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A CAPACIDADE DE FALAR DE IMPROVISO

Não vamos discutir aqui a questão se os sermões devem ser escritos e lidos, ou escritos, decorados e repetidos, ou ainda se se devem empregar copiosas anotações ou nenhuma. Nenhum desses itens constitui o assunto agora em consideração, embora possamos aludir incidentalmente a cada um deles; mas nesta oportunidade vamos falar da alocução improvisada em sua mais autêntica e completa forma – o discurso de improviso, sem preparação especial, sem notas ou premeditação.

Nossa primeira observação será que não recomendamos a ninguém

que tente pregar desde modo como regra geral. Se o tentasse,

certamente conseguiria, cremos nós, produzir um vácuo no seu local de reuniões. Os seus dons de dispersão se manifestariam claramente. Pensamentos não estudados provenientes do intelecto sem prévia pesquisa, sem que os temas em mãos tenham sido investigados nem um pouco, só podem ser de qualidade muito inferior, mesmo que sejam de homens talentosos. E como nenhum de nós teria a afrontosa ousadia de glorificar-nos como homens de gênio ou como maravilhas de erudição, temo que os nossos pensamentos não premeditados sobre a maioria dos assuntos não seriam dignos de atenção.

As igrejas não haverão de ser mantidas unidas senão por um ministro capaz de instruir; encher simplesmente o tempo com oratória não basta. Em toda parte os homens pedem que os alimentem, que os alimentem realmente. Aqueles religionários novidadeiros, cujo culto público em geral consiste de preleções feitas por qualquer irmão que queira apresentar-se de momento e falar, não obstante o seu lisonjeiro incitamento aos ignorantes e tagarelas, quase sempre definham e desaparecem; porque, mesmo os homens que adotam as idéias caracterizadas pela mais contundente excentricidade, concebendo que o Espírito quer que cada membro do corpo seja uma testemunha, logo se impacientam ao ouvirem os absurdos de outra gente, embora contentes

por dispensar os seus próprios. Enquanto isso, a maior parte do bondoso público se cansa da ignorância prosaica, e volta para as igrejas das quais se deixara levar, ou voltaria se os seus púlpitos fossem supridos de ensino sólido. Mesmo o movimento dos quacres, com todas as suas excelentes virtudes, mal pode sobreviver à pobreza de pensamento e de doutrina, demonstrada em muitas das suas assembléias por oradores que falam de improviso. O método de realizar ministrações despreparadas é um fracasso na prática, e teoricamente defeituoso.

O Espírito Santo não fez promessa de fornecer alimento espiritual aos santos por intermédio de um ministério improvisado. Ele jamais fará para nós o que nós mesmos podemos fazer. Se podemos estudar e não o fazemos, se podemos ter um ministério estudioso e não o exercitamos, não temos direito de apelar para a intervenção divina para cobrir os déficits da nossa ociosidade ou da nossa excentricidade. O Deus da providência prometeu alimentar o Seu povo com alimento temporal; mas se nos reuníssemos para um banquete e ninguém tivesse preparado nem um só prato porque todos tinham fé no Senhor de que a comida seria dada na hora exata, o festival não seria muito satisfatório, pois a estultícia seria repreendida pela fome; como, na verdade, se dá no caso dos banquetes espirituais do tipo improvisado. Contudo os receptáculos espirituais dos homens raramente são "oradores" tão poderosos como os seus estômagos.

Cavalheiros, conto regra, não tentem seguir um sistema de coisas que geralmente é tão sem proveito que as poucas exceções só confirmam a regra. Todos os sermões devem ser bem ponderados e preparados pelo pregador; e, quanto possível, todo ministro deve, com muita oração por direção divina, penetrar plenamente no seu tema, exercitar todas as suas faculdades mentais com originalidade, e reunir todas as informações que estejam ao seu alcance. Examinando de todos os ângulos a matéria toda, o pregador deve refletir nela, mastigá-la e digeri-la; e, tendo-se ele próprio alimentado com a Palavra, deve depois preparar a mesma nutrição para outros. Os nossos sermões devem ser o nosso sangue vital

mental – o fluxo do nosso vigor espiritual e intelectual; ou, para mudar a figura, devem ser diamantes bem lapidados e bem guarnecidos – intrinsecamente preciosos, e trazendo as marcas do labor. Não permita Deus que ofereçamos ao Senhor algo que não nos custe nada.

