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OS CAMINHOS DOS FOLHETOS MIGRANTES: DE

OS CAMINHOS DOS FOLHETOS MIGRANTES: DE

PORTUGAL AO BRASIL

“Creio que he da Pederneira, Neto de um tamborileiro; Sua mãe era parteira, E seu pai era albardeiro. E per rezão Elle foi já tecelão Destas mantas d’Alemtejo, E sempre o vi e vejo Sem ter arte, nem feição. E quer-se o demo metter, O tecelão das aranhas, A trovar e escrever As portuguesas façanhas, Que só Deos sabe entender!”

(Gil Vicente. “Auto da Lusitania”) Esse capítulo trata da história do cordel português96, com o objetivo de identificar o cordel produzido em Portugal, sua impressão, circulação, bem como o controle estatal e religioso, ou seja, a censura a qual eram submetidos tais folhetos. Busco compreender em que condições esses folhetos foram trazidos para o Brasil nos séculos XVIII e XIX, sua trajetória no país, ou seja, detectar as Províncias brasileiras para as quais foram enviados.

96 Em busca de uma revisão bibliográfica dos estudos acerca da literatura de cordel portuguesa, realizado

nos arquivos e bibliotecas portuguesas, além de autores tais como Viegas Guerreiro, em Para a historia

da literatura popular portuguesa; José Antonio Saraiva & Óscar Lopes, em História da literatura

portuguesa; e, Teófilo Braga, no volume II dos Contos tradicionais do povo português, de uns poucos artigos, coletâneas de textos e catálogos sobre tal literatura ainda são exíguos os estudos mais aprofundados como, por exemplo, produções de teses e monografias. Cito aqui também alguns estudos mais recentes com os quais tive oportunidade de entrar em contato: “O essencial sobre a literatura de

coprdel portuguesa”, de Carlos Nogueira; “Os monstros na literatura de cordel portuguesa do século

XVIII” de Ana Margarida Ramos; “O folheto de cordel: mulher, família e sociedade no Portugal do sec.

XVIII (1750- 1800)” de Maria José Moutinho Santos; ““Facto” e “ficção” em versos de Manuel

Gonçalves, o “Feiticeiro do norte” (ou acerca das fronteiras entre a literatura canónica e a literatura de cordel)”, de Maria Bela de Sousa Menezes; “A cavalo num barbante oculto – manifestações do ocultismo

2.1- O cordel português: “Eco de diferentes vozes”

No século XV, segundo informa Antonio José Saraiva e Óscar Lopes (1955), ocorreu o início da impressão de livros em tipografias portuguesas97. Entretanto, como a implantação da imprensa em Portugal se deu em um processo bastante lento, até início do século XVI a circulação de livros impressos era pouco significativa. Tal situação fez com que esses primeiros livros se tornassem, além de escassos, também muito caros e, por isso mesmo, só acessíveis a um público bastante restrito. É então, nesse contexto editorial português do século XVI que,

“desde cedo se imprimem também pequenos folhetos com obras destinadas a mais larga difusão. É o caso do Auto da Barca do

Inferno de Gil Vicente, impresso cerca de 1518, e de outras obras que constituem a chamada “literatura de cordel”, cujos exemplares se vendem nas ruas”. (SARAIVA E LOPES, 1955, p.183)

Até esse período as histórias circulavam somente na forma oral ou manuscrita. Com o advento da imprensa essa “linguagem ouvida”, para utilizar uma expressão de Ana Mafalda Leite (1998), que traz uma amálgama de muitas vozes, juntamente com outras narrativas, passou a circular também sob a forma, por eles denominadas, de “folhas volantes” ou “papéis”, que mais tarde ficaram conhecidas como “folhetos” e ou “literatura de cordel”98 e seus criadores e vendedores eram comumente denominados “papelistas”.

De acordo com o autor do folheto de Ambas Lisboas99, parece que a denominação “folheto” começou a ser adotada em terras portuguesas a partir do século

97 Segundo SARAIVA e LOPES, as primeiras tipografias portuguesas pertenciam a judeus que a partir de

1487 começaram a imprimir livros em hebraico. Depois disso inicia um período de difusão da impressão de livros em Portugal. Entre os primeiros livros publicados estão as traduções de Vita Christi de Ludolfo de Saxonia (1495), o Almanach Perpetuum (1496), livro de Marco Polo (1502), o Cancioneiro Geral de Garcia Resende (1516), História de Vespasiano (1520), Cronica do Imperador Clarismundo e os Romances de Cavalaria. SARAIVA, Antonio José e LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 7ª Ed. Lisboa: Porto Editora LDA, 1955. p.183.

