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Capital Social e a Pesca Artesanal

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O capital social é um conjunto de elementos (confiança mutua, cooperação, interesse e participação nas questões políticas) que conferem poder social às pessoas, isto é, a capacidade de contribuir à coesão social e à integração da comunidade nas questões públicas que norteiam a vida em grupo, no sentido de o um desempenho social positivo. Putnam denomina essa coesão de sociedade de comunidade cívica, que, como dito acima, seria a existência de uma preocupação com o bem-estar coletivo, deixando de lado o individualismo (PUTNAM, 1996).

Nas décadas de 80 e 90, grande parte dos economistas buscavam saber a razão pela qual algumas regiões cresciam e se desenvolviam e outras não e, por que o desenvolvimento é heterogéneo entre as regiões, mesmo que estas regiões tivessem condições similares em termos de fatores produtivos - capital físico, tecnologia e mão- de-obra. Notou-se que as regiões onde se promove relações horizontais de reciprocidade e cooperação, ao invés de relações verticais de autoridade e dependência; cria redes de solidariedade, confiança e tolerância; e possibilita elevados níveis de participação nas associações apresentam maiores possibilidades de se desenvolverem. Ficou evidente que é insuficiente considerar apenas os aspectos materiais e tangíveis da vida económica,

devendo-se levar agora em consideração também, alguns aspectos intangíveis da sociedade e as suas relações sociais (WOOLCOCK, 1998).

A valorização do capital social resgata também a importância das redes sociais, partindo do pressuposto (presente, inclusive, no “velho” pensamento institucionalista norte-americano do início do século XX de Veblen e Commons) de que o comportamento econômico se encontra inscrito em redes de relações interpessoais. Daí surge a concepção de que os mercados se constroem socialmente, contrariando a concepção abstrata de mercado dos neoclássicos. Os mercados, portanto, são concebidos enquanto instituições sociais, construídos historicamente, onde se cruzam diferentes forças sociais, dotadas de interesses específicos (sociais, econômicos, políticos etc.), perfazendo a visão de estruturas e hierarquias de poder prevalentes nas sociedades e que moldam os mercados. O que determina a alocação de recursos, portanto, não é o mecanismo abstrato de mercado, conforme defendem os neoclássicos, mas as instituições, especialmente as estruturas de poder (CONCEIÇÃO, 2001).

De acordo com Oakerson (1986), os padrões de interação entre os indivíduos, marcados por estratégias e perspectivas de retorno em relação ao comportamento do outro, interferem em outras dimensões, como a escolha do modelo de gestão do uso dos recursos a ser adotado, quais tipos de regras são pertinentes para determinadas localidades e com a capacidade natural (física, biológica) de renovação desses recursos. Desta forma, padrões de interação que têm como pano de fundo a reciprocidade, ou seja, confiança, cooperação e grupos e redes se mostram elementos importantes do capital social que se articulam com o modelo proposto por Oakerson.

Enfoques participativos vêm sendo empregados com sucesso em vários países, proporcionando espaços de discussão, planejamento e caminhos para a construção coletiva. A literatura é vasta e consensual quando cita esses fatores como chave para o desenvolvimento organizacional e institucional, tanto em ambientes marinhos como continentais (KALIKOSKI, et al, 2009; BROWN et al., 2005). Por outro lado, projetos com pouca ou nenhuma participação resultam em insucessos devido ao baixo capital social envolvido, já que políticas são deliberadas, em nível de estado, sem a participação efetiva das comunidades (CUNHA, 2009). Os espaços de discussão coletivos ampliam a participação dos pescadores em diferentes estágios de construção de políticas do setor, como na formulação, implantação e fiscalização (VOS e TATENHOVE, 2011).

Os acordos de pesca são mobilizados por meio do “capital social ribeirinho”, ou seja, recursos de capital social mobilizados por diferentes segmentos sociais ribeirinhos.

Há duas vias de manifestação do capital ribeirinho. A primeira, por meio da cultura, aproveitaria a rica tradição cultural ribeirinha e suas diversas manifestações culturais e artísticas (o chamado capital social bonding ou comunitário) e as possibilidades de interação com outros gêneros culturais, sobretudo contemporâneos ou pop (na esteira do capital social bridging ou societário). A segunda, de caráter socioeconômico institucional, aborda as potencialidades que as redes de empreendedores de origem ribeirinha apresentam, aproveitando a forte tradição de organização social destes segmentos, particularmente por meio de sentimentos de confiança e cooperação, que podem ser vislumbrados em iniciativas como os acordos de pescas praticados por comunidades ribeirinhas da região do Baixo Tocantins (SANTOS et al, 2010).

A intenção do governo ao criar a SEAP/PR foi incrementar a pesca e aquicultura, por meio da formação de parcerias com estados e municípios, estimulando a participação efetiva dos pescadores e pescadoras nos processos decisórios (BRASIL, 2003). Nesse conjunto de preocupações, está implícita a perspectiva do desenvolvimento local. Oliveira (2001) afirma que o desenvolvimento local não é a solução de todos os problemas socioeconômicos advindos da adoção da estratégia de desenvolvimento, porém ele poderá contribuir para o debate sobre os problemas de exclusão social no mundo contemporâneo.

Nesses termos, a partir da criação da SEAP/PR, o governo brasileiro condiciona a implementação das políticas públicas para o desenvolvimento da pesca artesanal e aquicultura às articulações interinstitucionais. Isto implica a construção de parcerias entre os diversos setores da sociedade para fortalecer o capital social. Este, aqui compreendido como as normas, valores, instituições e relacionamentos compartilhados que permitem a cooperação dentro ou entre os diferentes grupos sociais (MARTELETO e SILVA, 2004). Mesmo assim, a análise do papel do Estado não se mostra pragmática, nem muito menos linear, pelo contrário, se torna mais complexa na medida em que o próprio Estado também passa a ser percebido como solução para os problemas da região, considerando que a criação de grande parte das regras e normas sociais se formaliza pelo Estado, a exemplo do Programa Chapéu de Palha do Governo estadual e da criação de uma RESEX (Reserva Extrativista), que é uma política pública ambiental do Governo federal. Neste sentido, “[...] não é possível haver capital social sem levar em conta o papel destacado que cabe ao Estado na sua proteção ou coerção para a sua formação, manutenção ou difusão”. (RIBEIRO e CALLOU, 2015).

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