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AAAA d e f i n i ç ã o e o s u r g i m e n t o d o g ê n e r o

c a n ç ã o d e

a l b a

Antes de definirmos a canção de alba como gênero lírico poético medieval, observamos que a polêmica em torno da noção de gênero literário é a principal preocupação do estudioso de literatura. Algumas composições arroladas para esta pesquisa foram reunidas pelo medievalista francês Pierre Bec, na obra intitulada La

lyrique française au moyen age. Bec (1971, p. 94, tradução nossa) entende por gênero

um “conjunto coerente de marcas tipológicas relativas ao conteúdo, forma e justaposição de todos estes”, quando a noção está diretamente ligada ao plano sincrônico. Já no plano diacrônico, o autor afirma que gênero é “um conjunto reconhecido como tal na época de sua produção e pelo público” (BEC, 1971, p. 94-95, tradução nossa).

O termo provençal alba e o termo francês aube não devem ser confundidos, entretanto, com aubade, ou canto do despertar, pois a alba compõe o gênero lírico em que um diálogo entre dois amantes, depois de desfrutarem uma noite de prazer, maldizem a chegada da aurora que advém inesperadamente, conforme afirma Segismundo Spina (1996). É o grito do vigia que irá colocá-los em alerta, para que terminem o seu encontro às escondidas, com intenção de evitar os comentários dos maledicentes — lauzengiers. Nesse gênero de cantiga, temos também a figura do marido ciumento, conhecido como gilós. Há alguns exemplares de albas que não trazem a figura do vigia, mas sim o cantar dos pássaros que acusa a chegada do amanhecer. Um exemplo importante é a cantiga galego-portuguesa, de Nuno Fernandes Torneol, Levad’amigo que dormides as manhanas frias, que já suscitou inúmeros estudos, pela beleza da composição, a riqueza dos símbolos e pelas metáforas sugeridas.

Tomando como base os estudos feitos por especialistas em Trovadorismo, apresentamos diversas visões sobre a canção de alba, apontadas por estudiosos como Alfred Jeanroy, Pierre Bec, Segismundo Spina e Toríbio Fuente Cornejo.

Após realizar explanações sobre as canções de mulheres, Pierre Bec faz as seguintes considerações sobre a alba:

[...] a alba pode ser considerada uma das quatro variedades básicas, ao lado da canção de amigo, canção de malcasada e canção de tela, tipos líricos das canções de mulher. [...]. De forma geral, podemos definir a alba como uma composição lírica sobre o tema da separação de dois amantes que, depois de um encontro furtivo e muitas vezes ilícito à noite, são despertados com o canto dos pássaros ou o grito do vigia da noite e lamentam o fato de o dia surgir cedo demais. O termo alba , na maior parte das peças occitanas, aparece regularmente ao final de cada verso ou em forma de refrão: daí o nome do gênero. (BEC, 1971, p. 91, tradução nossa)7

Percebe-se pela definição do medievalista que ele considera a canção de alba uma espécie de subgênero de cantigas de mulher, como as canções de tela, canções de

mal-maridada e cantigas de amigo. Ressalte-se que Segismundo Spina não faz a

mesma classificação de Pierre Bec. Spina classifica a canção de alba como subgênero da cantiga de amigo, como veremos à frente. Os temas arrolados pelo importante medievalista a fim de conceituar o gênero envolvem a separação dos amantes, interrompidos em seu colóquio amoroso por um vigia ou um pássaro. Ao final dos versos, aparecem as imprecações contra a alba.

Alfred Jeanroy (1904), em sua obra sobre a lírica medieval, intitulada Les

origines de la poésie lyrique en France au Moyen Âge: études de littérature française et comparée, suivies de textes inédits, que também se constitui de primordial interesse

para esta pesquisa, menciona a existência da prevenção de se ocultar um amor “nos costumes galantes da Idade Média francesa”. Portanto, ele considera que o segredo é a condição essencial do amor nas albas. Outro ponto destacado por Jeanroy é a existência do gaita (vigia) nas composições, traço este considerado histórico, por se tratar de uma ocupação comum na Idade Média, devido aos ataques aos castelos medievais. Essa característica demonstra outro traço da composição: o traço social. O ambiente aristocrático em que ocorre o encontro delimita a classe social a que pertencem os amantes (JEANROY, 1904).

