• Nenhum resultado encontrado

Os agentes em movimento vão adquirindo nas suas práticas experiências que são acumuladas e podem ser reaplicadas, investidas e reinvestidas no momento de suas escolhas. Visualizando essas disposições com volume que varia conforme a posição no campo é o que a praxiologia denomina capital. Dessa forma, é possível visualizar o campo como um espaço social estruturado.

A primeira visualização do capital pode ser feita pelo viés econômico, ligado à renda, patrimônio, bens materiais; já o capital cultural é transmitido aos agentes pela família e pelo sistema de valores cultivados na escola que pela ação duradoura, pelo longo tempo de contato com tais valores, estes são incorporados, mas se apresentam objetivamente na escolha, por exemplo, de obras artísticas e também de forma institucionalizada, como na forma de títulos acadêmicos. Já o capital social se define pela rede de relações sociais que se convertem em convites recíprocos, frequência a lugares comuns e podem ser convertidos em vantagens ou desvantagens dentro do campo. E o capital simbólico é aquele que traz o reconhecimento dos demais agentes do poder adquirido e exerce um controle social, por exemplo, o papel social que é atribuído à figura do pai em uma sociedade com fortes traços patriarcal. O pai detém um capital simbólico que é reconhecido pelos demais agentes no campo.

Os capitais econômico, cultual, social e simbólico são os primeiros que visualizamos para entender os agentes em um campo estruturado, mas essa noção de capital deve ser ampliada para outras formas de acúmulo de valores subjetivos e

objetivos como o capital escolar que transmite um conjunto de regras de convivência, de noções hierárquicas para os indivíduos que passam anos mergulhados nesta instituição. O conceito de capital nos permite analisar como os valores objetivos e subjetivos são acumulados, transferidos, herdados, aplicados, capitalizados ou dilapidados, conforme o espaço social.

Em relação ao conceito de capital Bourdieu (1983) refere-se à possibilidade de investimento e lucro, ou seja, são valores com características semelhantes às do capital econômico. Saber falar, se comportar em ambientes sofisticados, ter diplomas, por exemplo, são moedas sociais que se convertem em vantagens efetivas. Nas palavras do autor,

[...] é preciso lembrar a existência de um capital cultural e que este capital proporciona lucros diretos, primeiramente no mercado escolar, é claro, mas também em outros lugares, e também lucros de distinção [...] este lucro direto é acrescido por um lucro suplementar, ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, o lucro do desinteresse: o lucro que tem ao se ver – e ao ser visto – como quem não está buscando lucro, como quem é totalmente desinteressado. (BOURDIEU, 1983, p. 9).

Precisamos esclarecer que nem sempre esses investimentos são conscientes, até porque os sujeitos estão inseridos em um campo onde os capitais já circulam e não há como fugir dos efeitos de transferência que ocorrem nas relações humanas. Há como tornar consciente a existência de tais capitais e como eles operam, que é o que estamos fazendo em relação à formação dos sujeitos dessa pesquisa (ROGÉRIO, 2008).

Trazendo para o campo da música, que é a nossa área de interesse específica, podemos encontrar um mesmo artista com o mesmo repertório em lugares diferentes, recebendo financeiramente e simbolicamente valores diversos, que mudam conforme o espaço social. Por exemplo, o cantor e compositor cearense Paulo Façanha iniciou sua carreira cantando em ―barzinhos‖, estabelecimentos comerciais que funcionam à noite com serviços de bar e restaurante, mas que são buscados mais como ponto de encontro de pessoas das classes médias. Durante a década de 1990, em Fortaleza, ―a música de barzinho‖ se tornou uma marca e o cantor Paulo Façanha que passou a ser um dos nomes mais requisitados pelos estabelecimentos deste ramo de negócios. Chegando aos anos 2000 essa grife

(música de barzinho) foi perdendo seu valor simbólico com a valorização de outros espaços. Uma das estratégias de Paulo Façanha foi lançar mão do fato de ser um dos agentes responsáveis pela viabilização das primeiras apresentações do cantor e compositor Jorge Vercillo em Fortaleza e, com isso, sua marca musical foi revalorizada ao se apresentar ao lado do seu colega Vercillo que se tornou um grande vendedor de discos e shows em todo o Brasil.

Aqui estamos apenas trazendo um exemplo do campo musical para perceber como um capital é valorizado, desvalorizado e reaplicado para reaver sua força simbólica. Paulo Façanha surgiu no cenário das ―músicas de barzinho‖ na década de 1990, dividiu palco com vários artistas consagrados no Ceará como Téti, Kátia Freitas, Fagner, Manassés, entre outros; continuou sua carreira nos estabelecimentos conhecidos como ―barzinhos‖, teve sua grife desvalorizada e reinvestiu seu capital simbólico ao lado de Jorge Vercillo. Esse interesse mútuo entre Paulo Façanha e Jorge Vercillo traduz um interesse que é solidário no sentido de apoio mútuo e não um interesse de má fé que restringe as relações a jogos de interesses mercadológicos. E, como é bom lembrar, a relação entre os artistas não se resume ao exemplo dado, a vida e a obra dos artistas são sempre maiores que um olhar metodológico-científico.

Estamos utilizando para este trabalho, também, o conceito de capital de mobilidade, que são as experiências com o mundo da viagem que vão sendo acumuladas pelos agentes desde suas infâncias. Durante as viagens os agentes vão adicionando um ―capital de mobilidade‖ (MURPHY-LEJEUNE, 2005 apud MELO, 2008, p. 27). Para nosso trabalho, esse conceito sintetiza a soma das experiências dos agentes em seus deslocamentos. Assim como Melo (2008, p. 24), ―[...] consideramos que a experiência da mobilidade enquanto vivência torna-se um valor acrescido aos aportes do conhecimento.‖ Logo, os artistas acrescentam em suas bagagens estas vivências-conhecimentos que ao se combinarem com os capitais já depositados no matulão das suas memórias, ganham em riqueza com novas nuances, novas formas de relacionamentos com as pessoas, cada um em relação a si mesmo, o que em última instância revela um habitus em transformação.

Nesse sentido, estamos neste trabalho, analisando o fenômeno da

mobilidade como percurso curricular (MELO, 2008). Estas aprendizagens são

ambientes e, nesse sentido, pelo fato de poderem ser acumuladas, herdadas, transferidas dos pais para os filhos, formam um capital de mobilidade.

Os artistas e intelectuais desenvolvem trajetórias em meio a vetores sociais que, embora não definam completamente suas opções, exigem estratégias de desenvolvimento. No âmbito artístico, os contratos com gravadoras, as parcerias entre letristas e músicos, os contatos com jornalistas formam uma rede de relações que constitui um capital social. As premiações em festivais e os discos são como os ―diplomas‖: símbolos materiais de suas conquistas que se convertem em capital econômico. Esses capitais por sua vez ―abrem portas‖, funcionam como ―chaves de acesso‖ às instituições consagradoras na área musical, como tocar nos principais teatros da cidade, nas mais bem frequentadas salas de concertos, entre outros.