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– O caráter educativo transdisciplinar das atividades em música oferecidas em projetos sociais

Para escrever esse ensaio utilizo como base as atividades musicais coletivas desenvolvidas a partir do fazer junto. Procuro enxergar seres de possibilidades e potencialidades no desenvolvimento das atividades coletivas em educação musical, pretendo discorrer sobre a função social da música como produto de processos sociais e educativos coletivos expressos na musicalidade e a partir dela.

Procuro abordar a música e a educação como instrumentos de transformação individual e social. De acordo com Kleber, para alguns autores a música é vista como uma pratica social, e deve ser entendida como uma construção social e coletiva.

Para Shepherd e Wicke (1997, p. 194), o conceito de estrutura social é visto como fruto da diversidade de relações em rede e como uma categoria importante para compreensão da sociedade, de suas produções materiais e simbólicas. Os autores assumem e defendem a música como uma prática constituída social e culturalmente e, portanto, descartam o entendimento da música como qualquer outro artefato cultural, inclusive defendem que a música tem um distinto significado da prática da linguagem assim como tem na comunicação. Desenvolvem a ideia do corpo como um mediador da expressão musical e a música como um dos construtos de processos simbólico e social, uma atividade central para as pessoas e sociedade. Para eles, a tentativa é de se entender a música como uma prática significativa distinta, constituída social e culturalmente, descartando o pensamento sobre música a partir dela própria como uma prática cujo significado esteja baseado nos sons mais do que na totalidade de trabalhos singulares. Seus questionamentos problematizam onde a teoria cultural tem tido algum sucesso em compreender a música como social e culturalmente constituída;

(KLEBER, p.2006).

Portanto, o processo de desenvolvimento da musicalidade em coletivo é entendido

“como possibilidade de produção de novas formas de conhecimento musical nas suas diversas dimensões: institucional, histórica, sociocultural e de ensino e aprendizagem musical”. (KLEBER, p. 2006). O termo ensino aprendizagem assume um caráter transdisciplinar, articulando elementos que passam entre, além e através da música.

Kleber (2006) diz que “o fazer musical é um tipo especial de ação social que pode ter importantes consequências em outras ações sociais” a esse fato atribuo o caráter educativo transdisciplinar das atividades musicais em projetos sociais e espaços alternativos, que além de serem espaços para socialização podem criar estados favoráveis para aquisição de outros conhecimentos que podem apontar outras perspectivas de vida na formação integral dos participantes desses projetos.

No meu caso os projetos em música contribuíram para minha formação profissional e também apontaram outras perspectivas em relacionamentos, vivencias e trocas coletivas. Muito dos meus valores e princípios foram reafirmados e construídos nesses projetos e nas relações a partir deles, onde puder me expressar musicalmente e verbalmente e estabelecer diálogos horizontais e reflexivos no processo de “ensino aprendizagem” em música.

A compreensão das práticas musicais enquanto articulações socioculturais permeadas de formas e conteúdos simbólicos se refletem no fluxo e refluxo da organização social e no modo de ser dos respectivos grupos, em que a construção de identidades individual e coletiva tem seu lastro no processo histórico rememorado e reconhecido pelos atores sociais. Trata-se, portanto, de uma construção e reconstrução das identidades sociais e culturais de grupos sociais em que a diversidade cultural implica a formação/configuração dos mesmos ( KLEBER, p. 2006)

O desenvolvimento da musicalidade está intrinsicamente ligado as relações humanas.

“Nas relações humanas, as pessoas agem juntas através da linguagem e da música reproduzindo-se materialmente, mediante os sons, o que constitui a sociedade, a música, bem como as subjetividades dos indivíduos” (Kleber, 2006. p.30)

Como fato social, a música não pode ser tratada descontextualizada de sua produção sociocultural. Por isso a necessidade de colocar no centro da aula de música a relação que crianças e adolescentes mantém com a música, e não se limitar ao estudo da prática ou do consumo musical meramente por seu conteúdo ou gênero. Apoiado na sociologia da música e da educação musical, o texto pretende contribuir para a compreensão das diferentes práticas musicais de estudantes na escola e fora dela (SOUZAp. 2004).

A música vem sendo trabalhada de forma convencional e em espaços privilegiados, sendo um bem cultural que ficou restrito a uma classe de pessoas que teriam o dom ou habilidades para se expressar musicalmente.