Com muito empenho advirto-os a todos contra a leitura dos seus sermões, mas lhes recomendo, como exercício sumamente saudável, e como grande auxílio com vistas à consecução de poder na pregação improvisada, que freqüentemente os escrevam. Aqueles de nós que escrevem muito noutras modalidades, para a imprensa etc., talvez não precisem tanto desse exercício; mas, se vocês não usam a caneta de outros modos, será prudente escreverem ao menos alguns dos seus sermões, e revisá-los com grande esmero. Deixem-nos em casa depois, mas continuem a escrevê-los, para que fiquem livres de um estilo desmazelado.

M. Bautain, em sua admirável obra sobre a alocução improvisada, observa:

"Você nunca será capaz de falar bem em público se não adquirir tal domínio do seu próprio pensamento que o capacite a decompô-lo em suas partes, analisá-lo em seus elementos, e depois, quando necessário recompô-lo, reuni-lo e concentrá-lo de novo por um processo de síntese. Pois bem, esta análise da idéia, que a expõe, por assim dizer, diante dos olhos da mente, só se executa bem escrevendo. A caneta é o escalpelo que disseca os pensamentos, e nunca você poderá conseguir discernir claramente tudo que se contém numa concepção, ou atingir o seu escopo bem determinado, a não ser quando escreve o que contempla interiormente. Então você se compreende a si próprio, e faz com que outros o compreendam".

Não recomendamos o plano de aprender de cor os sermões, repetindo-os depois de memória. Isso é ao mesmo tempo um cansativo exercício de uma capacidade inferior da mente, e uma indolente negligência de faculdades outras e superiores. O plano mais árduo e mais recomendável é suprir a mente de material sobre o assunto do discurso, e depois transmiti-lo com palavras apropriadas que se sugiram a si mesmas

na hora. Isto não é prédica improvisada; as palavras são improvisadas, como creio que sempre devem ser, mas os pensamentos resultam de pesquisa e estudo. Só pessoas negligentes pensam que isso é fácil. É a um só tempo o mais trabalhoso e o mais eficiente modo de pregar, e tem suas virtudes próprias, das quais não posso falar particularmente agora, visto que isto nos levaria para longe do ponto em questão.

Nosso assunto trata da alocução pura, casta e genuinamente improvisada, e a ele voltamos. Esse poder é extremamente útil e, na maioria dos casos, pode ser adquirido com um pouco de diligência. Muitos o possuem, mas não tantos que eu seja incorreto se disser que o dom é raro. Os improvisatori da Itália possuíam em tal extensão o poder de falar de improviso, que as suas poesias sobre assuntos sugeridos no palco pelos espectadores chegavam muitas vezes a centenas e até milhares de versos. Produziam tragédias completas tão espontaneamente como nas fontes a água borbulha, e rimavam meia hora ou uma hora inteira ao estímulo do momento, e talvez também ao estímulo de um pouco de vinho italiano. Suas obras impressas raramente vão acima da mediocridade e, todavia, um deles, Perfetti, obteve a coroa de louros com que somente Petrarca e Tasso tinham sido premiados. Muitos deles nestes dias produzem na hora versos ao nível das capacidades dos seus ouvintes, e os prendem fascinados. Por que nós não adquirimos esse poder para a prosa? Não seremos capazes, suponho, de produzir poesias, nem precisamos desejar essa faculdade. Sem dúvida, muitos de vocês têm versificado um pouco (pois, qual de nós, num momento de fraqueza, não o fez?), mas deixamos as coisas de meninos, agora que a sóbria prosa de vida e morte, céu e inferno, e pecadores que perecem, requer todo o nosso pensamento.

