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No interior da residência é cantado o terço como uma forma de benção feita pelos Três Reis Magos à casa. A bandeira que continua a ser segurada pelos donos da casa ou apenas pela dona é passada em todos os cômodos como modo de abençoar cada um deles. Nesse momento os devotos acreditam que a casa recebe a visita dos Três Reis, assim como a recebida pelo Menino Jesus logo após seu nascimento, de acordo com a narração bíblica.

O grupo de foliões responsáveis pelo giro nessa edição da festa já não foi mais aquele conduzido por ―Seu‖ Lázaro R. da Silveira, mas, sim um grupo chamado Cristo Rei, da cidade de Catalão (GO), convidados pelos festeiros de 2010, Lourenço Rabelo de Souza e sua esposa Ozair de Sá Souza. Esse mesmo grupo também realizou o

giro na comunidade durante a festa de 2011. Em relação à ―importação‖ de uma folia,

vinda da sede do município, é importante assinalar que alguns de seus membros se dispõem a participar da festa mediante um pagamento que equivale a um dia de trabalho. Mas, isso não é propriamente novidade. Há cerca de sessenta anos atrás, como eram raras as pessoas que sabiam tocar instrumentos e cantar, em época de muito serviço os festeiros pagavam-lhe os dias, como nas comunidades rurais de Morro Agudo, Cisterna no município de Catalão (GO).

Boa parte dos participantes desse grupo são funcionários da prefeitura do município. No ano de 2010, todos conseguiram dispensa para poderem participar da festa, contudo, no ano de 2011 não conseguiram e alguns solicitaram pagamento para que pudessem participar do evento, que durou quatro dias.

A folia percorria em uma semana antes todas as casas, ela já tinha um roteiro, mas isso eu já não consegui, porque parece assim que os foliões são hoje minorias, sabe? E já consegue mais. Consegui uma Folia aqui de Catalão. Eu tive que pagar R$50,00 pra cada folião por causa que alguns trabalhavam no sábado, entendeu? Eu tive que pagar o dia de serviço. Mas, assim, tudo coisas que eu fiz com amor, sabe? Se era obstáculo, era! Mas se tinha solução, eu paguei [...] Foi a segunda vez que essa Folia teve lá, inclusive é o Diogo que organiza. Na festa anterior à minha, ele não cobrou, porque ele se organizou, a prefeitura liberou todos os funcionários177.

A participação e o pagamento de grupos externos à comunidade para a condução da Folia não é visto pela festeira Maria Paulina de Castro como um empecilho para a realização da festa. Ela possuía o objetivo de realizar a festa como pagamento de uma promessa feita em prol do seu cônjuge. Contudo, seu vínculo com a Comunidade é um pouco mais restrito, pois ela é moradora da cidade e frequenta a Comunidade esporadicamente há uns 15 anos – desde quando se casou com Vanderlei Rabelo, sendo assim acompanhou poucas apresentações do antigo grupo de foliões da região. E talvez por isso, não tenha sido para ela um desconforto procurar uma segunda alternativa para a realização da festa.

Já moradores pertencentes à Comunidade, com um maior vínculo com o lugar e com as tradições, não se sentem confortáveis com a participação de grupos externos. A maior lamentação se refere à falta de interesse dos mais jovens em dar continuidade ao ofício da Folia na região.

Já no ano de 2012, última festa realizada na Comunidade, o Grupo Cristo Rei não dispunha de tempo para participar do evento, pois a folia foi realizada com um atraso além do habitual, acontecendo somente no mês de setembro, período em que muitos membros da companhia, que também integram Ternos de Congo, se preparam para a Festa em Homenagem a Nossa Senhora do Rosário, que acontece no início de outubro em Catalão (GO). A solução encontrada pelos festeiros foi ―convidar‖ uma Folia de Paracatu (MG), assim como os moradores mais antigos faziam quando ainda não havia na região um grupo de foliões.

177 Fonte Oral: Maria Paulina de Castro, esposa de Vanderlei Rabelo Souza – festeiros no ano de 2011.

2.3 Novas estratégias para a Festa de Santos Reis

Muitas transformações ocorreram na organização da Folia nos três últimos anos em que a Festa em Homenagem aos Santos Reis foi realizada, houve, por exemplo, uma discrepância em relação à ordem fundamental de uma jornada que seria: a saída, o

giro e a chegada. Devido às contratações de grupos de foliões, essa separação sistemática dos momentos da Folia praticamente deixa de existir, tornando tanto a saída como a chegada dos Foliões um aspecto imprevisível da Festa.

As alterações enfrentadas não só pela Folia de Reis da Comunidade Cruzeiros dos Martírios, mas por boa parte das Festas de Santos Reis não as deixaram mais pobres ou fizeram com que perdessem sua essência. São consequências de uma cultura que busca se reformular e se adaptar para não ser dizimada178.

A partir dessa perspectiva, se considera a contratação de grupos de Folia de outras regiões como tentativa de adaptação encontrada pelos moradores da Comunidade Cruzeiro dos Martírios para que a festa continue a existir. Entretanto, após o ano de 2004 – quando os antigos foliões da região resolveram desfazer o grupo – as etapas de realização da festa se tornaram variáveis.

Consideremos como exemplo a Festa realizada em 2012 e a ―contratação‖ da Folia paracatuense. Nesse ano, o grande problema girou em torno de três pontos considerados fundamentais em uma Folia: a Folia fez, porque era assim que podia, a saída e a chegada no mesmo dia, no sábado, momentos antes do encerramento da festa; ou seja, não houve o giro, na mesma tarde de sábado, quando as mulheres se preparavam para ir para a igreja enfeitar com flores os três os arcos sob os quais a folia rotineiramente passa em seu ritual de chegada, um dos integrantes da Folia foi incumbido de avisar que eles não tinham por costume fazer a passagem por debaixo dos arcos.

No entanto, todos os versos cantados pelos foliões deixaram clara a missão confiada a eles de percorrer uma longa jornada e ao final abençoar o altar em que se encontra o Menino Jesus. Desse modo, a saída e a chegada da Folia estão separadas por uma longa jornada realizada pelos foliões, passando pelas casas da comunidade, o que não aconteceu, perdendo-se todo o significado e o sentido dos visitantes.

178 MARQUES, Luana Moreira. As festas de santos reis como práticas populares brasileiras no tempo e

no espaço: algumas considerações sobre a festa de Martinésia/MG. Anais XVI Encontro nacional dos

Geógrafos. Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças. Espaço de diálogos e

práticas. Porto Alegre/RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 Disponível em: www.agb.org.br/evento/download.php?idTrabalho=632 Acesso em 25 de julho de 2011.

Na chegada da Folia os vários estudos mostram que é a parte da festa que mais sofre diferença de símbolos e significados, de um lugar para o outro. Dentre elas uma das mais importantes talvez sejam os três arcos sob os quais passa a Folia no momento da chegada. Esses arcos normalmente são confeccionados com bambus, folhas de coqueiros e algumas flores artificiais de papel crepom. Nesse momento é realizado um ritual com longas cantorias voltadas especificamente para cada um dos arcos.

Os arcos possuem significados simbólicos diferentes. O primeiro simboliza o portão de Belém, no qual os três Reis Magos passaram; no segundo se tem a representação da entrada ao local onde estava o Menino Jesus; o terceiro e último arco é a representação da manjedoura onde o encontraram. Veja-se a foto a seguir: