• Nenhum resultado encontrado

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.2 ABORDAGENS SOBRE A AGROECOLOGIA E O PROCESSO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA

2.3.1 Características de processos socialmente inovadores

Apesar de reconhecer as dificuldades em perceber e analisar as inovações sociais em um processo de desenvolvimento, Neumeier (2012) apresenta determinadas características que contribuem para isso. Segundo ele, as IS são caracterizadas centralmente por: a) ação coletiva e colaborativa, b) partir de uma problematização e impulso inicial; c) apresentar mudança de atitude, comportamento, percepções; d) organizar- se enquanto ‘ator-rede’; e) demonstrar ‘evolução’ em relação à situação anterior; e f) além de mudanças e melhorias materiais, apresenta benefícios imateriais (qualitativos), como a concertação de objetivos de um grupo social. Exemplifica esta última característica citada com casos estudados nos quais se percebeu mudanças de perspectiva e práticas em aspectos ambientais, de produção e consumo, etc.

Tais características podem constituir processos de transição agroecológica e reconfiguração econômica e socioambiental. É o que se buscará identificar e analisar na experiência do Leste de Minas.

Podem ser identificadas as seguintes fases no processo de inovação conceituado por Neumeier (2012): a) problematização (desencadeada por um impulso inicial, um ator ou um pequeno grupo inicial de atores decide mudar o seu comportamento e atitudes; pode ter influência externa), b) manifestação de interesse (outros atores se informam e se interessam sobre a mudança de comportamento e atitudes, veem algum tipo de vantagem para na adoção das novas formas de comportamento ou atitudes e decidem imitar ou adotá-las, que seria um efeito irradiador) e c)

delimitação e coordenação (negociação de novo comportamento e atitudes com ator-rede mais desenvolvido..., processos de aprendizagem co-evolutivos e dinâmicos).

No caso da mudança dos modos de produção (de convencional para agroecológico) e na criação de formas de organização social tanto para facilitar as colaborações entre agricultores na produção como na comercialização (visando a exportação), o processo de mudanças é caracterizado por inovações sociais. As soluções e metodologias não se oferecem prontas. Como diz Neumeier [...], “a aprendizagem coletiva, de coordenação e de comunicação entre diferentes processos e atores em equipes, redes de atores e outros meios de cooperação são fatores importantes para o sucesso do desenvolvimento regional endógeno” (NEUMEIER, 2012, p. 59).

Considerando que as inovações sociais qualificam os processos de desenvolvimento, então é necessário dar destaque à análise das inovações sociais em pesquisa de desenvolvimento rural. Porém, “inovações sociais são difíceis de definir, identificar e medir” (p. 63), o que torna necessário estabelecer metodologias apropriadas de pesquisa. Neumeier aponta a perspectiva orientada ao ator como sugestão metodológica para a compreensão e avaliação dos processos de inovação social no desenvolvimento rural.

É oportuno retomar aqui também a questão da agroecologia, de forma a articular as dimensões de nossa pesquisa e focos de análise. Schmitt (2013) diz que “as abordagens agroecológicas sobre a transição [...] agregam a essa discussão um conjunto de reflexões acerca da ligação existente entre as formas produtivas e de organização social características da agricultura familiar e camponesa e o manejo ecológico dos agroecossistemas (SCHMITT, 2013, p. 191). Assim, temos a possibilidade de encontrar encadeamentos teóricos entre agricultura familiar, perspectiva orientada ao ator, organização social, agroecologia e inovações sociais.

Costabeber e Moyano (2000) abordam a transição agroecológica destacando um processo de três dimensões combinadas: econômica, ambiental e social, “a fim de estabelecer-se um quadro teórico para a compreensão das razões e atitudes dos atores sociais que se envolvem em processos de câmbio tecnológico e em formas associativas dirigidas a construção e experimentação de estilos de agricultura com base ecológica” (p. 44). Estes autores entendem a ecologização e a ação coletiva como processos complementares para se alcançar um contexto de sustentabilidade, ao que denominam de “perspectiva multidimensional”, conforme explicitado no Quadro 2.

