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Neste processo, cabe enfatizar que as narrativas dos desfiles se desenvolvem de forma persuasiva, funcionando também a partir de um contexto imaginativo que sempre mimetiza e camufla paisagens clichês sobre o Brasil. Nos desfiles é muito comum ver o Brasil de forma ambivalente, camuflado e destacado como um Paraíso de belezas naturais, assim como o estrangeiro é visto na maioria das vezes a partir de seus estereótipos mais comuns. O destaque, palavra que inclusive existe na dramaturgia dos desfiles para designar um lugar privilegiado muitas vezes usando grandes fantasias que realmente buscam destacar estes foliões nos desfiles, precisa ser visto também como uma forma de camuflagem. É neste sentido que se propõe que os desfiles geram um conflito entre as outras descrições possíveis de si mesmo e também do Outro. É desta perspectiva, portanto, que se desenvolve a ideia de que o discurso retórico dos desfiles se pauta pelo exagero das representações, tornando-o um processo narrativo conflituoso que recorre à ênfase da própria circularidade de sua natureza comunicativa. Há, portanto, um conflito entre as imagens exageradas dos desfiles e as realidades que estas imagens buscam representar.

Neste sentido, o desenvolvimento da dramaturgia das escolas de samba, que começou na década de [19]30 também a partir das relações com a imprensa e com o Estado Novo, e hoje amplia suas conexões para contextos mercadológicos, transformando os desfiles em espécies de mídias publicitárias com alcance mundial, tem sido feito pela fricção dos desfiles a circuitos e ambientes diversos em que cabe enfatizar tal questão como contexto convergente, ou “mestiço” no sentido apontado por Pinheiro (op.cit). Entende-se que a linguagem das escolas de samba não é algo exclusivo da cultura africana, ou lusa: é uma convergência entre ambientes culturais diversos.

Cabe apontar, ainda, que esta questão do aspecto persuasivo da linguagem mestiça das escolas de samba e seus aspectos conflituosos no que tange à construção de suas paisagens imaginativas têm íntimo envolvimento dos desfiles com o contexto político do Estado Novo brasileiro, como já apontado. Porque o D.I.P., como visto anteriormente, parece ter colocado um tipo de dispositivo que esta incorporado no software das dramaturgias dos desfiles que sempre recorre a imagens históricas além de

145 manter uma sintaxe bastante ordenada. A dramaturgia dos desfiles parece servir bem como propaganda. A obsessão será tamanha que Stalisnaw Ponte Preta, pseudônimo de Sergio Porto, em seu “Samba do Crioulo Doido”, vai criticar nos anos 1960 a obrigatoriedade dos sambas-enredo versarem sobre temas nacionais e históricos, criando uma paisagem irônica como se pode perceber na letra da música:

Foi em Diamantina Onde nasceu JK

Que a Princesa Leopoldina Arresolveu se casá

Mas Chica da Silva Tinha outros pretendentes E obrigou a princesa A se casar com Tiradentes Lá iá lá iá lá ia

O bode que deu vou te contar Lá iá lá iá lá iá

O bode que deu vou te contar Joaquim José

Que também é Da Silva Xavier

Queria ser dono do mundo E se elegeu Pedro II Das estradas de Minas Seguiu pra São Paulo E falou com Anchieta O vigário dos índios Aliou-se a Dom Pedro E acabou com a falseta Da união deles dois Ficou resolvida a questão E foi proclamada a escravidão E foi proclamada a escravidão Assim se conta essa história Que é dos dois a maior glória Da. Leopoldina virou trem

E D. Pedro é uma estação também O, ô , ô, ô, ô, ô

O trem tá atrasado ou já passou

Stanislaw Ponte Preta critica que esta dramaturgia caracterizada pela profusão de signos, buscando ser inteligível, se perde pelo excesso em sua natureza narrativa. Até os dias atuais esta expressão é usada para designar aquilo que na obrigatoriedade de ter um sentido apresenta-se como algo sem nexo. Além disto, Stanislaw Ponte Preta também está parodiando o próprio entendimento da mestiçagem que os desfiles retratam. E, sobretudo, percebe de forma também paródica os exageros da associação que é feita entre os desfiles e a cultura negra. Como visto, depois de o negro, livre da escravidão,

146 precisar desenvolver uma comunicação adaptável a um ambiente hostil, de acordo com Sodré (2007:13), o samba, como signo afro brasileiro, foi alçado a símbolo nacional nas primeiras décadas do século XX. Desde então criou-se uma imagem que associa o negro à escola de samba. Neste contexto foi criada uma mitologia incorporada por narrativas de pertencimento bastante resistentes em torno desta associação.