7 [...] l’aube comme une des quatre variétés fondamentales, à côté de la chanson d’ami, de la malmariée et

de la chanson de toile, du type lyrique des chansons de femme. Nous reviendrons plus loin sur las typologie precise. D’une maniére générale, on peut definir l’aube comme une pièce lyrique composée sur le thème de la séparation de deux amants qui, aprés une furtive et souvent illicite entrevue nocturne, son réveillés à l’aube par le chant des oiseaux ou le cri du veilleur de nuit et déplorent le jour qui vient trop tôt. Le mot alba, du moins dans les pièces occitanes, revient régulièrement à la fin de chaque couplet ou il forme refrain: d’où le nom du genre.

Do glossário de A lírica trovadoresca, de Segismundo Spina, retiramos alguns trechos do conceito de alba:

A alba é uma composição poética do gênero lírico (possivelmente narrativo na origem), cujo tema se reduz ao diálogo entre dois amantes ou esposos, que havendo desfrutado uma noite deliciosa, maldizem do romper da manhã que sobrevém inesperadamente. A canção tira o seu nome da palavra alba, que figura às vezes no começo da composição, e normalmente no fim de cada estrofe, formando refrão. O gaita, sentinela noturno do palácio [...], cujo grito ou canto vem acordar os amantes ou anunciar a alvorada, parece haver surgido no tema destas canções posteriormente, em substituição ao primitivo canto dos pássaros. (SPINA, 1991, p. 361)

Percebe-se que os conceitos possuem vários pontos em comum: a palavra alba, a figura do vigia, a separação dos amantes ao final de uma noite de amor. Os autores concordam com a ideia de que o lamento se dá por causa do curto tempo que possuem para o amor e que durante esse encontro esse tempo corre célere. Costumes do período transparecem na cantiga. A figura do gaita/vigia é uma personificação da proteção exigida pela fortificação medieval. Essa sentinela noturna faz as vezes de amigo, de uma espécie de “anjo da guarda” dos amantes, sendo ele, em várias casos, o próprio narrador do poema. Essa proteção comprova a intenção do trovador em sempre estar ao lado do par romântico, ao lado do amor verdadeiro, longe mesmo das convenções sociais e demonstrá-lo por meio da composição lírica, o que é muito comum na doutrina do amor cortês. A repetição do termo alba e a reprovação às primeiras luzes que antecedem o raiar do sol, que compõe os finais das estrofes — condenações contra a aurora — no fundo desviam o pensamento dos amantes do problema maior que é a própria proibição da relação amorosa. Sendo assim, de acordo com a ótica do casal enamorado, o amor parece permitido e possível dentro do curto espaço de tempo: a noite. É como se, durante o período noturno, a verdade se invertesse e tudo voltasse ao normal, não por causa da realidade, mas pelo surgimento da alba no horizonte, que cria todo o sofrimento do par romântico.

Fuente Cornejo, em La canción de alba en la lírica románica medieval, apresenta uma conceituação com base no corpus por ele escolhido, estabelecendo um eixo comum entre as composições que o constituem. Vejamos a seguir:

Em nosso caso, esta eleição é fácil, pois todos os estudiosos que se ocuparam da canção de alba se mostraram unânimes ao apontar como elemento semântico fixo, dominante ou pertinente, a separação dos amantes ao amanhecer; um eixo sêmico reiterado em todos os textos e que por isso, cria um horizonte de espera, situando-nos em um âmbito de recepção determinado. [...] a alba é toda composição lírica em que os enamorados, após passarem a noite juntos, precisam se separar. (FUENTE CORNEJO, 1999, p. 15-17, tradução nossa)8

Depois de analisar todo o corpus de canções de alba sobre o qual sua pesquisa se debruçou, Fuente Cornejo estabeleceu o eixo em nível sêmico e formal, baseando- se nos estudos de Paul Zumthor, Alfred Jeanroy, Jean Frappier, a fim de isolar as composições do gênero canção de alba de outras composições literárias de mesmo período ou de temática aproximada. Primordialmente, o gênero alba comporta poesias nas quais é possível identificar a separação dos amantes ao amanhecer, em um ambiente de espera. Fuente Cornejo (1999, p. 15) chama a atenção para a existência de algumas variações: nas albas provençais, o personagem que vigia é o

gaita, enquanto nas composições galego-portuguesas, os vigias são os pássaros.

Embora seja um gênero considerado cortês, a alba parece subverter as regras desse tipo de amor ao deixar transparecer certo erotismo. Diferentemente da ideia de amor encontrada no gênero lírico cantiga de amor, o qual valoriza o amor ideia, ou o amor de adoração quase religiosa, o erotismo permeia a alba. Essa cantiga traduz uma expressão de liberdade feminina, diversamente da cantiga cortês que propõe um amor basicamente de origem masculina.

Diante das definições e conceituações aqui apresentadas, podemos afirmar que a vitória da realidade sobre a doce ilusão de um encontro sem fim é o tema central do gênero canção de alba. Esse tema está presente em um dos mais emocionantes episódios da literatura ocidental, escrito por Shakespeare, em que encontramos o tema do alvorecer, que é a bastante conhecida despedida de Romeu e Julieta, cena V do III ato.

8 En nuestro caso, esta elección es fácil pues todos los estudiosos que se han ocupado de canción de alba se

han mostrado unánimes al apuntar como elemento semántico fijo, dominante o pertinente, la separación de los amantes al amanecer; un eje sémico reiterado en todos los textos y que, porello, crea un horizonte de espera situándonos en um ámbito de recepción determinado. [...] alba toda composición lírica en la que los enamorados, que han pasado la noche juntos, tienen que poner fin a su dicha.

Cena V

O mesmo. Quarto de Julieta. Entram Romeu e Julieta.

JULIETA - Já vais partir? O dia ainda está longe. Não foi a cotovia, mas apenas o rouxinol que o fundo amedrontado do ouvido te feriu. Todas as noites ele canta nos galhos da romeira. É o rouxinol, amor; crê no que eu digo.

ROMEU - É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. Olha, querida, para aquelas estrias invejosas que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se apagaram; sobre a ponta dos pés o alegre dia se põe, no pico das montanhas úmidas. Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.

JULIETA - Não é do dia aquela claridade, podes acreditar-me. É algum meteoro que o sol exala, para que te sirva de tocheiro esta noite e te ilumine no caminho de Mântua. Assim, espera. Não precisas partir assim tão cedo.

ROMEU - Que importa que me prendam, que me matem? Serei feliz, assim, se assim o quiseres. Direi que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia, mas o pálido reflexo do diadema da alta Cíntia, e também que não foi a cotovia, cujas notas a abóbada celeste tão longe ferem sobre nossas frontes. Ficar é para mim grande ventura; partir é dor. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim. Não, não é dia.

JULIETA - É dia; foge! A noite se abrevia. Depressa! É a cotovia, sim, que canta desafinada e rouca, discordantes modulações forçando e insuportáveis. Dizem que ela é só fonte de harmonia; não é assim, pois ora nos divide. Há quem diga que o sapo e a cotovia mudam os olhos. Oh! quisera agora que ambos a voz também trocado houvessem, pois ela nos separa e, assim tão cedo, como grito de caça mete medo. Oh vai! A luz aumenta a cada instante.

ROMEU - A luz? A escuridão apavorante.9

Segundo Harold Bloom (2001, p. 142), em seu livro Shakespeare: a invenção do

humano, o trecho constitui: “o epítome da tragédia contida nessa tragédia, pois a peça

pode ser apreendida como uma canção da madrugada, um lamento, cantado fora de hora”.

Depois de citar o diálogo completo, no mesmo capítulo, o crítico americano fala a respeito do formato desse colóquio que, diferentemente das regras do amor cortês, tem como personagem central não uma mulher casada, adúltera, mas a dama desposada por um inimigo da família, a quem a morte será certa, caso sejam descobertos na alcova. Amor e dor são os opostos temáticos do drama, cujo triunfo do casal seria inexequível. Harold Bloom enxerga a canção de madrugada no trecho da obra shakeasperiana:

9 Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000087.pdf>. Acesso em: 23

O atrevimento sutil do drama criado por Shakespeare resulta do fato de que tudo está contra os amantes: as famílias e o Estado, a indiferença da natureza, o capricho do tempo e o movimento regressivo dos opostos cosmológicos, amor e dor. Mesmo que Romeu tivesse controlado a ira, mesmo que Mercúcio e a Ama não fossem brigões e intrometidos, a chance de o amor triunfar seria muito pequena. Esse é o subtexto da canção da madrugada, tornado explícito na queixa de Romeu: “A luz? A escuridão apavorante”. (BLOOM, 2001, p. 142-143)

O diálogo entre Romeu e Julieta emociona até hoje as plateias teatrais e também do cinema, tal como no filme do diretor italiano Franco Zefirelli, de 1968. Pelo desenrolar da trama até então, sabemos que o romance é proibido e também que se trata do primeiro encontro íntimo do casal no leito nupcial. Da pureza de menina de apenas 14 anos, Julieta se mostra como a esposa, a mulher apaixonada que desfrutará, apenas dessa única vez, do amor carnal de seu marido. Isso tornará o momento da separação mais trágico ainda, se levarmos em conta que o que os espera, daí para frente, será somente o sofrimento. O anúncio da manhã feito pela cotovia é rejeitado primeiramente por Julieta, que prefere acreditar que se trata do rouxinol, pássaro que anuncia a noite. O amante reafirma, dessa vez, apontando “as estrias” no céu, luzes “invejosas” do amor que os dois vivem, e, por isso, desejam que o casal se separe. Nota-se aí, claramente, o tema da canção de alba imiscuindo-se no texto do famoso bardo inglês, no qual temos os traços da composição medieval: a separação dos amantes, o amanhecer, o amor proibido.

Não se pode afirmar, entretanto, que o texto shakespeariano tenha sofrido influências diretas da poesia medieval, especificamente da alba, mas o contrário também não é assegurado, tendo em vista que alguns pesquisadores já revelaram influências medievais na obra do escritor inglês.

O conflito entre a dura realidade e a decepção dos amantes foi objeto também de uma antiga alba chinesa, citada por Dromke. Nela é clara a vitória do dia sobre a noite. Essa composição anônima foi datada do século VI a.C, pelo menos um milênio antes da primeira alba monologada encontrada na China (século VII, segundo Spina). Uma hipótese indica que a tradição europeia seguiu a chinesa, como se pode conferir:

LA DAMA

El gallo há cantado; Ya es pleno dia.

EL AMANTE

No fue el gallo que canto,

Sino el zumbido de aquellos grillos.

LA DAMA

El cielo resplandece a levante; Ya es pleno dia.

EL AMANTE

No es el resplandor del alba,

Sino el brillo de la luna que se levanta. Los mosquitos vuelan soñolientos; Sería Dulce compartir tu sueño.

LA DAMA

Pronto! Vete!

No sea que tenga que odiarte!

(DROMKE, 1978, p. 215)

[A Dama/O galo contou;/Já é dia pleno./ O amante/ Não foi o galo que cantou/ senão o zumbido daqueles grilos A Dama/ o céu resplandece ao leste/ já é pleno dia O amante/ Não é o resplendor do alvorecer/ senão o brilho da lua que se levanta;/os mosquitos voam sonolentos/ Seria doce compartilhar teu sonho. A Dama/ Agora! Vai-te!/ Não seja que eu tenha que odiar-te!] (Tradução nossa) Os detalhes nos remetem, mais uma vez, ao famoso diálogo entre Romeu e Julieta, com espantosa semelhança, com a diferença que, em Shakespeare, é a moça quem prolonga o sonho amoroso. (Queres ir-te? Ainda não é dia). Porém, em ambas, é a mulher quem alerta para a realidade que se sobrepõe ao colóquio e ao sonho do encontro. Não podemos deixar de afirmar que Shakespeare foi herdeiro dessa tradição medieval, que por sua vez foi influenciada tanto por poetas orientais quanto por poetas gregos.

Nas canções de alba gregas, no entanto, o tom parece ser mais artificial do que nas chinesas, conforme se lê na tradução espanhola:

Oh alba! Por qué, cruel para los amantes, viniste tan temprano junto a mi lecho, cuando empezaba a entrar en calor con el cuerpo de mi querida Demo? Ojalá pudieras volver sobre tus pasos rápidamente y convertirte en noche, tu, cuya luz es tan Dulce, tan amarga para mí. En otro tiempo retrocediste: Por Júpiter y Alcmena; como si no supieras desandar lo andado! (DROMKE, 1978, p. 216)

[Oh! Alvorecer, porque, cruel para os amantes, vieste tão cedo, junto ao meu leito, quando começava a entrar com calor no corpo da minha querida Demo? Tomara, pudesses voltar sobre seus passos rapidamente e se convertesse em noite, tu, cuja luz é tão doce, tão amarga para mim. Em outro tempo retrocedeste: Por Júpter e Alcmena; como se não soubesses desandar o andado!] (Tradução nossa) Nesse caso, toda a emoção é substituída por uma elegante artificialidade do poeta. Diante do exposto aqui, a tendência é supor que as albas românicas devem sua existência à poesia antiga (chinesa, grega). A opinião de Dromke, contudo, é diferente. Esse pesquisador crê que o tema sempre foi tradicional e popular muito antes de testemunharem a existência das composições em outras línguas não românicas.

Tema universal, o amor proibido é central da canção de alba, que tem por nome o próprio alvorecer: alba, do francês aube, primeira claridade que invade implacavelmente a existência em cima da crosta terrestre. Nas canções de alba, esse alvorecer apaga a ilusão de permanecer-se colado ao idílio e à fantasia romântica de um par perfeito, como uma luz violenta que destrói sonhos e revela a terra; expõe as expectativas sensuais humanas, mostrando a crua realidade a ser enfrentada.

O gênero canção de alba tem suas origens questionadas. Spina, Lapa e Jeanroy se inclinam para a gênese ritual ou litúrgica. É forte o pensamento de que a alba tenha surgido no norte da França e se aperfeiçoado na Provença. De acordo com Fuente Cornejo (1999, p. 12) — uma das principais fontes bibliográficas adotadas para esta pesquisa —, a canção de alba constitui um caso particular na lírica cortês, por ter sido concebida anteriormente ao Trovadorismo e pelo seu caráter híbrido, reunindo particularidades concernentes a outros gêneros (canção de malcasada, canção de

partida, canção de gaita, dentre outros). Convertido em gênero cortês, por excelência,

possui, entretanto, uma ótica distinta, misturando o esquema primitivo, ou tradicional, com o esquema cortês. Com isso, conforme já mencionamos, desenvolveu- se de maneira diversa das cantigas de amor e cantigas de amigo, gêneros líricos dominantes do período.

Questiona-se a probabilidade das origens estarem na poesia árabe, ou mesmo em hinos litúrgicos, dentre outras peças. Fuente Cornejo (1999, p. 22) cita o professor inglês, Arthur T. Hatto (1965), que reuniu textos de alba oriundos de aproximadamente 50 tradições líricas diferentes, tais como a japonesa, egípcia, coreana, árabe, grega, latina, ibérica, provençal, francesa, italiana, persa, hebreia,

alemã, irlandesa, russa. Segundo Hatto, o gênero percorreu toda a Europa e parte da África.

De acordo com Dromke (1978, p. 221), acreditava-se que as canções de alba surgiram na Europa medieval, como um monólogo (solilóquio) feminino e que, posteriormente, transformaram-se em um diálogo, inclusive com narrador. Quanto menos se mencionasse a figura do gaita (vigia) ou do gilós (marido), menos antigas as

albas seriam. Isso, entretanto, pode ser contestado por exemplares de albas gregas do

século II d.C., nos quais foram encontradas a figura do marido. Em uma alba chinesa do século V, bem como na poesia árabe do século VII, também temos a figura do gaita. A partir desses estudos, chegamos à conclusão de que foi um gênero cultivado em várias regiões europeias, na época Medieval.

É interessante reiterar que essa poesia, contemporânea à cantiga de amigo e à

cantiga de amor, inovou transgredindo o código que previa a vassalagem amorosa,

uma das características do amor cortês. O caráter da canção de alba eleva o casal a uma posição de quase igualdade perante à sociedade, já que ambos ignoram as convenções e se entregam ao amor sensual, diferentemente da ideia de amor cortês,

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