98 Embora a pesquisa tenha demonstrado que em Portugal eram utilizados os termos “folhas volantes”,

“papéis”, “folhetos” e “literatura de cordel”, em meu trabalho optei pelo uso da expressão “folheto” ou “folheto de cordel”.

99 Biblioteca Nacional de Lisboa – FOLHETO DE AMBAS LISBOAS nº I de 1730 – RES. 740, FR 200

(microfilme). Trata-se de uma parodia da Gazeta de Lisboa. O autor apresenta “noticias” da LISBOA OCCIDENTAL e da LISBOA ORIENTAL, tratando de “acontecimentos” de seus diferentes Bairros e Ruas. Aborda características das ruas e características de seus moradores, utiliza-se de um tom jocoso e

XVIII. Segundo esse autor, o folheto era uma “rabo-leva da Gazeta”, ou seja, uma imitação da Gazeta; “é uma noticiosa chacorrice”, o que significava histórias imaginadas de cunho jocoso; mas também era “hum desenfado por modo de novidade”, isto é, traziam novidades para combater o tédio; era um “palito no banquete da ociosidade”, ou uma forma de viver o ócio; e, por fim, o folheto se apresentava como uma “palestra de riso”, narrativa rir e divertir. Entretanto, mesmo que o folheto fosse uma imitação do jornal A Gazeta, o autor esclarece que tanto poderia se tratar de uma noticia de algo ocorrido como poderia ser uma criação noticiosa “deixando aos Leitores, ou ouvintes, os alvedrios livres para crer naquilo a que elle (o folheto) se refere”. Isto é, a narrativa do folheto tanto poderia expressar o que aconteceu como poderia ser imaginado pelo seu autor. Na esteira do pensamento aristotélico, percebi que também para o autor do folheto de “Ambas Lisboas”, narrar é uma atividade mimética na qual agenciar os fatos acontecidos ou imaginados pressupõe criação de modo a torná-los verossímeis e plausíveis para que a intriga possa ser seguida pelo público100.

A pesquisa apresentou indicação de que paralelo à impressão de livros, como opção para fazer circular com mais intensidade o texto escrito, os editores buscaram a criação desse tipo de material impresso barato e acessível a um público mais ampliado, os folhetos. Assim, é nesse contexto de início da implantação da imprensa portuguesa que, pouco a pouco, se conformou tal criação literária/editorial – os folhetos de cordel101. Processo análogo à edição dos folhetos em Portugal parece ter ocorrido na Espanha, na França, bem como em outros países europeus. Na Espanha, num contexto de princípios de instalação da imprensa, para atender a exigências de um mercado consumidor insurgente, os editores passaram a publicar textos advindos de diferentes matrizes, reescritos, recriados e adaptados à cultura espanhola com o objetivo de se tornarem mais baratos e adequar-se ao gosto do público. Segundo Víctor Infantes102, em Espanha do século XVI ao XVIII, esses impressos eram denominados “coplas”, “oraciones”, “papeles”, “hojas”. A denominação de “pliegos sueltos” surge com o

muitas vezes satírico. Inclusive ao final de cada folheto, a exemplo da Gazeta de Lisboa também traz as “ADVERTENCIAS” ou “AVISOS”, que também são jocosas, têm a expressa intenção de fazer rir.

100 Cf. em RICOEUR, op. cit.

101 SILVA, Jorge Miguel Bastos. Utopias de Cordel e textos afins. Uma antologia. Vila Nova de

Famalicão: Quasi Edições, 2004. p. 07-43.

102 INFANTES, Víctor. La poesia de cordel. In: ANTHROPOS - Revista de Documentación Científica

de la Cultura (Literatura Popular: Conceptos, argumentos y temas) Nº166/167, mayo-agosto.

Diccionario de Rodrígues-Moñino em 1970. E a denominação “poesia de cordel” passa a ser usada a partir da publicação do trabalho de Júlio Caro Baroja em 1969 e de García de Enterría em 1973. Esclarece Julio Caro Baroja (1990, p.65) que “desde muy poco después que se difundiera la imprenta aparece en el mundo europeo y español esta clase peculiar de impresos.”

Na França, após a criação da imprensa e com o aumento do número de leitores se estabeleceu uma cisão no universo leitor: uma parcela que tinha poder aquisitivo para comprar os livros caros e outra que os tomavam de aluguel nas “salas de leitura” mediante pequena quantia. É para essa parcela de leitores de parcos recursos econômicos, mas numericamente muito significativa, que inicialmente as empresas de impressão buscam alternativas editoriais, tais como as “revistas baratas”, os “pequenos jornais”103, e, os “folhetos de cordel” se inscreveram nas mesmas exigências editoriais, também observadas em Portugal e Espanha.

No final do século XVI, os Oudot e os Garnier, tipógrafos franceses, da cidade de Troyes, passaram a publicar, com um custo de impressão altamente reduzida104, romances medievais e vidas de santos adaptadas e simplificadas com o objetivo de obter textos curtos e de fácil acesso a uma faixa mais ampla da sociedade. Textos estes que obtiveram grande recorde de venda. Tal sucesso animou os editores a ampliarem seus catálogos, onde foram incluídos

“os mais diversos títulos: almanaques, obras de medicina, de astrologia, de profecias, de bruxaria, de piedade, recolhas de receitas de cozinha, de regras de jogos, obras sobre as profissões, guias de viagem, chaves de interpretações dos sonhos, tratados de amor, manuais de civilidade “pueril” ou “cristã” e sempre “honesta”, manuais que ofereciam modelos de correspondência adaptados às diversas circunstâncias da vida, contos, romances de inspiração feérica ou histórica, diálogos dramáticos, obras burlescas: testamentos, inventários, paródias de sermões ou de tratados didáticos. Assim nasce essa “Biblioteca azul” (...).” (MOURALIS, 1982, p. 45)

103 BOYER, Alain-Michel. A paraliteratura. Trad. Alves Calado. Lisboa: RÉS-Editora, Lda, s/d. p.p.

64-65.

104 Segundo Bernard Mouralis, esses tipógrafos utilizavam madeira sem viço, caracteres já usados, papel

medíocre que absorve a tinta, tudo isso com vistas ao barateamento das impressões. Cf. MOURALIS, Bernard. As Contraliteraturas. Trad. Antonio Felipe Rodrigues Marques e João David Pinto Correia. Coimbra: Livraria Almeidina, 1982. p. 45.

Desse modo, a Bibliothéque bleue francesa nasceu da adoção de um formato editorial que visava atender a um público diversificado e ampliado. Para cumprir seus objetivos os editores imprimiam os mais variados tipos de textos sob a forma de folhetos, que eram vendidos a preços módicos. Essas edições baratas eram resultantes do trabalho de adaptação de textos advindos tanto de edições sofisticadas, consideradas como literatura culta, quanto da chamada literatura popular. Adaptar para os padrões da Bibliothéque bleue, segundo Chartier (2001), significava cortar, reorganizar, ilustrar, com o objetivo de tornar a narrativa breve, organizada em seqüências diretas, com linguagem próxima àquela usada no cotidiano. O trabalho de adaptação empreendido pelos editores tinha a intenção de tornar a narrativa capaz de atender as capacidades e os interesses do público e desse modo tornar-se de grande circulação. Chartier (1990, p.173-174) afirma que o conjunto de narrativas de cordel “embora pareça heterogêneo, o catálogo dos livros de cordel não é feito ao acaso.” De acordo com esse estudioso dos “livros de cordel” franceses, os textos escolhidos deveriam obedecer a certas estruturas narrativas onde as adaptações feitas “empregam várias vezes os mesmos motivos, ignoram as intrigas complicadas”, tendo sempre em conta as “competências culturais” do público a ser alcançado.

Chartier (1990, p.173-174) demonstra que ao editar textos que originavam as séries de narrativas, foram “criadas redes de textos, que por vezes remetem explicitamente uns para os outros” quer pelas repetições dos motivos, quer pela presença de determinados fragmentos em diferentes narrativas, quer pelas relações estabelecidas entre esses fragmentos, quer pela linguagem, quer pela estrutura narrativa adotada pelos editores no processo de adaptação. Para Pedro J. Ruanda Ramirez (2005:213) a adaptação de textos para impressão em “pliegos de cordel” atende muito mais a uma “necesaria codificación acorde a cada situación cultural que a una manipulación ideológica deliberada (...)”.105 Assim como na França e Espanha, também em Portugal, tais práticas editoriais fizeram circular, sob o formato de folhetos de cordel, um grande número de diferentes tipos de narrativas.