O negro é realmente um dos pais da escola de samba cuja linguagem tem a cultura africana em seu DNA, tanto que a mimesis desta dramaturgia em Portugal reconstrói, de forma imaginativa, o circuito África - Brasil - Portugal. Mas em relação à associação entre desfiles e cultura negra, é preciso ressaltar as ambivalências deste processo, pois ao mesmo tempo em que as escolas de samba e seus componentes, que não eram somente negros, foram perseguidos, houve a participação do Estado na ascensão das escolas de samba. Como apontado anteriormente, cavalos da polícia foram utilizados como comissão de frente pela Deixa Falar, sendo esta questão algo ambivalente, pois reflete o olhar do Estado, ao mesmo tempo em que funciona como camuflagem. O que se pode perceber é que se crioue um espaço imaginado que tem sido utilizado para se defender a tradição dos desfiles. Imagens bastante resistentes, que serão vistas adiante, na relação conflituosa como alguns carnavalescos lidam com inovações nas narrativas dos desfiles. Mas, o excesso de ênfase na associação, seja de brancos ou negros à qualquer linguagem deve ser pensado e analisado, pois corre-se o risco de criação de estereótipos.

A paródia feita por Stanislaw Ponte Preta ajuda a perceber que a “vocação ambivalente” para inverter pela alegoria hiperbólica as imagens do Outro e de si mesmo vai se constituir como um aspecto importante para a permanência das dramaturgias dos desfiles e sua vocação para se constituir como um circuito narrativo que tem certa predileção pela repetição de signos históricos. Assim, até os anos 60 os principais temas dos enredos se limitavam a contar a história do país, seus personagens e fatos, em uma clara abordagem ufanista do Brasil, cuja “programação” coube ao D.I.P. como já explicado. E neste processo enfatizou-se uma estrutura persuasiva, aristotélica, que mesmo demonstrando conflitos devido aos “exageros” de sua abordagem, tem sido mantida, até hoje, mesmo porque este tipo de discurso persuasivo se caracteriza por sua predileção pela natureza de sua circularidade.

147 No entanto, como há uma questão ambivalente em todo processo comunicativo, é interessante apontar que mesmo dentro desta retórica aristotélica, nos anos 1960, contudo, houve, claramente, exemplos de desfiles que tentavam subverter a obrigatoriedade de se falar do caráter “nobre” da história do Brasil, quando em alguns casos foram priorizadas outras imagens e personagens que estavam mais à margem da história oficial, como é o caso do enredo da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro que em 1963, inverteu a lógica das homenagens aos “heróis” da história e trouxe para o desfile a figura de Chica da Silva, uma ex-escrava que se casou com um nobre português no século XVII.81

Este tipo de abordagem vai inaugurar, de certa forma, outros caminhos para alguns enredos posteriores que começarão a falar de outros temas. Enredos que a partir dos anos 80 já não estarão sob a obrigatoriedade de versar sobre a história do Brasil, mas que continuarão sua vocação cênica para criar estereótipos alegóricos, como uma espécie de traço deixado pelo D.I.P impossível de ser apagado. Assim, na comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, no ano 2000, os desfiles foram marcados por um tipo de reminiscência do D.I.P. quando a Liga das Escolas de Samba, (Liesa), que coordena também a organização financeira, de grande parte da festa colaborando para sua dramaturgia, obrigou, com apoio monetário da própria prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, que todas as escolas a falassem sobre os 500 anos da chegada dos portugueses, como discute Lippi (2000) sobre a estabilidade de certa imaginação sobre o Brasil, e como o carnaval refletiu este contexto na ocasião dos 500 anos do descobrimento. Esta subvenção municipal em relação à produção dos desfiles é recorrente, mas nesta ocasião foi ampliada em função da magnitude da data. De qualquer forma, não faltaram imagens ufanistas e alegóricas e recorrentes do índio, do africano, do português, etc.

O que se percebe mesmo é que aquele “comando” do D.I.P ficou incorporado de forma ambivalente aos processos dramatúrgicos das escolas de samba, pois em boa parte dos desfiles, encontram-se imagens clichês sobre sobre os próprios brasileiros e sobre o Outro, mas em outros momentos há enredos que buscam desafiar esta vocação. Por isto, mesmo hoje, quando os desfiles e sua dramaturgia passam por transformações

81

148 complexas, relacionadas às questões econômicas de sua produção, as relações entre temas dos enredos, a cidade do Rio de Janeiro e o universo midiático, as escolas de samba continuam reforçando a imagem do Brasil como País do Carnaval, ao mesmo tempo em que reforçam sua própria imagem. Desta auto – referência é que os desfiles exibem sua potência persuasiva. Neste sentido, cabe pensar com Appadurai (2004:47) que o passado se tornou uma espécie de cenário imaginativo importante para a dramaturgia dos desfiles:

O passado deixou de ser uma pátria a que regressar numa simples operação de memória. Tornou-se um armazém sincrônico de enredos culturais, uma espécie de central de casting temporal a que recorrer apropriadamente, conforme o filme a realizar, a peça a encenar, os reféns a salvar.

No caso dos desfiles, esta questão se materializa notoriamente, tendo em vista que a dramaturgia das escolas de samba transformou o passado em uma espécie de “central de casting temporal” como descreve Appadurai, com os desfiles usando em excesso imagens históricas. Nesta perspectiva, cabe apontar que a própria natureza persuasiva do discurso dos desfiles tem sido usada como uma espécie de mídia publicitária para marcas e produtos que vão desde companhias áreas, passam pela abordagem de estados brasileiros e chegam a transformar em enredo até mesmo outros países, uma vez que a Noruega, a Finlândia, dentre outros, já financiaram enredos patrocinados82. Se a retórica aristotélica está presente tanto na linguagem publicitária quanto nos desfiles, a emergência deste tipo de patrocínio parece justificar ainda mais a questão de entender que a criação das imagens “exageradas” dos desfiles tem bastante relação com a própria linguagem da propaganda. Ao imaginar que esta dramaturgia, além de ser persuasiva também está conectada a outras paisagens, relacionadas ao universo midiático, pode-se compreender melhor por que esta linguagem específica tem sobrevivido e atraído a atenção como mídia publicitária.

De lá pra cá, a valsa dos carnavais vendidos seguiu a embalar o grande salão, mas poucos pararam para pensar se a lógica de associação das escolas com o capital empresarial estaria se estruturando da forma correta. A coisa passou a funcionar, a

82 Como exemplo, podemos citar a escola de samba Imperatriz Leopoldinense que em 2007 desfilou com

o enredo Teresinhaaa, uhuhuuuu!! Vocês querem bacalhau?, e teve patrocínio do Conselho Norueguês

de Pesca, que injetou R$ 1 milhão na agremiação e estampou as camisetas dos funcionários que empurravam os carros alegóricos.

149 grosso modo, assim: o cara paga, compra um enredo, e leva de brinde uma hora e meia na tela da tevê, no meio desse povo. O charme marginal permanece83

Segundo Bakthin (2002) todo signo é ideológico em algum nível e por conseqüência, toda linguagem também. Desde suas relações com o D.I.P., os desfiles têm sido vetor ideológico. O que tudo indica é que o uso recorrente de determinadas imagens e estratégias de discurso parece funcionar como uma tática de sobrevivência. Uma ideia interessante para se pensar os contrastes entre as imagens construídas pela dramaturgia dos desfiles é colocar estas narrativas em uma relação de figura e fundo com o entorno deste processo. Nesta espécie de relação por contraste entre as “paisagens imaginárias” construídas pelos desfiles e a realidade externa formada por outros intercruzamentos dos fluxos de informação que compõem o entorno, perceber-se as assimetrias deste conflito ao verificar que os desfiles se destacam por se comportarem como uma espécie de linguagem hiperbólica, exagerada, grotesca ou kitsch, processo estético relacionado ao contexto das indústrias culturais como discutem Moles (1971), Sêga (2008) e Eco (2006:76-80) percebendo no kitsch uma inversão entre cultura das elites e cultura das massas.

