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2 A CONFORMAÇÃO SOCIOHISTÓRICA DO MUNICÍPIO DE CANINDÉ

4.1 O CAMPO DA AVALIAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E AS VIAS METODOLÓGICAS

A literatura no campo da avaliação de políticas públicas registra um imenso acervo e uma diversidade de conceitos com diferentes critérios, especialmente, quanto ao tipo de abordagem a ser elaborada no âmbito da pesquisa avaliativa. Dentre tantos conceitos e critérios, percebi que não há consenso diante da complexidade apresentada no campo de avaliação de políticas públicas. Cada abordagem a ser realizada, exigirá do avaliador, uma concepção epistemológica de mundo no processo de compreensão de um determinado fenômeno.

Para este estudo, tomo como referência Silva (2013) e Rodrigues (2013), pois acredito que, estas autoras apresentam contribuições relevantes no campo da pesquisa avaliativa e que me propuseram ampliar o entendimento a partir da minha experiência como pesquisadora avaliativa no campo de políticas públicas.

Evidentemente que, as demais abordagens podem ter relevância em âmbito organizacional e gerencial, mas quando se trata de uma pesquisa avaliativa no campo científico se faz necessário especificar não só o posicionamento do avaliador como também a escolha do tipo de avaliação que melhor possibilite responder às questões que delineiam o objeto da pesquisa avaliativa, tais como, a escolha do método, dos procedimentos e das técnicas a serem utilizadas, o que demarca o caráter epistemológico da pesquisa avaliativa.

Silva (2013) aponta que um único procedimento e uma única fonte de informação não são suficientes para realizar uma avaliação, sendo que – dos procedimentos e dos informantes

– em qualquer tipo de avaliação deverá ser condicionada pelo estabelecimento de objetivos e

critérios, a dimensão política, ou seja, o ato de avaliar não é uma atividade neutra; e, o método e os procedimentos que deverão estar condicionados ao objeto e aos objetivos da proposta de avaliação.

Ainda citando Silva (2013) esta afirma que seja necessário ter por base uma metodologia que não se reduza a procedimentos, mas que envolva a concepção teórica da própria avaliação e de seu objeto que contribuirá na produção de novos conhecimentos teórico- metodológicos, com vista a novas práticas de transformação das políticas e à transparência em ações públicas (SILVA, 2013, p. 68).

Acontece que, parte dos procedimentos citados por Silva (2013), são encontrada nos tradicionais modelos positivistas no campo da avaliação. No meu entendimento, as abordagens positivistas – eficiência, eficácia e efetividade – não conseguem dar conta da complexidade dos objetivos perseguidos pelos programas sociais, das transformações ocorridas no processo de intervenção social e, principalmente, por não captarem as relações entre os sujeitos envolvidos.

Já Rodrigues (2013) avança na discussão epistemológica da pesquisa avaliativa. Revela que as diferentes abordagens se agrupam em duas distintas propostas: uma, majoritária, que compreende avaliação como medida e julgamento; outra minoritária, em que se insere a abordagem interpretativa, que privilegia o sentido de compreensão e interpretação dos fenômenos,

pois “eleger uma ou outra concepção, por tanto, faz toda a diferença” (RODRIGUES, 2013, p. 64).

Rodrigues (2013) que corrobora com o pensamento de Lejano (2006), ambos os autores são críticos às abordagens positivistas, propõem uma tipologia de avaliação em políticas

públicas pautada no paradigma hermenêutico que privilegia a interpretação, levando em consideração o contexto, a noção de processo, as abordagens de dentro das situações estudadas.

Enquanto Silva (2013) atenta para métodos e procedimentos de análise que no meu entendimento está fundamentado em abordagens positivista que considera os processos lineares e

– como já mencionei – não dão conta da complexidade dos fenômenos estudados, Rodrigues

(2013) imprime uma concepção de avaliação mais profunda que procura compreende os processos de forma não linear e mais abrangente no campo de avaliação de políticas públicas.

E, esta perspectiva da avaliação em profundidade vem sendo desenvolvida no âmbito do curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (Mapp/UFC), pois

A avaliação em profundidade considera as múltiplas dimensões da experiência e do entendimento, atentando para a complexidade dos fenômenos – seu caráter processual, contextual, dinâmico e flexível –, só apreensível pelo entendimento de sua realização na prática, o que confere à noção de experiência um lugar central (RODRIGUES, 2013, p. 64).

Para fazer essa avaliação em profundidade, eu desenvolvi no campo da avaliação em políticas públicas, uma pesquisa qualitativa, articulando diversos instrumentais de diferentes vias metodológicas, o que culminou em uma dupla convergência metodológica de cunho investigativo e exploratório.

Para a metodologia investigativa, realizei uma pesquisa documental e bibliográfica nos acervos históricos, documentos, atas, relatórios, livros de tombamentos aos quais tive acesso na Paróquia de São Francisco das Chagas e de referências bibliográficas na Biblioteca Pública Cruz Filho do município de Canindé.

Em discussão com a orientadora, fez com que eu percebesse que não bastaria só analisar o Peti em si, desvinculado do contexto do município. E, isso, me colocou em exigência metodológica, um trabalho investigativo a partir da realização de uma pesquisa documental e bibliográfica. Pois, para analisar as múltiplas faces constitutivas da exploração de crianças e adolescentes pela via do trabalho do município de Canindé, se fez necessário mergulhar nessas fontes e acervos históricos com o objetivo de identificar, nesses registros, os discursos proferidos

entre os agentes do Estado e da Igreja, os interesses, os conflitos e os acordos entre as estruturas sociais na relação histórica entre Igreja e Estado.

Esse profundo estudo redundou em uma análise sócio-histórica e contextual das dimensões sócio-político e cultural, entranhadas em sua raiz, na relação entre Igreja e Estado. E, essa análise da conformação sócio-histórica do município de Canindé, foi imprescindível para compreender o cenário da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes pela via do trabalho no município.

Após a realização da pesquisa documental e bibliográfica, partir para a metodologia exploratória. E, para essa metodologia exploratória, articulei diferentes instrumentos e abordagens metodológicas: a abordagem de cunho etnográfico que se deram através da observação participante, dos registros fotográficos, da produção de dois vídeos com os depoimentos de duas famílias diretamente impactadas pelo mercado da fé, e por fim, as entrevistas em profundidade com vários agentes públicos que interferem na política de atendimento à criança e ao adolescente no município de Canindé.

Para começar a adentrar no trabalho de campo, eu já havia feito uma pesquisa inicial, como exigência na disciplina de metodologia quantitativa e qualitativa II do mestrado, duas entrevistas em profundidade com dois gestores, uma do Peti e outro do Cadúnico.Ao analisar as falas registradas nas entrevistas com os dois gestores, percebi a fragilidade nos discursos permeados pelo desconhecimento dos serviços e fluxos dos programas com o também uma rasa concepção no entendimento do que seja a exploração de crianças e adolescentes pela via do trabalho.

Enquanto técnica de gestão da Secretaria Municipal de Assistência Social fui instigada a procurar entender os motivos pelos quais – no processo de implementação, execução dos serviços, dos programas e dos projetos na área de assistência social – não era possível perceber alterações significativas no cenário municipal referente à exploração de crianças e adolescentes pela via do trabalho existente no município de Canindé.

As minhas hipóteses iniciais surgiram na tentativa de explicar o que se desconhece sobre essa problemática no município sob o entendimento de que seria a insuficiência ou ineficiência do Peti – seja por poucas vagas existentes no programa, a falta de capacitação e

envolvimento dos agentes públicos – que poderiam interferir negativamente nas condições de permanência de crianças e adolescentes nessa situação de exploração.

Mas, ao tentar realizar uma análise acurada no período de 2006 a 2012, os dados apresentados pelo MTE-CE notificaram (915) crianças e adolescentes em situação de exploração; Cadastro Único inseridas apenas (401) – havia menos da metade (44,5%) do contingente apontado pelo MTE-CE; e, assistidas no Peti, tão-somente 141 (15,7%) e destas, (35) encontrava-se aos finais de semana em atividades laborais, a desproporção numérica encontrada foi, assustadoramente, latente.

É evidente que, para a análise de dados não basta somente apresentá-los e descrevê- los – os números não falam por si –, mas explicar o quê as evidências contida nestes dados dizem sobre determinados fenômenos, se fez necessário procurar investigar – o que caracteriza um estudo científico –, e se tornou imprescindível procurar respostas diante da dinâmica desse programa dentro do contexto local.

O aprendizado em ação despertou para a descoberta de novas hipóteses nunca antes por mim imaginadas ao início da pesquisa. E, assim, se deu a constituição do objeto desta pesquisa avaliativa: Procurar entender em quê se sustenta a permanência de crianças e adolescentes em situação de exploração pela via do trabalho e a lógica que permeia a continuidade dessa exploração no município de Canindé. E, ainda identificar as estruturas sociais que originam, sustentam e se utilizam dessa forma de exploração.

Nesse aprendizado enquanto pesquisadora, eu compreendi que em um processo avaliativo, não é recomendado começar escolhendo o método de análise. É imprescindível começar a fazer a crítica aos fenômenos e como eles se apresentam não colocando o método acima de tudo. Compreendi que, dependendo da proposta de investigação avaliativa, é ela quem determina a escolha da abordagem e dos procedimentos de análise, ou seja, a escolha da abordagem com base etnográfica neste estudo partiu da necessidade do próprio objeto em estudo. Portanto, esta pesquisa avaliativa tem por fundamento no paradigma hermenêutico/interpretativo, com base na abordagem etnográfica, particularmente útil para uma análise de fenômenos complexos e dinâmicos que exigiu um exame sob múltiplas perspectivas e dimensões – a história e cultura local, os discursos dos sujeitos envolvidos, outras fontes de pesquisas e recursos, observação participante, registros fotográficos e o diálogo teórico – pois

elaborar uma avaliação da política de atendimento à criança e ao adolescente via Peti centralizada no caráter multidimensional foi imprescindível fazer essas conexões.

A experiência como pesquisadora e avaliadora de um programa social em curso me impulsionou a realizar um mergulho na história do município de Canindé e me permitiu encontrar eixos analíticos para entender a pobreza estrutural e ideológica encarnada historicamente neste município cuja vocação central circula no interior e no entorno do mercado da fé.

Apresento nos itens seguintes, o caráter multidimensional da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes no município de Canindé a partir das análises dos discursos sobre a perspectiva das famílias diretamente afetadas pelo mercado da fé e dos discursos dos agentes públicos que deveriam, minimamente, deveriam alterar o status quo. A observação participante, os registros fotográficos, a produção dos vídeos com os depoimentos, as pesquisas bibliográficas e documentais foram imprescindíveis e fundamentais para desvelar este cenário de violações de direitos.

4.2 Análises dos Discursos sobre a Perspectiva das Famílias diretamente Afetadas pelo