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3 A PESQUISA DE CAMPO: Fios e Tramas do enfretamento dos maus tratos

3.1 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1.4 Em Campo

Inicialmente solicitamos a autorização da pesquisa junto à COED (Coordenação de Educação), que autorizou após negociações e exigências o levantamento preliminar dos ambientes escolares do DASAC (Distrito da Sacramenta) e DAENT (Distrito do Entroncamento), dentre os quais se escolheria o lócus da pesquisa. A escolha da UEI (Unidade Escolar Infantil) seria feita com base no seguinte critério: o ambiente escolar deveria ter mais de um caso de violência contra criança, o que configuraria um fato social. A definição da escolha ocorreu com a nossa incursão a campo de caráter exploratório entre os meses de Outubro e Novembro de 2008, na qual realizamos conversas ora com as professoras, ora com os coordenadores das UEIs, e em algumas encontramos relatos de violência doméstica contra criança, suspeitos e confirmados; outras (três), mesmo quando negavam a existência em seus relatos, eram identificados patentes episódios de negligências e abandono, subtipos da violência pesquisada.

S., professora do jardim I, relata que uma menina deficiente (cadeirante) de 5 anos, apareceu com o rosto deformado: “A menina disse que seu pai tinha batido na sua cara com uma sandália. O pai, foi chamado na escola, na ocasião disse que jogou a sandália nela para repreender, não imaginou que iria machucar tanto.”

M., coordenadora, relata que entre 2006/2007 ocorreu “apenas” um caso de abuso sexual de uma criança do maternal; a UEI acionou o Conselho Tutelar, o posto de saúde, a Semec. Para o ano de 2008 diz não ter nenhum caso de violência doméstica contra criança.

A., coordenadora, relata que no ano de 2008 não houve caso suspeito. Mas que no fim de 2007 houve dois casos: um abuso sexual de uma criança de 03 anos, em que o suspeito

direto é o pai biológico e o caso encontra-se ainda sub judice; o outro, é um caso de violência física de um bebê de 02 anos, sendo a mãe usuária de drogas.

A.L, professora, relata que no ano de 2007 houve um caso de abuso sexual de uma menina de 05 anos, mas a família foi embora da área.

M., coordenadora, diz que há dezenas de casos: negligência, violência física, sexual, psicológica. Relata que no primeiro semestre de 2008 encontraram um aluno de 04 anos amarrado ao pé da cama e que ele é vítima constante da violência doméstica.

Diante de todos esses casos, optamos por essa unidade. Poderíamos multiplicar consideravelmente os exemplos acima citados, os quais são situações-limite cada vez mais presentes no cotidiano dos espaços de educação infantil.

Escolhida a unidade de ensino infantil, esperou-se uma nova autorização (em anexo), agora para procedermos à pesquisa na unidade. O que parecia ser líquido e certo acabou emperrado em processos burocráticos e somente em Janeiro de 2009 conseguimos a autorização para investigar a UEI escolhida (em anexo). Com a autorização em mãos, estabelecemos um contato prévio com as professoras para prestar-lhes os devidos esclarecimentos a cerca do presente trabalho. A seleção de cada participante pautou-se em três critérios: i) aceitação espontânea; ii) disponibilidade e; iii) estrutura emocional pra rememorar situações e problemas experenciados, sendo suas participações acordadas e firmadas na assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em anexo), em respeito às normas da Resolução 196/96 que dispõem sobre pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1997). Cinco professoras aceitaram participar deste estudo, conscientes e seguras de que não seriam identificadas – seus nomes oficiais e qualquer outra forma de identificação pessoal (idade, turma, turno em que trabalha) serão mantidos em sigilo. Esclarecemos ainda, que as mesmas autorizaram a gravação de suas entrevistas, garantindo assim a fidedignidade do conteúdo narrado.

Realizamos oito entrevistas, das quais três foram reconstruídas para esclarecer e acrescentar depoimentos. Quanto ao tempo de duração, este variou conforme o local: em média 45 minutos, se fosse realizada na própria unidade, no horário de descanso das crianças ou, entre 60 a 90 minutos, quando realizada na residência da professora. Como se pode ver a dinâmica foi flexível, pois os locais e os horários das entrevistas foram escolhidos em comum acerto. As narrativas foram coletadas com auxílio de gravador e MP4. Em seguida, iniciamos

o que Flick (2004) chama de “documentação dos dados”, período longo em que transcrevemos as entrevistas e sistematizamos os dados coletados (narrativas).

A análise do material discursivo é de natureza interpretativa, seguindo o modelo hermenêutico de Paul Ricouer (1987). Assim sendo, lemos e relemos o conteúdo das narrativas, interpretando-o em suas linhas gerais e nos familiarizando com os seus “núcleos de ação” para, a partir daí, apreender as unidades de significados (em geral representadas em fragmentos de frases/discurso).Para relacionar, comparar e agrupar as unidades de significados apreendidas no material coletado, pareceu-nos indispensável apoiar-nos na hermenêutica do mal, para possibilitar novas interrogações a partir do que considero ser a triangulação da hermenêutica do mal – pensar, agir e sentir.É essa triangulação que nos pareceu indispensável tomar como fio condutor de nossas análises, referendando as principais idéias-força do modelo interpretativo de Ricouer : “o problema do mal não é somente um problema especulativo: exige a convergência entre pensamento, ação (no sentido moral e político) e uma transformação espiritual de sentimentos” (RICOUER, 1988, p. 47).

A análise final, num processo de correlação entre as partes e o todo, pelo qual compreendemos a ação e o sentido que nos aponta. Analisar as narrativas apoiadas nos princípios hermenêuticos implicou volver nossa atenção e sensibilidade não sobre o institucional, mas sobre o sistema de saberes, referências simbólicas, valores e concepções que tecem e movem as práticas discursivas docentes. As narrativas são, assim, de um lado, espaços de diálogo e rememorização – e para Ricouer (2005) há no “narrar-se” um “exame moral” da ação, espécie de “dossiê-balanço” sobre nossos méritos e falhas – e, por outro, cartografias descritivas e explicativas de uma docência marcada pelos maus tratos infantis (pelo “sofrimento injustificável” diria Lévinas).

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