Nesta operação pode-se perceber que enquanto o entorno se contrasta muitas vezes a este aspecto circular dos desfiles, justamente por ser “disperso” isto se contrasta com a contrapartida da tendência dos desfiles se comportarem como narrativas harmônicas. As dinâmicas sociais não são necessariamente circulares ou aristotélicas, pois as semioses, a materialidade das relações entre signos, objetos e seus interpretantes no sentido que discutiu-se este conceito, que se intercruzam para formar o real de maneira rizomática (Deleuze,2011)

O que não quer dizer, por outro lado, que o carnaval seja o único exemplar da natureza do grotesco neste entorno disperso. Assim, não se quer dizer com isto que outros contextos do entorno dos desfiles também não utilizem narrativas circulares, ou que não deixem de criar outros tipos de visões de exagero, “grotescas” na própria natureza de seus processos comunicativos. Esta linguagem kitsch reaparece carnavalizada nos desfiles. Roberto Damatta não faz referência a esta ideia retórica da

83

O ineditismo da relação Porto da Pedra-Danone“ por Fabio Fabato. Disponível em

150 linguagem dos desfiles, mas se refere ao carnaval como uma “Dramatização do Cotidiano”.(1997:136). E realmente o carnaval é um “mundo paralelo” na Idade Média para Bakthin (op.cit),

No entanto, o cotidiano já é imaginado e está repleto de paisagens como argumenta Appadurai (Op.cit) sendo ele mesmo em si um processo de dramatização. Pode-se criticar a visão de Damatta (op.cit) sobre o carnaval ser um processo de dramatização do cotidiano, mas este já é dramático em suas dinâmicas e neste sentido, prescinde do carnaval. Talvez fosse oportuno pensar no carnaval como continuum que representa outra dramatização do cotidiano84. Neste sentido, Hardt & Negri (2004:273) pensam as narrativas carnavalecas:

A narrativa carnavalesca, dialógica e polifônica, naturalmente, pode muito facilmente assumir a forma de um naturalismo cru que se limita a refletir a vida cotidiana, mas também pode tornar-se uma forma de experimentação que liga a imaginação ao desejo e à utopia.

As telenovelas, por exemplo, trabalham bastante com as imagens clichê, e também partilham desta ideia de dramatizar o cotidiano estando nestes contextos, uma vez que as telenovelas são exibidas com maior frequência do que se comemora o carnaval. Como discute Barbero (1997), o drama exagerado da telenovela precisa ser visto como reflexo da subjetividade do telespectador, sendo esta um tipo de estratégia que confere ênfase à circularidade das histórias que estão contando. Mas no caso da dramaturgia mestiça dos desfiles, além da circularidade dos discursos dos enredos, há uma inversão hiperbólica neste uso de imagens recorrentes que já tem natureza circular e repetitiva, como é o caso dos estereótipos, e que ganham nova potência se forem considerados os movimentos de inversão que o carnaval faz..

Neste sentido, as escolas de samba com sua linguagem persuasiva se destacam e se camuflam de diversas formas. Sendo a escola de samba um contexto midiático como estamos argumentando, o poder de uso das imagens do universo religioso em suas narrativas parece ser uma ameaça à Igreja, como visto em diversas ocasiões: no desfile “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia” da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis,

84 Em nosso trabalho anterior (2005), havíamos concordado com esta ideia de DaMatta sobre a

dramatização do cotidiano. No entanto, a elaboração desta tese nos fez não discordar completamente desta ideia, mas repensá-la à luz de novas teorias como a de Appadurai (op.cit) que nos ajuda e perceber que a imaginação, por exemplo, não é um território exclusivo do carnaval.

151 em 1989, quando o carnavalesco Joãosinho Trinta precisou cobrir com um plástico preto uma alegoria que utilizava a imagem do Cristo Redentor.

“Cristo Proibido”: Camuflagens e Contrastes.85

Não deixa de ser irônico o fato de o Barroco ter sido mimetizado pela linguagem da escola de samba. É uma parodia de algo trazido pelo colonizador, que pode ser reinterpretada pelo pensamento de Bhabha sobre a mímica como articulação de diferença (2003:130), que já foi, de certa forma, explicitado. Além disto, trata-se de uma espécie de rebaixamento, no sentido que Bakthin (op.cit) articula: rebaixar o que está no alto :o Barroco ( linguagem ambivalente ligada ao sagrado) para o que está embaixo ( carnaval- profano). No entanto, estas dramaturgias parecem refletir, ironicamente, o uso da estética rebuscada do Barroco como forma de legitimação. Curioso que uma estética do conflito, o Barroco, tenha sido incorporada à dramaturgia dos desfiles: uma forma de parodia, inconsciente, da Igreja.

85 Fonte: http://g1.globo.com/Carnaval2008/0,,MUL265742-9772,00-

152 A estética neobarroca dos Desfiles em dois momentos de uma mesma escola: Acadêmicos do Salgueiro em 1974 e em 2008 (Fonte Prefeitura do Rio de Janeiro, Sem data:20,129). Há muitas semelhanças entre a estética dos desfiles e a visualidade da obra barroca de Mestre Ataíde, que já mostrada anteriormente.

O Barroco tem um potencial criativo que está sendo reapropriado naquilo que Calabrese (op.cit) está discutindo como Neobarroco. Para o autor, esta reapropriação não tem sentido linear. O prefixo “neo” não quer dizer que está havendo uma sucessão linear de estéticas, mas sim que o Barroco tem se alastrado por diversos contextos, podendo ser enxergado nas escolas de samba, justamente porque não se está pensando a

153 história como processo cumulativo. Assim, as escolas de samba incorporam esta discussão, justamente por estar promovendo uma espécie de profanação da linguagem do Barroco. Para Sarduy (1989:96) o Barroco moderno, o Neobarroco, reflete estruturalmente uma discordância: a ruptura da homogeneidade, a ausência de um logos absoluto, a carência em vez do fundamento como episteme. A escola de samba é um ambiente de interfaces: a camuflagem do Barroco pelas escolas é um tipo de legitimação, ao mesmo tempo em que trazer o Barroco para uma linguagem profana é rebaixamento.

Além deste contraste promovido pela reconfiguração da estética do Barroco, a linguagem das escolas de samba também se contrasta às outras linguagens dos carnavais brasileiros. Este contraste gera conflitos e assimetrias, pois, como pode se perceber em letra de Caetano Veloso “somos muitos carnavais”. Até mesmo por isto, o Brasil devêsse então ser chamado de País dos Carnavais. No entanto, como a maior emissora brasileira torna visível esta linguagem das escolas de samba, a imagem que acaba por ganhar força nesta associação entre o Brasil e o carnaval é a dramaturgia das escolas de samba.

Neste sentido, cabe lembrar o pensamento do critico literário Roberto Schwarz, um dos grandes debatedores da obra de Machado de Assis, este um dos grandes leitores da vida social da cidade do Rio de Janeiro no século XIX. Roberto Schwarz criou uma metáfora que analisa um determinado contexto da obra machadiana, “Dom Casmurro”, sobre o personagem José Dias, um agregado da família de Bentinho. Roberto Schwarz (1997:21) comenta que sua ambivalência dentro da família se compara aos movimentos de um passista de escola de samba, vagarosos e principescos da cintura para cima, enquanto os pés se dedicam a um puladinho acelerado e diversificado. Ou seja, uma antítese. A dramaturgia convergente das escolas de samba é um contexto de empatia midiática, como discute Sodré (2006), e tem muito desta imagem criada por Roberto Schwarz: os desfiles contam suas histórias segurando o aspecto clássico da retórica Aristotélica ao mesmo tempo em que se movimentam e se conectam rapidamente outros contextos culturais, desde suas relações históricas com o Entrudo, o contexto afro-luso- brasileiro, passando pelo binômio sagrado- profano até chegar aos atuais cenários midiáticos e econômicos.

154 Paradoxalmente, o carnaval é ideia de exagero e caos, pelo senso comum, mas no

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