Quadro 2 – Fundamentos básicos da transição agroecológica e da ação social

coletiva desde a perspectiva multidimensional

Dimensões e Processos Ecologização Ação coletiva

Econômica Luta contra a estagnação e a marginalização econômica Incorporação e intensificação tecnológica via implementação de estilos alternativos de produção poupadores de capital. Estratégias para incrementar e diversificar as rendas agrárias via organização da produção e conquista de novos mercados.

Social

Luta contra a exclusão social e a perda da qualidade de vida

Incremento da qualidade de vida mediante a produção de alimentos sadios e a melhora das condições de trabalho e de saúde.

Estratégias para a inclusão social e direito a participação cidadã na construção de alternativas orientadas às necessidades locais. Ambiental Luta contra a degradação ambiental e a perda da capacidade produtiva do agroecossistema Recuperação da

capacidade produtiva dos agroecossistemas através da adoção de métodos e técnicas mais prudentes ecologicamente. Estratégias para o intercâmbio de experiências e geração de conhecimentos aplicados ao aperfeiçoamento do processo produtivo. Fonte: Costabeber e Moyano (2000).

Na busca de mudanças nas estratégias tecnológicas e produtivas, a dispersão dos agricultores tende a ser substituída pela agrupação, sendo esta uma estratégia para apoiar atividades e ações fundamentais e nem sempre alcançáveis pela atuação individualizada. Porém, a seguir as ações coletivas passam a determinar as estratégias: “se transforma, assim, de "conseqüência" a "motor" do processo de transição agroecológica, dependendo de seu êxito o alcance de resultados econômicos, sociais e ambientais que assegurem a continuidade do processo de mudança” (p. 48).

Em termos socioeconômicos, identificaram nos seus estudos a importância da criatividade nos arranjos organizativos em processos e experiências agroecológicas. Argumentam que

A elaboração e colocação em prática de estratégias coletivas dirigidas ao incremento da renda agrária –via a organização da produção e conquista de mercados alternativos, por exemplo – constituiriam o fundamento principal da luta dos agricultores para superar a estagnação e a marginalização econômica a que estariam submetidos (p. 46). Os autores concluem que

A interação entre os processos de ecologização e de ação social coletiva expressaria a busca e o desejo de construção de uma alternativa tecnológica e organizacional capaz de superar a mencionada crise socioambiental que afeta e põe em risco a continuidade da reprodução socioeconômica daqueles segmentos da agricultura familiar que não querem, ou já não podem seguir ou ingressar no processo de modernização agrária segundo o padrão convencional de intensificação tecnológica (p 48).

Em artigo sobre a Rede Ecovida de Agroecologia, Rover (2011) desataca nas práticas dos membros desta Rede as dinâmicas de inovação na organização social e no mercado. Segundo este autor, a Rede Ecovida, inserida no sistema hegemônico, utiliza os instrumentos por este disponibilizados, porém, “busca produzir a fala nova, da institucionalidade nova, de arranjos instrumentais que permitirão inserir cunhas nas brechas do sistema, alargando as possibilidades de sua transformação através de processos heterogêneos” (p. 62).

Reconhecendo que a relação com os mercados (disponíveis ou construídos) permeia a dinâmica de organização e funcionamento da agricultura familiar, influenciando na sua reprodução social, Perez- Cassarino (2012) afirma ser importante que os grupos de produção em bases agroecológicas tenham uma abordagem diferenciada também em relação ao mercado. Ao se colocar como ator central nos processos relativos ao mercado, a agricultura familiar se fortalece e incide efetivamente em uma proposta alternativa de desenvolvimento rural. O autor pesquisou as estratégias desenvolvidas por grupos vinculados à Rede Ecovida; e concluiu que estes vêm criando experiências inovadoras no campo da comercialização, ou seja, atuam na construção social de mercados.

