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Capitanias de Minas Gerais, apontando para a região correspondente ao sertão oeste

Fonte: AMANTINO, Marcia. O mundo das feras: Os moradores do Sertão Oeste de Minas Gerais - século XVIII. 2001. 426 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001, p. 50.

De acordo com Daniella Santos Alves (2017) os primeiros registros históricos da existência de quilombos na região são de 1746 (BARBOSA, 1972; LIMA, 2008; MARTINS, 2008), quando as frentes de expansões nos interiores do Brasil atacavam um quilombo em Cristais, a noroeste do atual Triângulo Mineiro. A partir desse momento os negros fugidos passaram a se deslocar e formar os quilombos nessa região, como uma forma de rejeição ao sistema escravocrata. Boa parte dos documentos a respeito desse quilombo foi datado de 1769, “nas cartas de Inácio Correia Pamplona ao Conde de Valadares, indicando a existência de mocambos localizados na região que compreende hoje o município de Ibia e Campos Altos, conhecido como Quilombo do Ambrósio”. (ALVES, 2017, p. 17). Esse quilombo foi o de maior nome nessa região, localizado no alto rio São Francisco, representando população numerosa,

72 “segundo me dizem, de mais de seiscentos negros armados” e “seis alqueires de milho”.24 (MANO, 2015, p. 528). Tendo seu nome sido proveniente de um líder quilombola, transladado de alguma região da África e vendido como escravo no Rio de Janeiro, mais tarde alforriado, se tornando uma potente liderança nos quilombos do sertão oeste de Minas. (AMANTINO, 2001), e constantemente “intitulado rei”25. (MANO, 2015, p. 528).

Além do Quilombo do Ambrósio, o regente de campo Ignácio Correa Pamplona notifica ainda outros existentes nessa região, demonstrando o expressivo contingente de negros fugidos que compunham estruturas organizativas muito bem delimitadas e hierarquizadas. Nas palavras de Pamplona: “Parti de Piauhy seguindo o rumo do norte (...) dois dias de jornada cheguei a estância de São Simão e (...) desde a estância de São Simão athé a demarcação de Sam Paulo e Goyaz (...) sabia de sete quilombos”26. (MANO, 2015, p. 526-527).

A imagem perpetuada por anos a respeito dos quilombos indica espaços de habitação e convivência apenas de negros. Contudo, percebemos que os quilombos foram locais fecundos de trocas culturais, fazendo surgir diferentes sociabilidades, uma vez que estavam aí envolvidos em sua manutenção malhas sociais com negros escravos, com senhores, com donos de vendas e mesmo com alguns grupos indígenas. Marcel Mano (2015) indica a complexa malhas de contatos que se estabeleceu nessa região desde a década de 1730:

Uma itinerância da sociedade colonial em direção aos sertões colocou em movimento sujeitos de diferentes estamentos sociais: homens livres pobres, mestiços, negros forros, foragidos, garimpeiros, roceiros, índios escravos, agentes do poder colonial etc. (Amantino, 2001; Barbosa, 1971; Souza, 2004) se locomoviam desde o oeste de Minas cruzando o alto rio São Francisco e a Serra da Canastra em direção ao atual Triângulo Mineiro e sul de Goiás. Mas ao se porem em marcha, esses diferentes sujeitos entraram ainda em contato com diferentes outros. (MANO, 2015, p. 512)

Estudos recentes indicam que “a continuidade e existência dos quilombos por longos períodos estão intimamente relacionadas com as ajudas de agentes externos e internos” (GUIMARÃES, 1996; AMANTINO, 2001; RAMOS, 1996 apud ALVES, 2017, p. 47), dentre os quais os grupos indígenas. Márcia Amantino (2001) aponta que nos enfrentamentos com as frentes de expansão colonial, os mecanismos de defesa e combate utilizados eram

24Registros de Cartas do Governador ao Vice-rei e mais autoridades da Capitania (1743-1749). Arquivo Público

Mineiro, BH – Seção Colonial, manuscritos, Documentos encadernados códice: APM–SC – 84, fl.75.

25Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha Maria 1ª a Cerca de Limites de Minas-Gerais com Goyaz, p.376. 26Carta de Ignácio Correia Pamplona ao conde de Valadares, São Simão do Rio da Ajuda, 07/09/1769. Biblioteca

73 característicos da práxis africana, bem como indígena. Um dos casos por ela citado indica uma expedição incumbida de atacar um quilombo em Minas Gerais, numa área de ocupação histórica dos “Cayapó” Meridionais, em que se tinha por objetivo resgatar uma moça raptada por um grupo de quilombolas, nos constatando a coexistência de negros aquilombados e índios nesses quilombos, quando afirma que estes indígenas defendiam os quilombos de ataques tanto quanto os habitantes negros:

Atacando um quilombo de negros saíram ao encontro uma grande porção de gentio que instantaneamente os rebateu com um grande número de flechas na qual ficaram três capitães do mato feridos, dois com duas flechas presas no pescoço e com grande perigo de vida. 27(AMANTINO, 2001, p. 158)

Outro relato, descrito por Mano (2015), afirma igualmente a relação entre negros aquilombados e índios, provavelmente grupos “Cayapó” Meridionais. Em carta de Jozé Antonio F. e Andrada, endereçada ao conde de Bobadella, este relata três partidas do capitão do mato em busca de quilombos. Nos dois primeiros ataques alcança sucesso, fazendo prisioneiros, porém no terceiro não consegue atingir seu objetivo, uma vez que foi intensamente contra-atacado:

[...] Umas das outras partidas trouxe quatro negros e uma cabesa; a outra diz o Cap. domato q’ atacando um Quilombo de negros se saíram ao encontro uma grande povoasam degentio q’ instantaneamente os rebateo com um grande numero deflexas deq’ficaram três cap.domato firidos e dois com duas flechas perto do pescoso emgrande perigo devida. Se atacar este quilombo seperpara mayor numero de gentes pois sepersuadem todos q’os ditos calhambolas secobrem com esta povoasam de gentio [...].28 (MANO, 2015, p. 539)

Marcel Mano (2015, p. 535) ainda nos atenta para os indícios que apontam semelhanças nas formas de apropriação do espaço e modo de subsistência indígenas nos quilombos. Localizados próximos aos rios, a meio caminho entre as águas e a mata, e as casas dispostas ao redor de uma praça central, os quilombos nos dão as mesmas descrições das aldeias dos grupos Macro-Jê, tal como dos “Cayapó” Meridionais, cujas aldeias, descritas anteriormente, são circulares, situadas a meio termo entre a mata e o campo e subdividas em duas metades, associadas por uma praça central. Para além, em ambos os casos observa-se pelos documentos

27Carta del dr. Vallejo al rey, San Juan, 14 de diciembre de 1550, AGI Santo Domingo 155, Ramo 1, núm. 9

Cit.por: MOSCOSO, Francisco. Formas de resistência de los escravos en Puerto Rico. Siglos XVI-XVIII. IN: America Negra, Bogotá, Pontíficia Universidad Javeriana. Dez 1995, n. 10 p. 31-48.

28 Registros de cartas do Governador ao 1° Conde de Bobadella e de outras autoridades, petições e despachos, representações, bandos, termos, instruções. Arquivo Público Mineiro - Seção Colonial, manuscritos, Documentos encadernados - códice 130.

74 que havia “o cultivo do milho, da mandioca e do algodão, completando com a pesca, a caça e a coleta”, o que nos indica que os quilombolas “tinham um modo de subsistência nos quilombos que era indígena, tanto quanto eram também alguns de seus instrumentos, como o arco e a flecha”. (MANO, 2015, p. 356). Abaixo estão dois mapas levantados por Mano (2015) que melhor exemplificam o que se afirma, tal como a disposição espacial dos quilombos em semelhanças as aldeais Macro-Jê: