• Nenhum resultado encontrado

3. ACOMPANHAMENTO DURANTE O PARTO E A REALIDADE ARACAJUANA

3.1. CAMINHOS DA HUMANIZAÇÃO DO PARTO NO BRASIL

A Lei 11.108, de 07 de abril de 2005, também conhecida como “Lei do Parto” ou “Lei do Acompanhante” teve origem no projeto de lei do Senado número 195/2003, de autoria da Senadora (e, posteriormente ministra de Direitos Humanos) Ideli Salvatti. 86

A citada lei alterou a Lei 8.080/90 (chamada de “Lei do SUS”), inserindo nesta o Art. 19-J, com a seguinte redação:

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

§ 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.

§ 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo

Art. 19-L. (VETADO)

A título de informação, é importante deixar registrado que o Projeto de Lei previa também o Art. 19-L, que foi vetado, mas cuja redação original prelecionava que o descumprimento do previsto no Art. 19-J constituiria crime de responsabilidade, sujeitando o infrator a penalidades previstas na legislação. 87

85

FRUTUOSO, Letícia Demarche; BRÜGGEMANN, Odaléa Maria. Conhecimento sobre a lei

11.108/2005 e a experiência dos acompanhantes junto à mulher no centro obstétrico. Texto Contexto

Enfermagem, Florianópolis, v. 22, ed. 4, p. 909-917, Out-Dez; 2013. Disponível em: www.scielo.br/.

Acesso em: 16 jan. 2021.

86

BRASIL. Projeto de Lei nº Projeto de Lei do Senado n° 195, de 2003. Concede às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto e o pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde. [S. l.], 20 maio 2003. Disponível em: www25.senado.leg.br. Acesso em: 15 jan. 2021.

87

BRASIL. Mensagem nº 198, de 7 de abril de 2005. Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 2.915, de 2004 (nº 195/03 no Senado Federal), que "Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir as parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e

O dispositivo foi vetado pela presidência da República, através de manifestação do Ministério da Justiça, sob o argumento de que a regra proposta não encontraria nenhum diploma legal que discipline delitos de responsabilidade.

Por isso, o dispositivo proposto ofende o princípio da legalidade estipulada no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição, que dispõe: ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’. Primeiro, porque, ao remeter para o regulamento a conduta criminosa, deixa de atender ao postulado da reserva legal que impõe deva a tipificação de condutas emanar de espécie normativa elaborada segundo as regras do processo legislativo constitucional. Segundo, o preceito normativo em questão não observa a estrutura da norma penal, seja por não definir com clareza a conduta a ser incriminada seja por deixar de estabelecer o preceito secundário, o que desrespeita garantia elevada à condição de norma constitucional dos cidadãos de não serem punidos por crimes cuja descrição seja vaga e imprecisa e de não serem castigados com penas cuja espécie e quantidade não são determinadas previamente.

O dispositivo vetado ofenderia, portanto, o princípio da legalidade/reserva legal, além de não obedecer a estrutura da norma penal, não podendo definir um crime.

Retornando à discussão da norma que está, efetivamente, em vigor, seu parecer foi emitida pela Comissão de assuntos sociais, com relatoria da Senadora Patrícia Saboya Gomes, que, em seu parecer, destacou os pontos positivos que a presença do acompanhante no parto pode trazer à parturiente e ao recém-nascido:

A implantação do programa de humanização do parto reduz o tempo de internação, as complicações maternas e infantis durante e após o parto e o número de partos cesareanos, o que remete à redução de custos para o sistema, desonerando o orçamento do setor saúde, permitindo, dessa forma, alocar recursos em áreas mais sensíveis e carentes da atenção à saúde. 88

Importante ressaltar que foi a comissão de assuntos sociais, neste parecer, que sugeriu a implantação do dispositivo sancionatório vetado.

pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS". [S. l.], 7 maio 2005. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 13 jan. 2021.

88

COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS DE ASSUNTOS SOCIAIS DO SENADO FEDERAL. Parecer nº

002, de 11 de dezembro de 2003. Da comissão de assuntos sociais, em decisão terminativa, sobre o

Projeto de Lei do Senado nº 195, de 2003, que concede às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto e o pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde. [S. l.], 11 dez. 2003. Disponível em: legis.senado.leg.br. Acesso em: 13 jan. 2021. Sem paginação.

A lei em comento veio à tona em um contexto de humanização do parto, trazido à rede pública, inicialmente, pela portaria número 569 do Ministério da Saúde, a qual instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. No anexo II da citada portaria, que previa os princípios gerais e condições para a adequada assistência ao parto, a garantia de condições para que as parturientes tivessem direito a um acompanhante durante a internação já estava prevista, mesmo que este direito estivesse limitado à possibilidade estrutural do estabelecimento de saúde89.

Posteriormente, com a implantação da Política Nacional de Humanização do SUS – HumanizaSUS, em 2003, houve, aos poucos, maior estímulo à aplicação dos princípios do SUS no cotidiano dos serviços de saúde, objetivando mudanças no modo de cuidado e aprimoramento da comunicação entre os sujeitos, a fim de combater relações de poder e práticas desumanizadoras. 90

Após a entrada da Lei 11.108/2005 em vigor, diversos outros documentos foram publicados, a fim de efetivar o cumprimento desta, tal como a Portaria 2.418, também de 2008, que autorizou o pagamento de despesas com o acompanhante – incluindo acomodação e alimentação. No âmbito privado, regramento semelhante veio somente em 2010, com a Resolução Normativa 211 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS), a qual estabeleceu que os atendimentos obstétricos no setor privado, independentemente do plano de saúde, deveriam cobrir todas as despesas com acompanhante91.

Em 2008, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 36, da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) reafirmou o direito ao acompanhamento, estabelecendo parâmetros para que os serviços assegurem estrutura física adequada e segura para acompanhantes e profissionais da saúde92.

Em 2011, com a portaria n° 1.459 do Ministério da Saúde, foi lançado o projeto denominado “Rede Cegonha”, que consiste em uma “rede de cuidados que visa

89

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Portaria nº 569, de 1º de junho de 2000. [S. l.], 1 jun. 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/. Acesso em: 15 jan. 2021.

90

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS. [S. l.], 22 out. 2015. Disponível em: www.gov.br. Acesso em: 17 jan. 2021.

91

RODRIGUES, Diego Pereira et al. Op. Cit.

92

assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis”.93

Neste, restou prevista, no componente “Parto e Nascimento” a garantia de acompanhante durante o acolhimento, trabalho de parto, parto e pós parto imediato, reiterando, portanto, um Direito já previsto desde 2005.

A constante reiteração do Direito ao acompanhante durante o parto revela uma triste realidade: o seu constante descumprimento, ocasionado, muitas vezes, por resistência dos profissionais envolvidos no parto ou por inadequação da estrutura organizacional94.

Tais resultados demonstram a necessidade de indução dos profissionais da saúde e dos gestores a um ideal de humanização, a fim de que haja uma repadronização da assistência e ampliação da atenção integral. 95

Por meio de pesquisa de campo, realizada nos moldes da metodologia apresentada, foi possível identificar, em Aracaju, as citadas falhas no cumprimento da lei 11.108/2005.

3.2. PERCEPÇÃO DAS PARTURIENTES ARACAJUANAS SOBRE AUTONOMIA E

Documentos relacionados