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Campanha contra a fome

No documento Um abraço, Betinho (páginas 173-200)

Campanha contra a fome

“A fome é exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer, é porque tudo o mais já lhe foi negado.”

Entre todas as campanhas em que Betinho se envolveu, a da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida foi aquela que alcançou maior repercussão nos meios de comunicação e a que maior participação obteve dos brasileiros. Um dos mais importantes movimentos sociais do país na década de 1990, a Ação da Cidadania foi lançada oficialmente em março de 1993, tendo por objetivo tratar a fome como problema emergencial e responsabilizar toda a sociedade pela sua solução. Betinho foi o principal nome da campanha e teve sua imagem profundamente vinculada a ela, a ponto de muitos brasileiros a identificarem como a “Campanha do Betinho”.

Na verdade, a preocupação de Betinho com a fome vinha de longa data. Em meados da década de 1970, ainda no exílio, foi consultor da Food and Agriculture Organization (FAO), órgão da ONU. Em 1981, já no Brasil, voltou a trabalhar como consultor da FAO, acompanhando projetos agrários e sobre migrações na América Latina. Em setembro de 1983, representando o Ibase, participou, em Roma, da Segunda Consulta Internacional da Campanha Mundial contra a Fome/Ação pelo Desenvolvimento, promovida pela FAO. Em dezembro de 1986, foi um dos signatários da proposta de organização do Encontro Brasileiro pelo Direito à Alimentação, previsto para abril de 1988.

Anos mais tarde, de fato, a questão da fome iria ganhar espaço prioritário na agenda de Betinho. Depois de ter participado ativamente, em meados de 1992, da organização do Movimento pela Ética na Política (MEP) – agrupamento de entidades da sociedade civil cuja atuação foi decisiva na

mobilização popular que culminou com o impeachment do presidente Fernando Collor –, no início de 1993 Betinho envolveu-se no debate, então iniciado, sobre como manter a sociedade brasileira mobilizada em torno de causas éticas. Dessa discussão, que reuniu representantes de diversas instituições que integravam o MEP, surgiu a idéia de promover uma campanha para combater a fome e a miséria no país.

Nascia, assim, no dia 8 de março, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, cuja principal motivação era a crença em que democracia e miséria eram incompatíveis. Na ocasião, foi divulgada a “Carta da Ação da Cidadania”, redigida por Betinho e outros ativistas. O texto era uma contundente chamada à consciência de todos: “Não se pode viver em paz em situação de guerra. Não se pode comer tranqüilo em meio à fome generalizada. Não se pode ser feliz num país em que milhões se batem no desespero do desemprego, da falta de condições mais elementares de saúde, educação, habitação e saneamento. (...) A insanidade de um país que marginalizou a maioria deve terminar agora”.

Pouco tempo depois do surgimento da Ação da Cidadania, o presidente da República Itamar Franco propôs um plano de erradicação da fome, afirmando ser essa uma questão prioritária em seu governo. Como desdobramento dessa iniciativa, foi criado, em abril, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Reunindo governo e sociedade civil, o conselho era presidido por D. Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias (RJ), e integrado por oito ministros de Estado e 21 representantes da sociedade civil, 19 dos quais indicados pelo MEP, incluindo o próprio Betinho. De caráter consultivo, deveria propor soluções e pressionar agências governamentais e não governamentais com vistas ao combate à situação de subnutrição de parcela da sociedade.

Tanto a Ação da Cidadania quanto o Consea tinham como referência para suas ações o Mapa da Fome, documento elaborado por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado em 18 de março de 1993, segundo o qual o Brasil possuía cerca de 32 milhões de miseráveis. Com base nesses dados, a Ação da Cidadania declarou 1993 o ano da solidariedade, sob o lema “dar comida a quem tem fome”. Membro do Consea e da Ação da Cidadania, Betinho reconhecia os pontos em comum entre as duas iniciativas, mas destacava as diferenças: “Os dois nascem do mesmo impulso ético e político, mas têm cursos diferentes. (...) O primeiro vai depender da capacidade do governo em transformar em prioridade absoluta o combate à miséria. (...) A segunda proposta (...) vai depender da ação da sociedade civil, [da] sua capacidade, iniciativa, [da] força de suas idéias, projetos e valores, [da] força de sua ética e de sua energia política”.1

