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4. O INSTITUTO DO COMPLIANCE NA LEI ANTICORRUPÇÃO E SEU

4.2. O CARÁTER PREVENTIVO DO COMPLIANCE

Com o estímulo a adoção de programas de comprometimento, o que se quer é fazer com que as próprias pessoas jurídicas se tornem responsáveis por conter as condutas arriscadas, através de um código interno de conduta, além de fiscalizar a ocorrência de práticas indevidas, por essa razão, atento ao conceito de made any improper payment to any foreing official. Nevertheless, the SEC brought this FCPA internal controls prosecution against Oracle, which settled and paid USS$2 million in penalties‖ (ROSENBERG, Hillary. Op. Cit.).

208 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; TAMASAUSKAS, Igor Sant‘anna. A interpretação constitucional possível da responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. In: Revista dos Tribunais, RT 947,

Setembro de 2014, p. 134.

209 Nessa trilha, aduzem, ainda, ―Esse parece ser o objetivo maior da Lei Anticorrupção, ao

estabelecer um mecanismo mais contundente para o controle de ilícitos cometidos contra o Estado, e ao deslocar o foco da persecução para o corruptor, trazendo objetivamente à atividade empresarial a necessidade de portar-se de modo ético, sob pena de responder por desvios de conduta de seus colaboradores, funcionários e dirigentes‖ (BOTTINI, Pierpaolo Cruz; TAMASAUSKAS, Igor Sant‘anna. Op. Cit., p. 134).

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compliance, Eduardo Saad-Diniz alude que serve ele para atender ―um modelo

básico, que compreende a adoção de política de prevenção à criminalidade empresarial e a implementação de mecanismos de controle interno e também externo, além das estruturas de incentivo ao cumprimento de deveres de colaboração conforme os preceitos estatais‖210

. Efetivamente, consoante observa Enrique Bacigalupo, existe uma tendência para que as empresas assumam uma função preventiva, baseada em programas de comprometimento, o que inclui códigos de conduta e vigilância da legalidade da atuação de seus funcionários211.

O viés preventivo do compliance já denota importante ruptura com o paradigma penal tradicional, embora sejam claras as aproximações entre a Lei Anticorrupção e o Direito Penal, a demonstrar a que o surgimento de uma seara intermediária entre o Direito Penal e o Administrativo se entremostra necessária, diante do fato de o legislador estar a positivá-la, ainda que intuitivamente. Tal ruptura é identificada por Renato de Mello Jorge Silveira ao aduzir: ―Mas, note-se: o ideário do criminal compliance é diverso do direito penal tradicional. Enquanto este fundamentalmente atua em uma perspectiva ex post, o primeiro atua preventivamente, ex ante, no paradoxo recordado e mencionado por Saavedra‖212

. Inobstante, bem observa, ainda, Renato de Mello Jorge Silveira o seguinte, que existe um caráter substancialmente penal na responsabilização da pessoa jurídica a teor da Lei 12.846/2013 (o que fortalece a sua caracterização como direito de intervenção, que deve albergar também elementos do direito penal):

As noções de autorregulação regulada, síntese maior da percepção de

compliance, tem, de modo geral, uma ampla proximidade com o Direito

Penal. Ela gera um sistema de enforcement particular que tem, por sua vez, um emparelhamento às noções de due diligence exigidas pelo mundo econômico. Pois bem, apesar de se imaginar que a responsabilidade das pessoas jurídicas, no caso brasileiro, não seja de caráter penal, substancialmente o é. Atesta, nesse sentido, Nieto Martín, ao mencionar que ao compliance não interessam os complexos debates o Direito Penal Econômico sobre a tipicidade de uma ou de outra conduta. Na realidade, tem-se que o cumprimento dos programas de

compliance devem se dar em um momento pré-típico, em caráter

210

SAAD-DINIZ, Eduardo. Op. Cit.

211

BACIGALUPO, Enrique. Compliance y derecho penal: prevención de la responsabilidad penal

de directivos y de empresas. Buenos Aires, Hammurabi, 2012, p. 138. 212

129 preventivo de crimes. Embora o desenlace da Lei 12.846/2013 não seja penal, ela diz, sim, respeito ao Direito Penal. Isso, para não se falar que, substancialmente, os institutos que regem seu substrato são de Direito Penal.213

O faz, de fato, a Lei 12.846/2013, mediante veiculação de sanções graves, apresentando ainda a pretensão legislativa de que a responsabilização seja objetiva, o que, entretanto, restado refutado no presente trabalho, considerando os efeitos que a adoção de um efetivo regime de compliance deve possuir.

Nessa linha, observa-se que a Lei Anticorrupção veicula sanções graves, para obrigar as empresas a adotar uma certa linha de comportamento de cuidado com a Administração Pública, obriga a adoção de comportamentos éticos. Por essa razão, Maria Beatriz Martinez assevera:

No tocante à importância desse tipo de programa, esta deriva das inúmeras conseqüências que decorrem de eventual descumprimento da lei, destacando-se a condenação ao pagamento de multas elevadas, prejuízo à imagem da empresa no mercado e redução de seu valor, ações judiciais públicas e privadas para responsabilização pelas infrações, sanções criminais, dentre outras214.

Vê-se que hodiernamente, no mundo globalizado, as empresas são elemento central na conjuntura econômica, tendo se tornado os seus principais agentes, razão por que também lhes são veiculadas novas responsabilidades215.

Junte-se a isso a própria demanda da sociedade por medidas contra atos lesivos à Administração Pública, que tornam o envolvimento de pessoas e empresas deletérios às pessoas jurídicas, afastando investidores e parceiros. Assim, a adoção de programas de comprometimento ético se entremostra salutar para as empresas, de sorte a evitar a ocorrência de ilicitudes ou, minimamente, demonstra compromisso ético da pessoa jurídico.

Assim, Maurício Januzzi comenta que existe uma expectativa em sociedade de que as empresas atuem em conformidade com o direito, eticamente, e de forma transparente, considerando, assim, que a integridade passou a ser

213

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Op. Cit. 2013.

214

MARTINEZ, Maria Beatriz. Op. Cit.

215

SANTOS, Maurício Januzzi Santos. Criminal compliance: o direito penal aplicado em seu viés

preventivo. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 29/2010, p. 231, Jan/2012,

130 elemento fulcral para a existência da própria empresa, existindo, portanto, um estímulo à criação de sistemas de comprometimento, enquanto programa contínuo de análise de legalidade e idoneidade das práticas empresariais ―evitando, dessa forma, incorrer em fraude, corrupção ou qualquer outra situação capaz de depreciar o nome da empresa‖216

.

A institucionalização dos programas de comprometimento é relevante por implicar a redução das situações em que as empresas se vêem envolvidas com atos que ensejam a responsabilização, já a denotar seu viés preventivo217. Nessa mesma linha, Maria Beatriz Martinez aduz que: ―Obviamente, o que se busca em primeiro lugar é a prevenção em sua forma pura‖218

.

Destaca, assim, o Osvaldo Artaza, que os programas de comprometimento envolvem dois pontos principais: 1) sistematização de todas as medidas e procedimentos adotados pela empresa com o escopo de assegurar a promoção de comportamentos, por seus integrantes, em conformidade com o ordenamento, o que ocasiona a diminuição de riscos à atividade empresarial, pela diminuição no número de situações em que se vê a empresa açambarcada por eventual atividade ilícita de um de seus integrantes; 2) sistematização de mecanismos adotados pela empresa com o objetivo de capacitá-la à identificação de condutas perigosas, para exatamente evitá-las, antes que desencadeiem resultados lesivos219.

A finalidade preventiva do compliance resta translúcida na seguinte passagem de Renato de Mello Jorge Silveira, em que se esclarece que através dele se busca informar acerca das regras atinentes à atuação em determinadas áreas e obter o comprometimento com o bom funcionamento delas, a partir da positivação do Sarbanes-Oxley Act:

Primeiramente, a estratégia da norma estadunidense era clara, focando a responsabilidade criminal nos administradores das empresas de forma

216

SANTOS, Maurício Januzzi Santos. Op. Cit.

