retorno da mãe do interior, passou a morar com ela. Matheus divide um dos quartos com o irmão de 7 anos, enquanto a irmã dorme com a mãe no outro. Diz que a casa é boa, tem uma área de serviço que dá pra brincar, mas a sua área de lazer mesmo está do lado de fora: na rua de baixo, em um campinho improvisado construído por ele e seus amigos na parte mais plana de uma contenção, onde foram utilizadas algumas telas conseguidas na obra do metrô e outras que eles próprios compraram, que servem para aparar a bola, impedindo que caia na pista.

– Tem o campinho que a gente fez lá. Só que é enladeirado, só que dá para brincar. (Matheus, 12 anos)

– E na rua, o que você mais gosta?

– Do campinho. De jogar bola, porque é a única coisa que tem. (Matheus, 12 anos)

Quando fala sobre a “sua rua”, Matheus se refere à rua de baixo. A mesma rua de Clénisson e a principal reclamação sobre a qualidade deste espaço também é a mesma: os buracos. Que dificultam a passagem dos carros e quando chove, não permite a brincadeira.

- E na rua {o que tem de pior}?

- Os buracos. Quando você passa o carro faz assim, oh. Um buraco grandão, ai quando chove, fica uma poçona de água. [E não dá para brincar na poça de água ou não pode?] Não dá para brincar. É tão forte. Ela puxa para dentro do bueiro. (Matheus, 12 anos)

Sua mãe trabalha vendendo bolsas na Estação da Lapa, mas agora está sem ter lugar para vender por conta do projeto Nova Lapa, que segundo Matheus, “não vai deixar ninguém trabalhar lá, ninguém, vai tirar todo mundo”. Matheus apresenta uma visão inteirada sobre os conflitos atuais com a implementação do projeto. Conta que participou de protestos junto com outros moradores, quando chegaram a fechar a entrada da Lapa, impedindo os ônibus de circularem na Estação. Diz que não sabe bem o que é o projeto, somente que “foi o prefeito que mandou” e que eles (os moradores) descobriram que não haverá shopping algum, “que eles não vão fazer nada, que é só para tirar os vendedores mesmo, para reformar a Lapa e agora não vai entrar mais nenhum”. Matheus traz algumas outras informações sobre o projeto, como a instalação de “roletas” (catracas) e o acesso pago à Estação e aos shoppings, o que ele compara ao acesso pago do “Elevador da Sé” (Elevador Lacerda). Matheus entende que o fechamento vai

trazer problemas para a circulação dos moradores que será dificultada, principalmente quando os shoppings estiverem fechados.

– A gente vai ter que passar ou por dentro do shopping ou pela ladeira que tem lá. Uma ladeira grandona que tem lá. E quando o shopping fechar que vai ser em frente a nossa casa, a gente vai ter que arrodear se quiser ir na rua. (Matheus, 12 anos)

Ao lado dos problemas econômicos e de dificuldade de acesso, Matheus coloca um ponto positivo, da instalação de catracas: o acesso limitado inibirá a ação de ladrões na Estação.

– Mas agora vai melhorar porque não vai ter ladrão mais. Para os ladrão roubar vai ter que passar e pagar, pra depois voltar. E pra passar sempre vai ter que pegar uma fila. (Matheus, 12 anos)

Matheus tem um olhar sobre a violência no espaço público que, a princípio, parece ser mais próximo de uma realidade factual e de um ponto de vista sensato. Ele sabe da existência, anda atento, mas isso não o amedronta, não o impede de usar o espaço. Conta que conhece todos os ladrões que moram perto dele, que fala com todos eles, mas não confia em ninguém.

– Tem algum lugar nesse caminho que você não pode ir, que você tem medo? – Não. [Tem algum lugar que você acha perigoso?] Nenhum, pra mim, todo lugar é perigoso. [Como assim?] Todo lugar tem ladrão, todo lugar é perigoso. [E você vem andando com medo?] Não. (Matheus, 12 anos)

Assim como as outras crianças, Matheus também se interessou pelo metrô. Morando ao lado da Estação acompanhou toda a construção e como não poderia deixar de ser, também fez o seu passeio. Mas o que chama atenção, foi que Matheus o fez sozinho. Segundo ele, sua avó ficou sabendo que com 12 anos, a criança pode andar sozinha, desde que esteja com a “xerox” da carteira de identidade. Assim, Matheus conta que foi até o Retiro (estação mais distante, até o momento) e voltou.