Por isso trabalhar a música de forma alternativa pautado na coletividade e no fazer junto pode trazer benefícios em vários âmbitos da vida social e cultural dos indivíduos, além de reconhecer na música valores, costumes e crenças de uma identidade coletiva que pode está adormecida pelo contato com a mídia e indústria de massa.

A expressão musical por meio de instrumentos é considerada como domínio de raros seres - visão que se faz presente na sociedade de um modo geral e, principalmente, no contexto das escolas de música especializadas e nos conservatórios - e o músico, um ser mítico. Por sua vez, aqueles que não se adaptam ao padrão de aprendizagem estabelecido pela escola de música formal, ou seja, o padrão de corpos previamente aptos para a atividade - tônus musculares apropriados, audição capaz de reconhecer e identificar frequências, resposta física rápida para a execução de ritmos, reconhecimento e reprodução de tempos e dinâmicas, entre outros - são excluídos. São entendidos como uma espécie de seres musicais, ou seja, pessoas que não possuem, de acordo com essa visão, capacidade e habilidades inatas para serem músicos. A crença no mito do dom musical, no dom de poucos e para poucos, implica, dessa forma, um distanciamento entre seres humanos e a música. Gera descrença nas possibilidades humanas e, assim, a exclusão. E, de fato, no âmbito do ensino formal da música, a exclusão é um acontecimento, ainda que veladamente praticado e discursivamente negado entre professores (PEDERIVA,p. 2005).

Muitos projetos têm sido desenvolvidos a partir das experiências dos participantes de forma coletiva onde todos e toda tem oportunidades de se expressar musicalmente de forma livre e espontânea, rompendo os paradigmas de dom ou habilidades inatas e podem vivenciar a música na pratica de forma livre e espontânea. Essas experiências musicais dialogam com outros aspectos da vida cotidiana, portanto indissociáveis na construção do conhecimento.

O material para o trabalho pedagógico na Educação Musical deve ser, como ponto de partida, tudo o que o aluno traz de suas experiências cotidianas. Afinal, todas as expressões musicais são também estruturas musicais. Elas englobam uma organização sonora, instrumentação, etc.

Por meio do compartilhamento de todas as expressões que os alunos trazem, da comparação, em termos de estruturas musicais entre eles, há material pedagógico autêntico e pleno de sentido para muito tempo. O papel do professor é possibilitar o espaço para essa troca e abrir espaço para aquilo que os alunos não conhecem também. Mas. O preconceito musical jamais deve fazer parte de um espaço educativo (PEDERIVA, p.

2013).

Conhecer e vivenciar os diversos estilos e manifestações musicais, coloca o indivíduo em contato com culturas, costumes e crenças diferentes, o que pode contribuir para suas experiências e formação geral, a música se torna a porta de entrada para inserção de alguns indivíduos em alguns coletivos e espaços antes negados, muitas vezes essa inserção se dá junto ao protagonismo, em shows e apresentações. A partir dessa inserção é possível vivenciar conhecer e estabelecer outros vínculos a partir do exercício da musicalidade, que se torna uma ferramenta de expressão e de sentido para as ações de alguns indivíduos.

Quando o indivíduo encontra espaço para se expressar musicalmente em coletivo ele demonstra nas suas manifestações outros aspectos da sua subjetividade. Os projetos sociais e outros projetos que trabalham música a partir do fazer junto, veem a incorporação do conhecimento prático e de vida dos participantes como crucial no processo de formação e no aprimoramento de conceitos musicais em uma ação contextualizada e coletiva.

Creio que uma importante ferramenta que a perspectiva sociocultural da educação musical nos fornece é a possibilidade de aprender a ler as reações da realidade e produzir o conhecimento musical a partir disso. Não se trata, de forma alguma, de desconsiderar o conhecimento e as formas musicais tradicionais, mas, pelo contrário, trata-se de considerar a mobilização musical, o fazer e refazer das tradições musicais, na dinâmica dos movimentos sociais.

Ressalta-se que isso, em nível de diz- curso e de prática, propicia o experimento de novos princípios estéticos, criando novos rituais coletivos.

Ao observamos os movimentos sociais, podemos constatar a utilização da expressão artística para comunicação com grande parte da sociedade que oportuniza o repolitizar da cultura popular e do próprio entretenimento. Na música, os movimentos sociais vêm propiciando uma renovação, implantando

novos significados e estabelecendo novas formas e gênerosestéticos, desafiando, inclusive, categorias dominantes de mérito artístico, questionando, problematizando, dissolvendo estruturas de avalia- ções e julgamento (EYERMAN; JAMISON, p.1998).

