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1.3.2 As Cantigas de Amor

1.3.2.1.1 Cancioneiro da Ajuda (CA)

O CA é um manuscrito datado dos finais do século XIII, princípios do século XIV – Michaëlis de Vasconcelos (1904, vol.II, p.152).

Segundo Ramos (1993a, p. 115) o CA “é a mais antiga colecção de poesia lírica chegada até nós e representa a transcrição de parte substancial das cantigas d’amor dos trovadores galego- portugueses”.

Foi encontrado na Biblioteca do Real Colégio dos Nobres, em Portugal. Em 1832, por decisão do governo, ele foi levado para a Biblioteca Real, perto de Lisboa, próximo ao Paço da Ajuda. Durante algum tempo ele foi chamado de Cancioneiro do Collegio dos Nobres, por causa do colégio onde foi encontrado. Depois passou a ser

chamado de Cancioneiro da Ajuda (MICHAËLIS DE VASCONCELOS, 1904, v. II, p.99-100).

Segundo Ramos (1993a, p. 115), o CA é constituído hoje por oitenta e oito fólios cujas dimensões oscilam entre 438 e 443 mm de altura e 334 e 340 mm de largura. Provavelmente por se pensar que os poemas pertenciam ao conde D. Pedro, foi incorporado em um único volume com uma cópia do Livro de Linhagens do conde D. Pedro. A encadernação em carneira situa-se no século XVI e integra-se em um estilo

Figura 3. Cantiga de amor de João Lopes de Ulhoa (CA201). Cancioneiro da Ajuda – Lisboa: Távola Redonda, 1994.

Quanto ao estado do manuscrito, Ramos (1993a, p. 115) diz o seguinte:

O manuscrito é incompleto, contendo apenas trezentas e dez composições pertencentes a trinta e oito autores. Este estado é devido tanto à mutilação de vários fólios em diferentes lugares do códice, bem como a uma série de outros fatores materiais que nos informam acerca do caráter interrompido da obra. Justificam esta situação diferentes espaços em branco previstos para estrofes que deveriam concluir textos fragmentários, assim como alguns fólios completamente em branco que poderiam receber outros conjuntos de poemas de autores já integrados ou a incorporar na antologia.

Há, no CA, páginas em que todas as maiúsculas aparecem pintadas, outras em que nenhuma foi grafada e em outros casos faltam a maioria, principalmente as letras maiores; a notação musical falta por completo e não há registros do nome dos autores de qualquer cantiga presente no códice; porém, os autores da maior parte dos poemas foram identificados pela atribuição expressa nos manuscritos copiados na Itália (RAMOS, 1993a, p.115-116).

As páginas que subsistem e que compõem o códice estão agrupadas em quatorze cadernos de modo heterogêneo. A inexistência de uma numeração inicial torna impossível e inadequada qualquer tentativa de recomposição da estrutura primitiva. Observam-se materialmente várias lacunas totais ou parciais que devem corresponder, parte das vezes, ao interesse pela miniatura ou folhas com bastantes espaços disponíveis, ou a puros acidentes que talvez se relacionem com o aspecto inacabado do cancioneiro e à provável ausência de encadernação de primeira origem (RAMOS, 1993a, p. 116).

De acordo com Michaëlis de Vasconcelos (1904, v. II, p.137), o códice foi paginado por várias mãos, primeiro por folhas e depois por páginas, num total de seis numerações. A primeira é de Lord Stuart, inscrita no centro da margem inferior, marcando 68 folhas do Cancioneiro, algarismos de 41 a 108, com exceção das folhas em branco. Posteriormente, alguém acrescentou 109 na que estivera colada na contra capa de cima. Outra numeração, no canto de fora da mesma margem, com numeração de 41 a 127, incluindo as folhas em branco, a de guarda, as que estiveram coladas a capa e as de Évora. A terceira e quarta paginação ocorreram no ato da restauração do códice, realizada pelos empregados da Biblioteca, cujo oficial Sr. Rodrigo Vicente de Almeida colocou as folhas soltas no lugar devido, as paginou novamente, no centro da margem

superior, de 1 a 174. Porém, no canto de dentro, foi acrescentada outra numeração geral com algarismos de 79 a 250 para as trovas.