Muitos advogados possuem em alto grau o dom de falar de improviso. Haveriam de ter algumas virtudes! Algumas semanas atrás uma infeliz criatura foi processada pelo horrível crime de caluniar um advogado. Foi bom para ele que eu não fui o seu juiz, pois se eu fosse levado a cuidar razoavelmente de um crime tão difícil e atroz, eu o teria

entregue para ser interrogado durante a duração da sua vida natural, esperando, por amor à misericórdia, que fosse curta. Mas muitos dos cavalheiros do tribunal são oradores sempre preparados para falar, e como vocês vêem claramente, eles devem ser também, em considerável grau, improvisadores, porque lhes seria impossível prever sempre a linha de argumentação que as provas, ou o temperamento do juiz, ou as alegações da parte contrária poderiam exigir. Por melhor que se prepare um caso, terão que surgir e surgirão pontos que requererão mente viva e língua fluente para lidar com eles.

De fato, tenho ficado admirado ao observar as réplicas espirituosas, agudas e em todos os aspectos apropriadas que o causídico arremessa, sem meditação prévia, em nossos tribunais. O que um advogado pode fazer defendendo a causa do seu cliente, certamente eu e você devemos ser capazes de fazer pela causa de Deus. Não se deve permitir que a tribuna forense sobrepuje o púlpito em excelência. Com a ajuda de Deus, seremos tão competentes no uso das armas intelectuais como quaisquer outros homens, sejam eles quem forem.

Certos membros da Casa dos Comuns exercitaram a capacidade de

falar improvisadamente com grandes resultados. Normalmente, de todas as tarefas que nos obrigam a ouvir, a mais miserável é a de escutar a casta comum de oradores da Casa dos Lordes e dos Comuns. Oxalá se proponha que, quando for abolida a pena de morte, os que forem achados culpados de homicídio, sejam obrigados a ouvir uma seleção dos mais áridos oradores do parlamento. Que a Sociedade Real pelos Direitos Humanos o impeça. Todavia, alguns membros da Casa são capazes de falar de improviso, e de falar bem. Imagino que algumas das coisas mais belas que foram ditas por John Bright, Gladstone e Disraeli, foram muito bem o que Southey chamaria de jatos do grande gêiser quando a fonte está em plena atividade.

Naturalmente os seus longos discursos sobre orçamento, sobre o decreto de reforma, etc., foram elaborados ao máximo mediante manipulações prévias; mas muitos dos seus discursos mais curtos foram,

sem dúvida, produtos da hora, e contudo estão cercados por espantoso volume de poder. Atingirão os representantes da nação uma perícia no falar maior do que a dos representantes da corte celestial?

Irmãos, ambicionem fervorosamente este valioso dom, e partam para conquistá-lo.

Todos vocês estão convencidos de que a capacidade que estamos considerando é por certo uma inapreciável possessão para o ministro. Será que ouvimos um coração solitário cochichar: "Eu gostaria de tê-la, pois daí não teria necessidade de estudar tão arduamente"? Ah! Neste caso você não deve tê-la; é indigno desta dádiva, e não está apto para que lhe seja confiada. Se você procura o dom para usá-lo como travesseiro para uma cabeça preguiçosa, está muito enganado, pois a posse desse poder o envolverá numa soma imensa de trabalho para aumentá-lo ou mesmo conservá-lo. É como a lâmpada mágica da fábula, que não acendia se não fosse bem esfregada, e se tornava um simples globo opaco quando cessava a fricção. O que o ocioso deseja para sua comodidade, podemos, contudo, cobiçar pelo melhor de todos os motivos.

Ocasionalmente se ouve ou se lê sobre homens que concordam, por bravata, em pregar sobre textos dados a eles na hora no púlpito, ou no gabinete pastoral; essas exibições de vanglória são repulsivas e tocam as raias da profanação. Também poderíamos fazer exibições ilusionistas no dia do Senhor, como saltimbancos da oratória. Recebemos os nossos talentos para fins bem diferentes. Confio em que vocês nunca se permitirão essa prostituição do dom. Proezas de alocução ficam bem numa agremiação de debates, mas no ministério são abomináveis, mesmo quando um Bossuet se preste para isso.

A capacidade de falar de improviso é inapreciável, porque possibilita ao homem, ao estímulo do momento, numa emergência, comunicar-se com propriedade. Estas emergências surgem. Acidentes ocorrem nas mais ordeiras assembléias. Eventos singulares podem alterar completamente o curso dos seus pensamentos. Você percebe claramente

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