Aos 12 anos, Matheus já se considera um pré-adolescente, e logo mais, aos 13, será um adolescente. Considera que ainda deve obediência a sua mãe, mas quando está sozinho na rua, tem a sua autonomia, ninguém manda nele.

andando todos os dias. Sempre fez o caminho sozinho, mas este ano, por conta de seus irmãos menores que começaram a estudar na mesma escola, é acompanhado por eles e sua mãe, com exceção das segundas, quartas e sextas, quando tem capoeira à noite e precisa “adiantar na frente”. Ele pega a chave com sua mãe e segue na frente para não se atrasar. Conta que prefere ir sozinho, porque vai mais rápido. Sua aula de capoeira é na Rua do Salete, nos Barris. Caminho que faz sozinho, passando por dentro do shopping e voltando pela Ladeira dos Barris.

O shopping aparece como um “oásis” nos caminhos percorridos por Matheus, não pela atratividade do consumo, aparentemente, mas pelo conforto ambiental. Com seu percurso de mais ou menos 20 minutos de caminhada ao meio dia para chegar à escola, o shopping é, para Matheus, a melhor parte deste caminho, por conta do ar-condicionado.

Matheus possui no centro da cidade, um grande perímetro pelo qual pode circular. Diz não ter nenhum lugar por ali que não possa ir. Mas que é nos Barris o lugar mais longe que costumava ir sem adultos: quando ia arrancar seriguela com os amigos antes do jogo do campeonato de futebol. Hoje, quando está sozinho, sem a companhia de um adulto, gosta de passear, jogar bola e ir no shopping. Segundo ele, existem lugares longe de casa que gostaria de ir sozinho mas não pode, como por exemplo, na escolinha de futebol do Vitória, no Barradão (localizado em outro bairro). Conta que fez o treino no Núcleo Barradão por mais de três anos. Eram viagens de uma hora e meia até o final de linha do ônibus 7 de Abril que fazia com sua avó. Hoje em dia não tem mais quem o leve e, embora saiba exatamente o caminho, não pode fazê-lo sozinho, porque sua mãe tem medo de que ocorra o que se deu com seu tio quando este tinha a mesma idade: foi assaltado no caminho do clube, tendo seu uniforme e equipamentos roubados.

A sua rede de amigos no bairro é bastante extensa, entre adultos, adolescentes e crianças. No caminho para casa, descendo a “ladeira dos camelôs” Matheus cumprimenta muitas pessoas, vendedores das lojas, camelôs e ambulantes. Possivelmente esta relação próxima é estabelecida por conta do trabalho da mãe. Matheus conta também que durante as férias passadas vendeu picolé na ladeira. Seus amigos de brincadeira na rua, segundo ele, somam mais de 20 meninos e 4 meninas, de idades variadas, chegando a ter um de 16 anos, ressalta ele.

As brincadeiras na rua seguem a regra “futebol, pega-pega, esconde-esconde. Em casa, brinca de frescobol na parede. A televisão e o vídeo game não parecem interessar muito, embora os programas de televisão preferidos chamem atenção.

Mesmo com a liberdade que tem para circular e sabendo da existência de uma praça com quadra nos Barris, Matheus diz que ele e os amigos não costumam frequentar o espaço, porque, segundo ele, a praça é ocupada por usuários de drogas.

– A gente não joga muito lá não porque só tem menino que faz coisa errada. [O que?] Fuma. [E lá perto da sua casa não tem?] Não. Só tem lá em cima ou então, lá na outra rua. Nessa rua ai, só que é em frente, eles só faz roubar, fumar, eles não fumam lá não. (Matheus, 12 anos)

A relação que estabelece com o interior é através de Pé de Serra, cidade de origem de sua família, mas que ele não conhece. Os tios e avós paternos ainda moram lá, mas curiosamente, a pesar de conhecer os tios, avós e até irmãos (por parte de pai), Matheus nunca conheceu o pai, sabe apenas que mora em Feira de Santana.

Com relação a sua memória do espaço, em salvador, além das obras do metrô, Matheus acompanhou a reforma da Lapa em 2012 quando fizeram as aberturas para o pavimento inferior e criaram as passarelas.

Jamile, 10 anos