A Ação da Cidadania pautava-se por três princípios: parceria, iniciativa e descentralização. De forma simples, Betinho assim os caracterizava: “Parceria porque propõe juntar quem quer dar com quem precisa receber. Iniciativa porque não apresenta respostas, mas coloca questões e cobra soluções. Descentralização porque não estabelece um modelo hierárquico, mas sim estimula ações sem impor uma coordenação, (...) ações que respeitem diversidades locais”.2 O compromisso com o princípio da descentralização fez Betinho recusar, desde o início, o título de coordenador oficial do movimento.

As propostas da Ação da Cidadania tornavam-se realidade por meio de comitês que reuniam pessoas por atividade profissional, local de trabalho, de moradia, ou pertencimento a escola, clube, igreja etc. Com o tempo, também foram sendo organizados comitês no exterior, por brasileiros residentes em países como Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália, França, Chile e Suíça. A publicação Cartilha para ajudar a formar

comitês, cujos primeiros 200 mil exemplares foram editados pela

Confederação Nacional das Indústrias (CNI), foi muito útil para a disseminação de comitês. Além de sugerir o mapeamento prévio da situação de pobreza e miséria dos locais onde seriam instalados, a cartilha enfatizava que a fundação de um comitê não exigia autorização ou qualquer outro trâmite burocrático, dependendo, apenas, da iniciativa de um cidadão. Em pouco tempo, proliferaram pelas diversas regiões do país comitês onde eram reunidos alimentos não-perecíveis, distribuídos cestas básicas, “sopões” e medicamentos, e onde aconteciam cursos de alfabetização. No final de abril de 1993, os três primeiros comitês estaduais haviam sido inaugurados, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco.

Desde o começo, Betinho foi advertido, sobretudo por antigos companheiros de militância política, sobre os riscos do assistencialismo. Mais de uma vez, ele rebateu essas críticas. Não tinha dúvidas de que a campanha da fome não resolveria os problemas estruturais da sociedade. De seu ponto de vista, era crucial articular as dimensões emergencial e estrutural, levando-se necessariamente em conta que “atuar no emergencial sem considerar o estrutural é contribuir para perpetuar a miséria. Propor o estrutural sem atuar no emergencial é praticar o cinismo de curto prazo em nome da filantropia de longo prazo”.3

Em maio de 1993, a Ação da Cidadania ganhou um reforço de peso. Representantes de diversas empresas estatais – entre as quais a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, a Petrobras e Furnas – juntamente com Betinho e o físico Luiz Pinguelli Rosa fundaram, no Rio, o Comitê das Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida (Coep). Devido à capilaridade das entidades que o constituíam, o Comitê das Estatais, como

ficou mais conhecido, contribuiu decisivamente para que a Ação da Cidadania pudesse estar presente em praticamente todo o território brasileiro. As iniciativas do Coep articulavam a dimensão emergencial, voltada para a coleta e distribuição de alimentos, e a dimensão estrutural, utilizando a experiência técnica das empresas participantes e de seus empregados para estabelecer parcerias entre elas, os órgãos estaduais e municipais, e as organizações comunitárias e do setor privado. Centenas de comitês da Ação da Cidadania foram estruturados a partir da iniciativa de empresas públicas.

Em junho, uma campanha publicitária foi lançada em todas as redes de televisão do país, conclamando a população a aderir à luta contra a miséria e tendo como chamada o slogan “Fome, não dá para esquecer”. A iniciativa coube ao Comitê Idéias, criado por publicitários que, atendendo a um apelo de Betinho, passaram a dedicar parte de seu tempo à criação de

spots para rádio, cartazes, vídeos. O logotipo da Ação da Cidadania – o

prato vazio – em pouco tempo ficou bastante conhecido. Além disso, a Ação da Cidadania contava, desde abril, com o jornal Primeira e Última – editado desde setembro de 1992 pelo Ibase, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto de Estudos da Religião (Iser) e Instituto de Ação Cultural (Idac) – que se tornou a publicação oficial do movimento e seu principal veículo de comunicação interna.

A Ação da Cidadania valeu-se ainda, desde o início, de uma maciça participação de artistas, envolvidos não apenas nas campanhas publicitárias, mas também em um grande número de manifestações e eventos de natureza cultural ou esportiva. Um exemplo interessante foi o “Fome de bola”, jogos de futebol disputados entre times de artistas e de ex-jogadores, nos quais o ingresso cobrado era um quilo de alimentos não-perecíveis.

A Semana da Arte Contra a Fome foi, sem dúvida, o ponto alto das manifestações que envolveram a “classe artística”. Realizada no Rio de Janeiro entre 7 e 14 de setembro de 1993, e idealizada por Betinho, a semana foi dedicada à arrecadação de alimentos e recursos para a campanha por meio da apresentação de esquetes, pequenas peças de balé, leituras de poesias e textos teatrais, apresentações musicais, exibições de vídeos e curtas-metragens. O evento foi aberto com o “Jejum pela vida”, realizado durante 12 horas por religiosos de diversas confissões, no Parque Lage, como forma de lembrar o flagelo de todos aqueles que passavam fome. O encerramento da semana ocorreu com o espetáculo “Cidadão!”, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Composto por diversas

performances, o espetáculo reuniu cerca de 300 artistas e até o próprio

a assinatura de um “contrato de cidadania”, mediante o qual as pessoas se comprometiam a contribuir por um ano com uma instituição beneficente. A proximidade do final do ano levou Betinho a promover aquela que viria a se tornar marca registrada da Ação da Cidadania: a campanha do Natal sem Fome. Afirmando que a melhor ocasião para despertar o espírito da solidariedade era o Natal, Betinho conclamou as pessoas a participarem da organização de um Natal diferente, no qual ninguém passasse fome, e que garantisse a cada criança pelo menos um brinquedo, “pois criança tem fome de brinquedo”. A campanha, de âmbito nacional, contou com a participação dos comitês estaduais, encarregados de organizar a arrecadação de cestas básicas e, mais uma vez, com a adesão de artistas e cantores da MPB, em shows que se multiplicaram por diversas capitais do país. No Rio, o encerramento do Natal sem Fome teve lugar na Cinelândia, no centro da cidade, onde os comitês montaram uma grande mesa e distribuíram pão e vinho para cerca de mil pessoas.

O sucesso da Ação da Cidadania nos seus primeiros meses de existência era inegável. Sua grande repercussão foi amplamente confirmada por pesquisa do Ibope, realizada durante a segunda metade de dezembro de 1993, quando foram entrevistadas 2.000 pessoas maiores de 16 anos em várias cidades brasileiras. A pergunta-chave era muito objetiva: “O (a) Sr(a) conhece ou ouviu falar alguma coisa sobre a campanha nacional contra a fome e pela vida, coordenada pelo sociólogo Betinho?”. Os resultados, divulgados em meados de janeiro de 1994, impressionaram: 93% dos entrevistados consideraram a campanha necessária, 68% já tinham ouvido falar dela, 32% dela participaram ou para ela contribuíram de algum modo e 11% o fizeram enquanto membro de algum comitê. Em todo o Brasil, estimava-se existir, ao final de 1993, cerca de três mil comitês, distribuídos por 22 dos 27 estados da federação, concentrados nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco.

Embora Betinho já tivesse se referido ao combate ao desemprego anteriormente, em entrevistas e artigos, foi só a partir do início de 1994 que a associação entre fome e miséria, de um lado, e geração de emprego e renda, de outro, foi efetivamente desenhada. Com isso, a Ação da Cidadania, sem retirar de cena a bandeira desfraldada em 1993, procurava ir além, promovendo uma mobilização em prol do trabalho, a sua frente prioritária de luta para o ano de 1994. Em artigo publicado na edição da primeira quinzena de fevereiro do Primeira e Última, Betinho fazia uma nova chamada: “Há um ano, a sociedade disse basta de fome, de miséria. Hoje, (...) é a hora de dar um basta na indignidade de ver milhões de brasileiros sem trabalho, sem ocupação, sem renda que garanta o sustento de suas famílias. (...) Todos devem responder à questão de como garantir o

direito ao trabalho”.

Em março, com a divulgação do Mapa do Mercado de Trabalho no Brasil, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Ação da Cidadania passou a dispor de informações mais precisas sobre a situação do emprego no país. No total, eram cerca de 20 milhões de pessoas desempregadas, que trabalhavam sem receber ou que recebiam menos de um salário mínimo por mês. Para fazer frente a essa situação dramática, comitês se mobilizaram para montar padarias comunitárias, oficinas de costura e reciclagem de papel e criar cooperativas de serviços e outras alternativas capazes de gerar renda nas comunidades mais pobres. As empresas estatais, por sua vez, desenvolveram ações correlatas, tais como a cessão de sementes para plantio e de equipamentos agrícolas, a abertura de linhas de crédito, o estímulo à organização de pequenas e microempresas associativas e cooperativas, a qualificação de população carente e de mão-de-obra no campo, e o aproveitamento alimentar artesanal.

O tema do emprego trouxe para a Ação da Cidadania atores sociais até então ausentes da mobilização, como o Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae), prefeituras de cidades médias que implementaram ações concretas de geração de emprego, e sindicatos. Ao mesmo tempo, os comitês conquistaram um maior grau de organização, elemento importante para conceber e desenvolver projetos de geração de emprego. Em dezembro de 1994, foi criado o Fórum Nacional da Ação da Cidadania, com o objetivo de debater os rumos do movimento a cada dois meses, sem, no entanto, deixar de respeitar o caráter descentralizado da campanha.

A sucessão do presidente Itamar Franco dominou a cena política brasileira a partir de meados de 1994. Fortalecido pelo lançamento do bem-sucedido Plano Real, conjunto de medidas voltadas para o controle da inflação, o governo colocou em plano secundário o combate à fome, anunciado, inicialmente, como uma questão prioritária. De qualquer modo, todos os candidatos à presidência da República escolheram a geração de emprego como prioridade de governo, o que pode ser visto como um reconhecimento da importância do tema central da campanha da Ação da Cidadania para aquele ano.

Em setembro de 1994, a mídia foi chamada a colaborar no esforço de organização da segunda edição do Natal sem Fome. Nessa ocasião, o Comitê Idéias criou o primeiro filme publicitário protagonizado por Betinho. No artigo “Democracia na cesta de Natal”, ele manifestou sua vontade de “poder entregar (...) a cada um destes cidadãos [de quem] o

que contivesse, “ao invés do feijão, emprego; ao invés do arroz, saúde; ao invés de farinha, terra; ao invés de açúcar, justiça; ao invés de fubá, educação.”4

Neste ano, a mobilização nacional para arrecadação de alimentos foi sem dúvida maior do que em 1993. Mais de mil toneladas de alimentos foram reunidas nas sete capitais onde a campanha foi feita – Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, Vitória, Belém e Brasília. Essa ação nacional de larga escala só foi possível devido ao grande envolvimento da mídia e à articulação entre diferentes parceiros: todas as campanhas estaduais do Natal sem Fome envolveram pelo menos um jornal de grande circulação, uma rede de supermercados e uma emissora de TV. No Rio, foi possível unir os três jornais de maior circulação – Jornal

do Brasil, O Globo e O Dia – todos os supermercados e praticamente todas

as emissoras de TV.

