• Nenhum resultado encontrado

Após as conquistas alcançadas nos anos 70 pela S.E.R. Caxias, o título de campeão estadual do ano 2000, com certeza, aparece como uma das mais relevantes vitórias, tanto no âmbito futebolístico quanto no de reafirmação da identidade ítalo-brasileira.

Mais que uma vitória esportiva, o campeonato gaúcho de 2000 representou a reafirmação dos descendentes de imigrantes frente ao estado. A elevação do nome da cidade em âmbito estadual e nacional emerge como fator positivo e que remete

às raízes da identidade étnica ítalo-brasileira. Alguns elementos típicos desse grupo étnico sobressaem-se como corroboração ao fato, como na foto abaixo:

Ilustração 12: Foto referente ao embate realizado no Estádio Olímpico entre Grêmio F.B.P.A. x

S.E.R. Caxias, no qual este último sagrou-se campeão do campeonato gaúcho de 2000. Fonte: O Pioneiro, 22 jun. 2000, contracapa.

Na foto, observa-se a referência direta aos ítalo-brasileiros. Ao grifar “Caxias” e “Polenta”, alimento típico da mesa ítalo-brasileira, o torcedor remete aos costumes daquele grupo étnico. A necessidade de demonstrar a ligação daquele time vitorioso às tradições da italianidade brasileira, mesmo que subjetivamente, é percebida nesse episódio.

O decorrer da referida competição coloca algumas questões interessantes. Uma delas é a grande rivalidade entre as equipes futebolísticas de Caxias do Sul e da capital Porto Alegre. Mesmo sendo o Brasil um país unificado, vemos que o foco de valorização, tanto cultural quanto econômico, está voltado principalmente às capitais. Nesse sentido, pode ser que a afirmação do grupo étnico em questão se veja prejudicada.

Mais uma vez, os jornais apontam a união dos caxienses a favor do time grená demonstrando, no universo simbólico do futebol, que a disputa se daria não somente entre as equipes, mas também como um confronto de identidades. A imagem abaixo confirma tal hipótese:

Ilustração 13: Fonte: O Pioneiro, 17, 18 jun. 2000, capa.

Fazendo-se um levantamento das finais de campeonato gaúcho das últimas décadas, fica claro que as únicas equipes que conseguiram conquistar um título de campeão gaúcho, além da dupla Gre-Nal, foram a S.E.R. Caxias e o E.C. Juventude. Esse embate futebolístico, subjetivamente, revela um confronto de identidades.

A alvorada gaúcha já não é mais a mesma. Depois de, durante cerca de 60 anos, o Rio Grande do Sul ser colorido com o vermelho e o azul, chegou a vez do Caxias mostrar a sua cara. Em todos estes anos, a não ser pelo também inédito título do Juventude em 1998, a dupla Gre-Nal foi soberana. Agora, mais uma vez, o Interior, muitas vezes tachado de violento, sem categoria, venceu [...]. (O PIONEIRO, 22 jun. 2000, p. 02)

Na reportagem acima, é visível a referência à rivalidade com a dupla Gre-Nal. Também aparece, claramente, a alusão à importância dessa vitória para a cidade, remetendo à soberania de Caxias do Sul no futebol do interior gaúcho. A vitória do campeonato representa a menção não só a um futebol categórico, mas também a um enaltecimento da cidade em relação ao Rio Grande do Sul e uma suposta igualdade de importância frente à capital Porto Alegre44.

3. 2009: derrota nos campos, vitória identitária

Diferentemente do ano 2000, o campeonato gaúcho de 2009 não encerrou positivamente para a S.E.R. Caxias no âmbito futebolístico. A tentativa de ir à final foi disputada contra o S.C. Internacional e o jogo foi marcado pela humilhação a que os colorados impuseram a S.E.R. Caxias. O primeiro tempo foi encerrado com o placar de 7x0 sobre a equipe caxiense. Na segunda etapa do jogo, o S.C. Internacional segurou-se para não ampliar a contagem do placar, que terminou em 8x1 para o time da capital. Em consequência da derrota, o jornal O Pioneiro publicou matéria dando uma ênfase negativa frente ao acontecido e ressaltou a igualdade da S.E.R. Caxias ao rival E. C. Juventude: “A dupla Ca-Ju se iguala no vexame. Agora ninguém pode cornetear ninguém. O que nem de consolo serve para lado algum. De oito em oito, que rima com biscoito, o futebol caxiense vira migalhas”. (O PIONEIRO, 20 abr. 2009, p. 14)

A derrota, o apelo e a comparação ao E. C. Juventude, que no ano anterior havia perdido para o mesmo adversário e com o placar idêntico, incitaram uma união dos caxienses frente à rivalidade com os times da capital.

44

Antes da conquista do E.C. Juventude (1998), as duas últimas equipes a vencer o campeonato gaúcho, além da dupla Gre-Nal, foram: o Renner de Porto Alegre em 1954 e o Riograndense de Rio Grande em 1939. Ver mais em: Revista da Federação Gaúcha de Futebol: Os Melhores Momentos, Edição Comemorativa aos 76 anos – 1918/1994. Porto Alegre, 1994.

Apesar da derrota nos campos, o campeonato gaúcho de 2009 representou um período de auto-afirmação dos ítalo-brasileiros perante o estado. A moral, um dos principais valores difundidos por tal grupo étnico, foi ressaltada na ocasião. Por ter efetivado um acordo de cavalheiros com a presidência do S.C. Internacional, o presidente da S.E.R. Caxias, Osvaldo Voges, abre mão da utilização de dois jogadores importantíssimos até então: o goleiro Daniel e o lateral esquerdo Muriel. Segundo ele, legalmente, os jogadores poderiam ser utilizados, mas a “palavra” teria que ser maior.

Ao definir esta prioridade, Osvaldo Voges pode ter prejudicado o time caxiense na disputa futebolística, no entanto, sua atitude ressalta frente a todo o estado que em Caxias do Sul a palavra ainda predomina. Esse fato reforça positivamente a identidade étnica ítalo-brasileira, tão remanescente na cidade. O orgulho de ser caxiense, ítalo-brasileiro que carrega consigo valores morais pautados no catolicismo, pode ter se sobreposto à conquista do título.

Aliado a esse reforço identitário, foi possível visualizar nas disputas realizadas no campeonato gaúcho de 2009 uma crescente rivalidade ante os times da capital. Tal rivalidade, alimentada de forma mais intensa a partir dos anos 90, deu origem ao movimento anti dupla Gre-Nal, particular às torcidas caxienses.

Ilustração 14: Foto da torcida organizada da S.E.R. Caxias (Falange Grená) acompanhando jogo do

campeonato gaúcho efetivado na grande Porto Alegre. Fonte: Arquivo Pessoal P. P. C.

Com certeza o campeonato gaúcho de 2009 representou um espaço onde o reforço da identidade étnica ítalo-brasileira repercutiu claramente. Fica nítida a grande rivalidade gerada, principalmente, frente à capital45 do estado. Esses reforços identitários visíveis também dentro da prática futebolística mostram a particularidade que este esporte denotou na construção identitária dos ítalo- brasileiros e na reafirmação positiva constante desse grupo étnico.

Essa prática identitária aparece vinculada a outras medidas aparentes na sociedade caxiense e na serra gaúcha no início do século XXI. O retorno da língua italiana46 às escolas e o apelo constante da mídia aos feitos dos descendentes de imigrantes italianos, essencialmente os caxienses, demonstram a necessidade de elevar a cidade e o referido grupo étnico.

45

Esta rivalidade manifesta-se, essencialmente, frente à capital do Estado devido à grande repercussão positiva, econômica e cultural, que a mesma tem em relação ao Rio Grande do Sul e ao país. Dessa forma, Porto Alegre poderia representar uma suposta ameaça em relação à proeminência da identidade étnica dos ítalo-brasileiros, já que, tanto no âmbito futebolístico como no econômico, a capital do estado se sobressai à Caxias do Sul.

46

Especificamente, o retorno da língua italiana na escola deu-se na cidade de Fagundes Varela, município pertencente à microrregião de Caxias do Sul (IBGE, 2008). Tal medida aparece dentro de uma tentativa, por parte do governo federal, de manter a cultura dos europeus no país (O PIONEIRO, 20, 21, mai. 2000, p. 02).

Ilustração 15: Capa da matéria publicada pelo jornal O Pioneiro de Caxias do Sul, enaltecendo os

descendentes de imigrantes italianos e seu legado frente à sociedade. Fonte: O Pioneiro, 20, 21 mai. 2000, capa.

Percebe-se, na imagem acima, a relação do ítalo-brasileiro com o desenvolvimento e progresso do estado do Rio Grande do Sul. A positividade de pertencer a este grupo étnico e retomar as raízes, como a língua italiana, aparece junto à inserção dos ítalo-brasileiros ao mundo globalizado, numa espécie de “Tradução”, de acordo com Stuart Hall (2006). Neste sentido, o autor escreve:

[...] aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas [grifo do autor] para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. (HALL, 2006, p. 88)

Assim, esses descendentes de imigrantes italianos construíram suas cidades, seus costumes e hábitos a partir dos intercâmbios culturais que eles mesmos fizeram entre o Brasil e a Itália desde que aqui chegaram. O futebol, sendo uma prática popular e mundialmente reconhecida, entra neste jogo de construção de subjetividade e de pertencimento étnico como uma via importante para afirmação e divulgação da identidade étnica ítalo-brasileira. As marcas remanescentes no

campeonato gaúcho 2009 e na S.E.R. Caxias do Sul, especificamente, mostram a particularidade com a qual a prática futebolística se insere no campo das tentativas de coesão identitária dos ítalo-brasileiros.