105 Tradução livre: “necessária codificação de acordo com cada situação cultural que a uma manipulação

ideológica deliberada (...)”. RAMIRÉZ, Pedro J. Rueda. Negocio y intercambio cultural: el comercio

de libros com América em la carrera de Índias (siglo XVII). Sevilla: Diputación de Sevilla,

Teófilo Braga (1995) estabelece três grandes períodos da história do cordel em Portugal. A primeira fase, situada no século XVI, seria o período de configuração da literatura de cordel portuguesa e a fase “mais fecunda”. Para ele, um segundo momento dessa literatura em Portugal, seria a produção do cordel no século XVII, que apresentou menor vigor especialmente devido à concorrência dos escritos espanhóis com os portugueses; é no século XVIII a terceira fase, sendo que perduraria até o século XIX, período no qual a produção decairia. Entretanto, a essa periodização proposta por Teófilo Braga se faz mister acrescentar uma produção bastante significativa de folhetos datada do século XX, da qual nos dá notícias Viegas Guerreiro (1983), Maria Bela de Sousa Menezes (1999), entre outros. Viegas Guerreiro (1983), estudioso da literatura popular portuguesa, em parte corrobora com a periodização proposta por Teófilo Braga ao anunciar a divulgação da literatura popular em Portugal, sob a forma de folhetos de cordel, desde o período quinhentista.

Na fase de formação da literatura de cordel portuguesa, no século XVI, as narrativas dos folhetos eram traduções adaptadas ao gosto do público português. Muitas dessas narrativas advindas do teatro – denominado de teatro de cordel – e outras eram adaptações de histórias da tradição oral, tais como contos, provérbios, lendas, histórias de cavalaria, histórias de carochinha. Não podemos desconsiderar que, como bem alerta Teófilo Braga (1881), nesse período os autores da literatura de cordel a alcançar maior sucesso foram exatamente aqueles que, com maior afinco e sensibilidade, foram capazes de colocar em seus textos esse manancial proveniente da temática das histórias da tradição popular, transmitidas oralmente, no cotidiano vivido pela população. De acordo com Alberto Figueira Gomes,

“O povo continuaria fiel a gostos e hábitos fortemente enraizados no seu quotidiano. E esta é uma das razões da existência dos sucessores e da proliferação de autos e de folhetos que eram mercadoria de fácil comércio nas ruas da cidade, nas festividades litúrgicas, nas feiras e onde quer que o povo se reunisse (...).” (GOMES,1985, p.11)

Ao interpretar a citação de Gomes (1985), percebo que a grande aceitação dos folhetos de cordel por parte do público português do século XVI se deu pelo fato de seus textos estarem ligados à experiência do ouvinte vivida no cotidiano: quer pela linguagem, quer pela temática. De acordo com Walter Benjamin (1994, p.197-221), o hábito de ouvir e contar histórias nasce da faculdade de “intercambiar experiências”

cotidianamente construídas. Essas experiências comuns aos indivíduos de um mesmo grupo social quando agenciadas no enredo da narrativa fazem com que narrador e ouvinte compartilhem suas experiências cotidianas, seus sonhos, suas memórias, suas alegrias, suas tristezas, em fim seu modo de ver e viver o mundo. Penso que foi essa possibilidade de compartilhamento da experiência da vida que propiciou a ampla proliferação dos folhetos de cordel em Portugal.

Os folhetos de cordel do período de formação da literatura de cordel portuguesa que ultrapassaram muitas gerações e chegaram ao presente em maior quantidade são aqueles do Teatro de Cordel106. José Oliveira Barata enfatiza que “Uma História do Teatro Português terá, que indicar o valor decisivo da literatura de cordel que, desde o século XVI circulava difundindo loas, passos, entremezes, saborosas sátiras e autos (...).”107, ou seja, desde a fase inicial da expansão da imprensa em Portugal, as peças de teatro, circularam intensamente sob o formato de folheto de cordel. Entre essas pequenas peças do teatro de codel aquelas que circularam com mais intensidade sob o formato de folhetos foram os entremezes.

O corpus pesquisado indicou que Gil Vicente, que provavelmente nasceu em 1470 e morreu em 1536108, foi um dos autores de peças de teatro que, em número significativo, teve suas obras reescritas para impressão em forma de folhetos de cordel. Muitas das obras do referido autor, mesmo criadas com destino a um auditório aristocrata, caíram no gosto popular. Teófilo Braga (1995, p.35) apresenta como explicação para o sucesso dos textos de Gil Vicente o fato de que ele “é o escritor aonde a vida portuguesa se encontra mais intimamente retratada”, ou seja, a aproximação dos seus personagens com o modo de ser, de pensar e agir dos portugueses. Na esteira de

106 O que é teatro de cordel? É “teatro de feira”, pode ser situado entre a ““comédia dell’arte” e os

Enfantes Du Paradis de Marcel Carné” (CINTRA&MELO, 1973, p.11). São textos que escritos originalmente para serem encenados e que posteriormente foram reescritos, impressos por diferentes editores para serem impressos sob a forma de folhetos, alguns dos quais várias vezes reimpressos. Os tipos de teatro de cordel mais comuns foram os Entremezes, as Farsas e os Autos. Segundo Albino Forjaz de Sampaio, a designação teatro de cordel nasceu do fato dos cegos os venderem sob a forma de folhetos pendurados num barbante.

107 BARATA, José de Oliveira. História do Teatro Português. Lisboa; Universidade Aberta, 1991. p.52. 108 Estas datas fornecidas por Innocencio Francisco da Silva em seu Diccionario bibliographico

portuguez, onde o autor expõe as dificuldades de rastrear dados referentes à biografia de Gil Vicente. Antonio José Saraiva e Óscar Lopes atribuem como provável data de nascimento de Gil Vicente o ano de 1565. Ver: SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario bibliographico portuguez. Tomo terceiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859. p.p. 143-147, eSARAIVA, Antonio José e LOPES, Óscar. História da

Agnes Heller (2004, p.18), entendo que o “homem nasce já inserido em sua cotidianidade”, o que propicia identificação do público com algo que já lhe é familiar, que faz parte da sua rotina vivida no presente, do seu passado e do seu futuro.

A despeito da incontestável aceitação por parte do público, a censura perseguiu com afinco as obras de Gil Vicente. Tal rigor certamente se deve à percepção por parte do “Santo Oficio” de que “n’ellas aparecia maltractada a cada passo a gente do clero, mórmente os frades, classe à qual o autor parece ter consagrado uma antipatia invencível”109. Mesmo diante dessa inexorável perseguição, alguns de seus autos circularam em folhetos e continuaram nos palcos dos teatros, chegando inclusive ao Brasil, mesmo que mutilados ou pela ação da censuram ou por correções realizadas por seu filho, Luis Vicente, ao proceder à compilação de sua obra. Entre os autos de Gil Vicente que circularam sob a forma de folhetos de cordel encontram-se Auto de Amadis de Gaula, Auto de D. Duardos, Auto do Juiz da Beira, Farsa de Inês Pereira, Auto da Feira, Auto dos mistérios da Virgem ou Mofina Mendes, Auto da Sibila Cassandra, Monólogo do Vaqueiro, Quem tem farelos, Pranto de Maria Parda, Diálogo dos Judeus, Auto da Barca do Inferno, Auto da Lusitânia.110

Os discípulos de Gil Vicente constituiram um grupo onde estavam aglutinados autores, tais como: Afonso Álvares, Antônio Prestes, Antonio Ribeiro Chiado, Simão Machado, Jerônimo Ribeiro, Frei Antonio de Lisboa, Jorge Pinto, Anrique Lopes, João Escobar, Sebastião Pires, Francisco Vaz, Fernão Mendes, Camões e Baltasar Dias. Entre os “fazedores de autos” que tiveram por mestre Gil Vicente, Baltasar Dias é aquele que mais se destacou na literatura de cordel. De acordo com Alberto Figueira Gomes (1985, p.13) tal sucesso se deu em função de que foi Baltasar Dias o autor que “o povo mais amou, porque é aquele que sabe exprimir numa linguagem mais emotiva, embora muito simples, e com temas que despertavam então o entusiasmo e a pronta adesão das multidões.” Parece que Baltazar Dias, cego da Ilha da Madeira, tinha prestígio também junto ao Rei, pois em 1537, D. João III (1521-1557) concedeu-lhe Carta privilégio para a impressão de seus livros111, onde

109 Ver: SILVA, op. cit. p. 145.

110 Ver: SILVA, op. cit. E ver também em SARAIVA, Antonio José e LOPES, op. cit.

111 Transcrição a partir de manuscrito existente na Torre do Tombo, livro 23, folha 17. VER em

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