Além dessas quatro marcações, há, ainda, a marcação romana das relíquias eborenses e também aquela considerada como sendo a mais racional por Michaëlis de Vasconcelos (1904, vol. II, p.135-136), com algarismos de 1 a 88:

Para compreender a differença entre as 88 que registro e as 74 ou 75 de que fallaram Lecussan Verdier, Bellermann e os que repetiram os seus dizeres, basta que o leitor se recorde que, além de descurarem as páginas estragadas pelo encadernador, elles não conheceram as relíquias vindas de Évora. Na realidade temos 74 + 1 + 2 + 11 = 88.

Ramos (1993a, p. 116) afirma que o códice foi copiado por mais de uma mão: “Transcrito a preto em minúscula gótica de proveniência francesa, bastante regular, foi copiado por mais de uma mão”. No entanto, há divergência entre os estudiosos em relação a esta opinião. Para Michaëlis de Vasconcelos (1904, vol.II, p.143), o códice é dotado de caligrafia de um único copista:

A letra, muito regularmente traçada por um único artista, é gothico- francesa. O grosso do texto está a preto, como de costume. O luxo de alternar o negro regularmente com outra cor, escrevendo p. ex. o refram com tinta encarnada, conforme se vê nos códices alfonsinos, não entrava no plano mais modesto do empreiteiro português.

A ordenação dos poemas apresenta tanto a primeira estrofe como algumas fiindas13 com os versos ininterruptos, embora assinalados, de forma geral, por um

ponto. As outras estrofes foram transcritas verso por verso (RAMOS, 1993a, p. 116). Ramos (1993a, p. 116) diz o seguinte quanto à constituição geral da transcrição:

13

A fiinda é um remate temático e métrico, utilizado para por “acabamento” nas cantigas, que pode ser constituído por um, dois, três ou quatro versos que apresentam dependência métrica variável com relação às estrofes anteriores da cantiga. Nas cantigas de mestria, a rima da fiinda deve seguir a última estrofe e, nas de refrão, a rima deste. A respeito das fiindas nas cantigas medievais galego-portuguesas, veja-se

as regras tradicionais da escrita gótica são normalmente respeitadas, não se verificando muitas excepções, nem quanto ao uso das letras nem quanto ao uso das abreviaturas. Podemos considerar que quem copia este códice possui competente formação técnica e profissional deste tipo de escrita e o recurso à convenção de siglas, ocasionalmente presente no refram, pode levar a crer que se tratava de copistas habituados à transcrição de códices de natureza jurídica, gramatical e religiosa.

O Cancioneiro, além de ser um códice incompleto relativamente a textos e autores, é também um manuscrito inacabado em relação à decoração, o que é visível através da falta de elementos que faziam parte do plano inicial. Só as primeiras miniaturas são pintadas e no enquadramento da inspiração gótica são desenhados personagens, instrumentos musicais e o fundo, em branco, seria destinado talvez a ficar assim, ou a receber outra cor, ou elementos reticulados, ou, eventualmente, ouro. Na decoração secundária, também incompleta, as iniciais são de vários tamanhos, de acordo com a posição (início de ciclo, texto, de estrofe, de refrão ou de “fiinda”) - Ramos (1993a, p.116).

Nesse cancioneiro foi calculado espaço para a transcrição musical na primeira estrofe, sendo desnecessária nas outras, porque as frases melódicas desta repetiam-se nas estâncias seguintes. Todavia, a situação musical deste cancioneiro é mais complexa ao afastar-se dos cancioneiros românicos no que se refere ao modo de transcrever a parte final de algumas composições. Na verdade, número interessante de cantigas traz a “fiinda” ou as “fiindas” ordenadas como na primeira estrofe, isto é, dispostas de modo a acolher também a notação musical. Outra peculiaridade na previsão de cópia para a música é a separação silábica nitidamente marcada em algumas palavras das primeiras estrofes ou de “fiindas” com espaço para música. Sobre este procedimento, Ramos (1993a, p.117) diz o seguinte:

O afastar as sílabas evidencia situação idêntica no modelo em concordância com a colocação neumática na pauta. Este procedimento quer dizer que, no mínimo, em certos textos, o copista possuía fonte com texto musical presente. Infelizmente, e apesar de todos estes indícios que presumem antecedente com música escrita, o cancioneiro é desprovido de pentagrama e de qualquer notação musical.

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