Em Santa Catarina, um grupo de pesquisa que estuda as possibilidades e inovações organizacionais da agricultura familiar para intervir no sistema agroalimentar identificou o surgimento de “redes alternativas de comercialização a partir de valores associados à agricultura familiar: orgânicos, artesanais, tradicionais, fair trade e sustentabilidade, o que pode se tornar uma vantagem estratégica para os agricultores familiares” (MIOR et al., 2014, p. 80). Observou-se um grande número e variedade de iniciativas inovadoras de produção, industrialização e comercialização, as quais representam, em diferentes medidas e de distintas maneiras, respostas à crise estrutural da agricultura, à estratégia de internacionalização (à base da especialização e exclusão

dos pequenos agricultores) pelas empresas integradoras e, ainda, como alternativas ao modelo tradicional das grandes cooperativas.

A partir desse conjunto de iniciativas organizacionais, os autores observam a

Capacidade de agência dos agricultores familiares, suas organizações e de outros atores locais para reconfigurar, recombinar, produzir “novidades”, fazer conexões, buscar maior autonomia, agregar valor econômico, articular aprendizagens, construir redes, enfim, praticar ações de desenvolvimento rural de forma alternativa ao padrão hegemônico vigente (Idem, p. 97).

Seja aproveitando e distendendo brechas ou criando novidades dentro do mercado capitalista, são inúmeras as questões, contradições e desafios que envolvem a participação da agricultura familiar neste campo. A despeito da variedade de canais que os grupos de produção agroecológica e orgânica já acessam, Schmitt e Tygel (2009) argumentam que não é suficiente ter acesso a determinados canais de comercialização: Mais do que isso, é preciso construir estratégias de mercado compatíveis com as características da produção agroecológica, em sua diversidade, sazonalidade e capacidade de agregação em termos de volume de produção.

[...] A redução da dependência em relação ao mercado de insumos, decorrente dos métodos de manejo empregados, precisa caminhar passo a passo com um esforço de construção de mercados cujas características permitam potencializar a incorporação de princípios ecológicos à gestão produtiva dos sistemas agrícolas e à estrutura e funcionamento dos circuitos de distribuição dessa produção. O desenvolvimento de mercados locais e regionais, de forma a ampliar a capacidade de gestão e de controle social por parte dos agricultores e dos consumidores sobre os processos de comercialização, surge, aqui, como um elemento importante. Esse debate acerca da localização dos circuitos de produção e consumo incorpora, além disso, uma série de questionamentos em relação aos custos energéticos e ambientais associados aos circuitos globais de produção e consumo de alimentos (SCHMITT; TYGEL, 2009, p. 122).

Schmitt e Tygel (2009) discorrem sobre as aproximações entre as experiências de produção e comercialização de produtos agroecológicos e as práticas das experiências de economia solidária. Pode-se afirmar que o desejo e as tentativas de promover formatos alternativos e solidários de mercado acompanham os grupos e práticas em torno da agroecologia e produção orgânica. Mundialmente, o denominado Fair Trade tem se apresentado e atuado como uma alternativa de comércio que leva em conta um conjunto de critérios, entre eles as relações de trabalho na produção, a sustentabilidade e preços justos.

Portanto, a partir das noções oferecidas por Neumeier (2012), teorizando experiências de países europeus, e reflexões de diversos autores a partir de estudos de caso no Brasil, pretende-se analisar a experiência de transição para o café orgânico no Leste de Minas Gerais em suas iniciativas e dinâmicas de organização social e econômica. Dentre estas, serão analisadas as tentativas de comercialização do café orgânico naquele período e referente àquele processo.

Diante da normal dispersão das famílias agricultoras, cada qual num contexto particular de produção e viabilização de sua unidade produtiva (COSTABEBER; MOYANO, 2000), do complexo mercado do café (concentrado e competitivo), acrescido das dificuldades da certificação para o mercado externo e da própria exportação do produto, é de se esperar que tenham havido estratégias e ações organizadas na tentativa de enfrentar tais desafios.

O conceito de inovações sociais será apropriado para observar se e como ocorreram iniciativas inovadoras, principalmente em relação às dinâmicas organizativas e iniciativas socioeconômicas dos atores que aderiram à agroecologia no Leste de Minas Gerais.

2.4 SÍNTESE DO REFERENCIAL TEÓRICO: PERFIL DESEJÁVEL