217

ARTAZA, Osvaldo. Op. Cit.

218

MARTINEZ, Maria Beatriz. Op. Cit.

219

131 individual. A mensagem era clara: ―If you want to get access to our capital market you are kindly invited. Its regulation and the sanctions in case of non compliance are decided by us‖. Para que uma empresa, destarte, atuasse no mercado mobiliário americano, seria necessário que os seus executivos (Chief Executive Officer – CEO e Chief Financial Officer – CFO) assinassem documentação hábil a demonstrar seu reconhecimento em face das imposições a que ficam submetidos. Assim sendo, assumindo tal responsabilidade, tornam-se responsáveis, mesmo penalmente, também, por irregularidades ali postas (grifo inserto)220. O compliance, assim, se fortalece não só como uma exigência legal, mas aparecendo também como elemento de defesa em relação a eventuais atos cometidos por seus integrantes, protegendo a pessoa jurídica, sendo certo que sua adoção pode vir a representar, inclusive, contenção de gastos com contencioso e sanções221.

A ideia de programas de comprometimento, efetivamente, insere a ideia de gestão de riscos no âmbito empresarial, aproximando, assim, a decisão das empresas das decisões judiciais, tornando-as comprometidas com as normas concretas. A esse fenômeno, Renato de Mello Jorge Silveira dá o nome de ―complementaridade funcional‖, a indicar que as empresas passam agora a atuar em conjunto com os órgãos de persecução para evitar práticas infracionais, exercendo autoregulação e colaborando com tais secções do poder estatal222.

220 Nesse sentido, explana Renato de Mello Jorge Silveira que: ―Nessa aproximação entre

esquemas decisórios propriamente judiciais e os mecanismos administrativos de resolução de conflitos, parece possível repensar o problema da prevenção de delitos com referência ao ordenamento jurídico-penal brasileiro, de tal forma que a corregulação entre os setores públicos e privado esteja apta a criar alternativas viáveis na regulação de setores estratégicos essenciais à preservação da identidade normativa da sociedade, calibrando os custos relativos à perda da centralidade estatal na prevenção do crime. Assim é que as estruturas normativas peculiares à compliance e à boa governança apontam para a uma reorganização da intervenção jurídico-penal no sentido de estabelecer estruturas de atuação no âmbito regulatório, principalmente quando observa a criminalidade econômica. Esse, sem dúvida, um lado positivo da absorção da

compliance ao ambiente penal. De fato, isso significa que as recomendações de compliance

determinam, em ―complementaridade funcional‖, a incorporação na estrutura econômica de mecanismos de controle dos destinos negociais da atividade empresarial, um comportamento próprio da decisão gerencial ou administrativa. Estas sucessivas incorporações advindas dos programas de compliance é que viabilizam, em certa medida, modelos de colaboração funcional na ―atividade empresarial/intervenção punitiva‖. Nisso reside o elevado incremento de racionalidade para o direito penal econômico, já que daí surgem as novas possibilidades de combinação entre as diretrizes da atividade empresarial e a prevenção da criminalidade econômica‖ (SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Op. Cit).

221

SANTOS, Maurício Januzzi Santos. Op. Cit.

222

132 Nota-se, assim, que a adoção dos sistemas de compliance tem por finalidade a aproximação das empresas da atividade de prevenção a condutas delitivas, aproximando seus atos decisórios das decisões jurídicas, porquanto norteados por um sistema de regras de conduta formulado com base nos riscos atinentes às atividades conduzidas pelas pessoas jurídicas e pensado com vistas a evitar tais riscos. Isso implica, inclusive, maior capacidade de conhecimento da proibição, que, como se sabe, no âmbito do direito penal econômico e das atividades empresariais, considerando a fluidez de conceitos e certa confusão legislativa, não é tão difundido quanto com relação aos bens tradicionais223.

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