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CAPÍTULO 2 – POR ENTRE AS HISTÓRIAS: VOZES E SILÊNCIOS

2.2 CAMINHOS TRILHADOS

É difícil delimitar exatamente quando começa e quando termina um projeto. Para além da obsessão acadêmica por prazos, quando há envolvimento do pesquisador, o projeto nos acompanha por toda a vida. Afinal, não há interação sem aprendizado. Cada pesquisador tem suas motivações. Certamente a minha motivação foi uma grande paixão...uma paixão por escutar e contar histórias.

Fui pela primeira vez ao PEMSE no início de março/2011. Apresentei o projeto para a coordenadora do Programa, Adriane, que me recebeu de braços

abertos e foi sem dúvida quem abriu todas as portas para que essa idéia se concretizasse. Em 29 de março foi marcada minha primeira reunião com as meninas do PEMSE, para apresentar o projeto e ver quem gostaria de participar. Das 76 meninas convidadas, apenas cinco apareceram, e esse dado é muito significativo (como pretendo discutir mais à frente). As cinco meninas que compareceram se interessaram e quiseram participar. Uma delas, por dificuldades de freqüentar a instituição, não pôde continuar. Ficaram então quatro meninas. Logo depois, surgiram mais duas meninas interessadas em participar, que não puderam estar presentes na primeira reunião. Ficaram assim seis meninas. As entrevistas aconteceram individualmente, no próprio PEMSE, nos meses de abril e maio, às terças-feiras pela tarde.

Procurou-se conduzir as entrevistas de maneira bastante livre. Trabalhar com histórias de vida exige bastante flexibilidade. As entrevistas foram pensadas de maneira a abordar experiências do passado, relações no presente e perspectivas para o futuro. Mas com cada uma das meninas o diálogo aconteceu de um jeito peculiar, a partir das respostas oferecidas e da liberdade que cada uma das entrevistadas sentiu e proporcionou. Desde o início procurei deixar claro que responder às perguntas não era uma obrigatoriedade, mas uma escolha, sempre dizendo “você não tem que me responder o que não quiser. É só me dizer não quero

falar sobre isso”. Também procurei deixar visível que minha intenção não era julgá-

las, mas simplesmente ouvir suas histórias. Preferi não ter acesso aos processos e fichas das entrevistadas, pois minha intenção nunca foi avaliar se elas falavam ou não a verdade. Minha intenção era mergulhar na subjetividade das jovens, e por alguns instantes, “tomar seus olhos”5 e olhar o mundo de outra perspectiva. Tento aqui, neste trabalho, colocar em palavras o que pude aprender e apreender deste mergulho.

De maneira geral, as entrevistas foram tranqüilas. Algumas meninas se mostraram mais tímidas, outras se soltaram mais. Procurei estabelecer as perguntas de modo a não induzir as respostas. Por exemplo, ao invés de perguntar “Você gosta da escola?”, eu dizia “Me conte um pouco sobre a escola”. Acho que essa estrutura permitiu a construção de uma relação de respeito e proximidade entre

5 “Um encontro entre dois: olho no olho, cara a cara. E quando estiveres próximo, tomarei teus olhos e os colocarei no lugar dos meus, e tu tomarás meus olhos e os colocarás no lugar dos teus. Então, eu te olharei com teus olhos e tu me olharás com os meus” (J. L. Moreno).

pesquisador e sujeitos de pesquisa. Recriar essas histórias exigiu um grande cuidado ético, para não expor nem prejudicar as participantes da pesquisa. Talvez este tenha sido o maior desafio...

2.2.1 Alguns dilemas de pesquisa

A pesquisa com histórias de vida exige muito cuidado ético. Este foi um dos dilemas que enfrentamos no processo de transcrição das entrevistas. Optamos por retirar de algumas histórias acontecimentos que poderiam comprometer ou prejudicar as entrevistadas. Ainda que protegidas pelos nomes fictícios, fizemos esta escolha. Esta pesquisa tem várias metas: humanizar a discussão sobre criminalidade juvenil a partir da valorização das histórias de vida, colocar em debate o sistema de socioeducação no país, contribuir para a formulação de políticas públicas para juventude, entre outros. Porém, acreditamos que nenhuma meta será atingida se não houver, em primeiro lugar, respeito e preocupação com a integridade das participantes da pesquisa.

Outro dilema vivenciado no processo de pesquisa diz respeito à história oral. Não se trata exatamente de um dilema, mas mais de um processo (que considero natural) de encantamento, desencanto e, por fim, uma redescoberta das potencialidades desta metodologia. O contato inicial com a história oral me fez acreditar que tudo seria possível através de seus aportes. O aprofundamento da discussão foi pouco a pouco trazendo vários questionamentos para a pesquisa (Em

que medida se trata realmente de ‘uma outra história’? ; Como utilizá-la sem

reproduzir as relações de dominação denunciadas por Spivak? ; Como a história oral pode, de fato, contribuir para mudar realidades?). Essas e outras questões produziram uma espécie de desencanto. Esse desencanto foi seguido de uma reelaboração, ressignificação da história oral, uma espécie de reencantamento menos inocente.

Reconhecemos a história oral como uma metodologia de pesquisa plural (como tentamos expor no primeiro capítulo), podendo ter potencial transformador e humanizador, assim como outras metodologias, dependendo de como se conduz a pesquisa. Acreditamos que conhecer as histórias é uma forma de respeitá-las, e através do respeito ao outro é que se operam mudanças na realidade histórico- social.

2.2.2 História e Literatura: diálogos

Optamos por tirar os nomes fictícios da Literatura, porque a Literatura nos lança sobre novos mundos, nos lança para dentro da subjetividade dos personagens, tal como a história oral. A Literatura questiona os limites entre ficção e realidade e assim nos permite construir um novo modo de olhar para o outro e para si. Buscamos personagens femininas da literatura infanto-juvenil que de alguma forma expressassem esse mergulho interior, essa maravilhosa viagem de descoberta. Concordamos com Llosa (2009, s/p) ao dizer:

A literatura, ao contrário, diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias em que se encontram e as conjunturas históricas que lhes determinam o horizonte. Nós, leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além do amplo leque de diferenças que nos separam. E nada defende melhor os seres vivos contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes, e a injustiça representada pelo estabelecimento entre eles de formas de discriminação, sujeição ou exploração.

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