Estar em contato com a cultura popular e com a educação musical desenvolvida a partir do fazer junto, conhecer, vivenciar e executar ritmos e estilos musicais das mais diversas culturas, estabelecer redes de trocas e afetividades e exercitar minha criatividade e musicalidade de forma dinâmica, foram alguns dos pontos fortes que me atraíram para a cultura a partir da musicalidade. A música transformou a minha vida e a partir dela pude exercer minha individualidade e me expressar com dignidade nessa sociedade que oprime e exclui, fazendo dela inclusive uma atividade profissional.

Tal perspectiva pressupõe o fortalecimento das oportunidades de aprendizado pela convivência social, pela ampliação do repertório cultural, pela aquisição de informações, pelo acesso e uso de tecnologias e pelo incentivo à participação na vida pública das comunidades em que se inserem. Quanto mais articulados forem os espaços educativos disponíveis numa comunidade, maiores chances de se alcançar esse objetivo e atender aos diversos contextos sócio culturais em que o ato de ensinar e aprender está necessariamente conectado com o cotidiano (KLEBER,p. 2006,) Foi na música e a partir dela que encontrei um sentido ou significado para viver, foi também através das oportunidades que a musica me proporcionou que reafirmei meus valores, costumes e crenças e tive serenidade para fazer escolhas que me constituíram enquanto sujeito e que me levaram a querer ser mais. Poder vivenciar e expressar minha musicalidade me faz sentir pleno e realizado, o que faz com que aquele vazio antes preenchido por drogas e outras ilusões seja preenchido por manifestações de ritmo e harmonia e experiências de prazer que completam o meu ser e convidam meu corpo para se libertar enquanto vivo música.

Todas as oportunidades e inciativas que trabalhem a musica de forma horizontal e coletiva e a partir das experiências dos indivíduos, pode suscitar novas perspectivas de vida, mesmo que esses jovens não se tornem músicos profissionais, é na música que

eles podem se expressar livremente e estabelecer novas relações interpessoais e coletiva.

As experiências desses jovens rappers e funkeiros nos levam a constatar que eles vieram se construindo e sendo construídos como sujeitos sociais numa complexidade de espaços e tempos, estabelecendo múltiplas relações a partir do seu meio social, mas com uma referência central nos grupos musicais e na sociabilidade que produzem. Nesse processo, é evidente como eles encontram poucos espaços nas instituições do mundo adulto para construir referências e valores por meio dos quais possam se construir com identidades positivas, colocar-se na cena pública como sujeitos, como cidadãos que são. A sociedade não lhes oferece muitas perspectivas. O mundo do trabalho lhes fecha as portas, a escola se mostra distante, não conseguindo entender nem responder às demandas que lhes são colocadas.

Apesar de motivados e envolvidos com a música, não encontram estímulos e espaços para aprimorar o potencial criativo que demonstram, não existindo em Belo Horizonte uma política cultural que os contemple. (DAYRELL, p.133. 2002).

Portanto, com as novas propostas para o ensino de música , esses espaços podem se tornar espaços de socialização e construção de saberes coletivos importantes na formação integral dos indivíduos. Precisamos construir polos de educação musical que propiciem revisitar sentidos e funções primordiais da música, criar uma rede de trocas e afetividades onde seja possível experimentar e vivenciar o prazer estético, as emoções, a comunicação simbólica e as tradições culturais de forma integrada, coletiva e contextualizada. Focar na musicalidade a partir de aspectos fundamentais como;

improvisação, composição, apreciação e a experimentação sonora, da margem para outros conhecimentos e perspectivas educativas, a música não pode deixar de trabalhar com seus aspectos fundamental que é o som, mas ela pode ser instrumento de transformação, de educação, de desenvolvimento humano e social pois carrega em sua estrutura elementos culturais e sociais estruturantes da nossa vida em sociedade.

Nada será como antes

Milton Nascimento

Eu já estou com o pé nessa estrada Qualquer dia a gente se vê

Sei que nada será como antes, amanhã Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Alvoroço em meu coração Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol Num domingo qualquer, qualquer hora Ventania em qualquer direção

Sei que nada será como antes amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Sei que nada será como está Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol

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