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Características das entrevistas realizadas

PARTE II – O QUE DIZEM E COMO SE CONSTROEM AS

4.2 O corpus utilizado na análise

4.2.1 Características das entrevistas realizadas

A entrevista constitui uma forma particular de interação e, na perspectiva assumida por Mondada (1997b:60), entendemos que,

“a entrevista não é simplesmente um instrumento neutro de pesquisa ou um método, entre outros, de coleta de dados, uma caixa preta cujo funcionamento seria óbvio e fora de questão. Ao contrário, sua eficácia está profundamente ligada à concepção de linguagem e de discurso pressuposta não só durante a análise mas também no desenvolvimento mesmo do intercâmbio com o informante”.

Nesse quadro, as informações, as descrições e os argumentos utilizados pelos professores no decorrer do processo interacional provocado pela entrevista são vistos como estratégias de construção de objetos de discurso e não simplesmente como uma realidade externa, objetiva, natural e transparente.

As entrevistas foram efetuadas entre março e outubro de 2002, totalizando dezenove gravações e trinta e três docentes entrevistados. O número de

gravações é inferior ao de docentes pesquisados, porque a quantidade de participantes envolvidos em cada entrevista variou de um a quatro, em função não só da totalidade de professores de Língua Portuguesa lotados na escola visitada e presentes no momento do trabalho, mas também, obviamente, da disponibilidade de cada um em conceder a entrevista.

Os professores exerciam suas atividades profissionais, à época do levantamento, em quinze escolas diferentes, localizadas em oito municípios pernambucanos: Recife, Olinda, Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Abreu e Lima, Limoeiro, Orobó, Escada. As interações foram previamente agendadas com os docentes e ocorreram (à exceção de duas, realizadas na Universidade Federal de Pernambuco) nas escolas onde os educadores estavam lotados.

Por sua vez, a quantidade de gravações é superior ao de escolas, porque algumas unidades escolares foram visitadas mais de uma vez, na tentativa de contemplar o maior número possível de docentes lotados em cada uma delas, atendendo-se suas conveniências em relação ao horário do encontro. O quadro a seguir indica a distribuição das entrevistas realizadas, considerando o número de participantes envolvidos em cada interação. É importante enfatizar que cada educador foi entrevistado uma única vez.

Quadro 04: Quantidade de entrevistas realizadas, por número de entrevistados envolvidos na interação

Número de entrevistados em

cada entrevista

Quantidade de entrevistas realizadas, por número de entrevistados presentes

Total de entrevistados, por tipo de entrevista

1 10 10

2 5 10

3 3 9

4 1 4

Como se pode constatar, o maior número de entrevistas (dez) contou somente com um entrevistado, enquanto apenas uma gravação foi realizada com quatro pessoas. Há cinco entrevistas com dois participantes e três envolvendo igual número de professores, totalizando assim dezenove gravações e trinta e três entrevistados.

Não parece ter exercido influência sobre a qualidade dos dados, tendo em vista o propósito da pesquisa, a quantidade de professores presentes, pois ao longo da conversação solicitávamos e recebíamos a opinião de cada um dos docentes a respeito do tema em pauta: avaliação (considerada de uma forma mais ampla) e avaliação de redações (de modo mais específico). Assim, as categorias emergiram no decorrer da interação, mesmo quando a entrevista foi desenvolvida com um único professor. Nesse caso, particularmente, mas de resto em todas gravações, os docentes pesquisados tomavam a entrevistadora como interlocutora do processo interacional, embora as atribuições de cada um(a) estivessem bem definidas, correspondendo ao modelo canônico de entrevista,

“composto de pelo menos dois indivíduos, cada um com papel específico: o entrevistador, que é responsável pelas perguntas e o entrevistado, que é responsável pelas respostas. Quando houver mais de dois participantes (...) os vários membros respondem às perguntas, mas continua havendo apenas dois papéis desempenhados – o de perguntador e o de respondedor” (Hoffnagel, 2002:181).

A escolha dos professores para a participação no estudo se deu aleatoriamente, em função de indicações dos próprios docentes. Assim, um entrevistado indicava dois ou três possíveis participantes, que, por sua vez, também apontavam outros. Todavia, para não ampliar demasiadamente o número de variáveis, o entrevistado deveria atender a um perfil mínimo,

qual seja: ser professor de Língua Portuguesa efetivo, possuir licenciatura em Letras, atuar em turmas regulares de quinta a oitava série, na rede pública de ensino do Estado de Pernambuco, em período diurno, na zona urbana.

Aspectos que não foram colocados como condição para o perfil do entrevistado variaram, como seria de se esperar, como por exemplo: o tempo de atuação no magistério dos professores oscilou de seis a vinte anos; o número de alunos por turma ficou entre trinta e três e quarenta e cinco estudantes; as escolas pesquisadas nos municípios que integram a Região Metropolitana do Recife estão situadas em zonas periféricas das cidades, enquanto as escolas dos municípios do interior localizam-se no centro das cidades.

As entrevistas foram semidirigidas, na medida em que eram colocadas perguntas específicas de interesse da pesquisa. Todavia, em grande parte do tempo, os professores falavam livremente sobre a temática, inclusive sobre aspectos não diretamente envolvidos nos questionamentos. Além disso, muitas vezes, os próprios docentes emitiam antecipadamente comentários sobre algum tópico que seria objeto de indagação posterior. Dessa forma, as perguntas acabaram não tendo uma seqüência fixa, o que, é importante considerar, está em perfeita sintonia com a proposta teórica da pesquisa de perceber a língua como uma construção social, que exige negociações e ajustes temáticos e interacionais.

O método da entrevista com um roteiro semipadronizado foi usado porque permitia construir sócio-cognitivamente o fenômeno em análise. Dando-se mais oportunidade ao entrevistado, sem interferência direta no conteúdo do raciocínio, a não ser na solicitação de esclarecimentos e na sugestão de tópicos, espera-se ter conseguido a produção de dados heuristicamente

valiosos. É a partir deles que orientamos a análise, tal como o fizemos em alguns momentos na exposição das categorias na parte teórica.

Mesmo concordando que nenhuma entrevista é isenta de alguma teoria, segundo observa Marcuschi (2001a), pois é a própria teoria que afunila a observação e a entrevista, sendo necessária uma certa acuidade para que o perigo iminente da indução dos dados seja minimizado, entendemos que o controle de parâmetros tidos como enviesados é, na realidade, praticamente impossível. No fluxo interacional, a relação entre entrevistador e entrevistado(s) é passível de negociação, o que acaba produzindo bons frutos em termos de dados. Não é outra a posição de Mondada (1997b:67), que a propósito nos alerta:

“Compreender a entrevista como um acontecimento de colaboração, no curso do qual se elabora uma versão pública e intersubjetiva do mundo, significa não tanto tentar isolar os objetos de discurso, mas se debruçar sobre os procedimentos pelos quais os participantes os propõem ou impõem, os transformam, os ratificam ou os rejeitam”.

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