Na posse de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República, em 1o de janeiro de 1995, Betinho entregou-lhe a “Carta da Terra”, documento em que denunciava a concentração de terras no Brasil e procurava comprometer o novo governo com a solução do problema. Naquele ano, “Democracia na Terra” foi o lema da campanha da Ação da Cidadania, bandeira levantada por Betinho desde a organização da Campanha Nacional pela Reforma Agrária, na década anterior. “Democracia na terra é um novo tema, e, ao mesmo tempo, uma velha história, uma antiga questão, um grande impasse. (...) Terra no Brasil é muito mais morte que vida, mais privilégio que oportunidade, mais violência que paz”, dizia Betinho.5

O tema da democratização do acesso à terra, a exemplo do que já havia acontecido em 1994 com o tema da geração de emprego, não conseguiu exercer uma ação tão mobilizadora nos corações e mentes dos brasileiros quanto aquela desencadeada pelo tema do combate à fome. Os comitês sentiram dificuldade em desenvolver ações locais tendo o acesso à terra, questão de inegável relevância, como objetivo a ser alcançado.

O entendimento do limitado impacto na sociedade causado pela “Democracia na Terra” não pode deixar de lado, também, a nova realidade político-institucional do país. Ao assumir a presidência, Fernando Henrique Cardoso retomara, em novas bases, o processo de reorganização do Estado iniciado no governo Collor. Para o novo presidente, era imprescindível a realização de “reformas estruturais”, como o “enxugamento” da máquina pública, a quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações e a volta à privatização das empresas estatais. Em fevereiro de 1995, Fernando Henrique extinguiu o Consea, substituindo-o pelo programa Comunidade

Solidária, que incorporou alguns nomes da equipe anterior em seu conselho, entre os quais o próprio Betinho. No entanto, se a relação entre a Ação da Cidadania e o Consea fora pautada pela parceria, com o Comunidade Solidária a situação mudou significativamente.

Betinho, mesmo participando do novo programa, fazia críticas constantes ao governo Fernando Henrique. Para ele, a política econômica então adotada havia afetado diretamente as iniciativas mais expressivas no combate à fome e à miséria. Nesse sentido, o programa Comunidade Solidária seria inócuo porque a política social não era prioridade para o governo: o Plano Real estabilizava a economia e a miséria também. Enquanto a Ação da Cidadania avançava nas demandas por mudanças na estrutura econômica como solução para a crise social brasileira, o g o v e r n o c o n d u z i a u m a p o l í t i c a e s s e n c i a l m e n t e d i r e c i o n a d a à estabilização econômica. Por sua vez, a abertura ao capital estrangeiro e a quebra de monopólios enfraqueceram as empresas estatais, o que representou uma redução progressiva da participação do Coep no interior do movimento. Essa avaliação fez com que Betinho se afastasse do Comunidade Solidária em 1966.

No final de 1995, a Ação da Cidadania entrou em uma fase de refluxo, cuja manifestação mais evidente foi perda de visibilidade na mídia. Iniciativas importantes deixaram de receber cobertura adequada dos meios de comunicação. Em dezembro, por exemplo, a pesquisa “Ação da Cidadania – Mapeando a Solidariedade” fez um levantamento preliminar de quase cinco mil experiências concretas. Os dados foram divulgados em uma reunião pública, mas a repercussão ficou bem abaixo do esperado – e do desejado. Algumas campanhas bem sucedidas – como o Natal sem Fome – continuaram sendo realizadas em alguns estados, sobretudo no Rio de Janeiro, conquistando razoável espaço na imprensa local, mas sem conseguir maior projeção nacional.

Como resposta a esse refluxo, a Ação da Cidadania procurou mobilizar setores da sociedade que ainda não haviam sido incorporados em campanhas específicas, como a juventude e a terceira idade. Mesmo assim, paulatinamente, muitos comitês foram fechados e os fóruns nacionais deixaram de ser realizados por falta de verbas. Embora sem a visibilidade dos anos de 1993 e 1994, o movimento manteve algumas de suas atividades e, uma década depois do lançamento da campanha, cerca de dois mil comitês continuavam em funcionamento em todo o país.

A Ação da Cidadania pode ser considerada um marco na atuação das organizações não-governamentais no Brasil. Seu sucesso impulsionou a criação de inúmeras ONGs, que passaram cada vez mais a fazer parte

do cotidiano político e social do país. A idéia de cidadania como um processo, construído a partir da cooperação de cada um para a melhoria da sociedade se impôs sobre a noção formal de cidadania, restrita à

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