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CAPÍTULO 3 – O DISCURSO POLÍTICO MEDIANTE AS NOVAS TECNOLOGIAS: O

3.1 CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO POLÍTICO NA ATUALIDADE

Já na década de 1980, Pêcheux tratava das mudanças no discurso político. Na obra , (1981)21, produzida em conjunto com Françoise Gadet, aparecia, em suas linhas, ponderações sobre as transformações do discurso político na contemporaneidade. É possível dizer que o discurso político, na atualidade, está diferente daquele que era objeto da AD em seu nascedouro, nos idos anos de 1960. Na atualidade, não flagramos no discurso político a “língua de madeira” – aquela que verbalizava as ideologias estáveis, por exemplo, a do totalitarismo. Não encontramos mais o discurso inflamado, dos , advindo das ideias socialistas, mas vemos um discurso político que se vale de uma “língua de vento”, pautado no indivíduo, em sua vida particular; caracteriza&se por um discurso que se funda na subjetivação em detrimento da ideologização. Sobrepõe&se o dizer do cidadão comum àquele do homem público.

Não apenas pela ordem contemporânea do discurso que rege as sociedades democráticas, mas também pela influência das novas tecnologias, propiciadas pela difusão do ambiente virtual, do mundo das redes sociais, o discurso político sofreu transformações que se caracterizam pela fluidez dos discursos que nos impedem de circunscrevê&los a dado domínio ideológico e pela efemeridade desses discursos que passam a ter, em geral, ampla circulação e, ao mesmo tempo, curta existência. A fala pública transmuta&se em novas formas, aquelas próprias da contemporaneidade, em que o sujeito, tomado por indivíduo, é muito mais

21 Tradução brasileira: PÊCHEUX, M. )+5& %+ *%+5) : o discurso na história da linguística. Trad. Eni P. Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 2004.

45 importante do que ideologia. Disso decorre o fato de o âmbito privado se mesclar e até mesmo se sobrepor ao âmbito público, fazendo&nos supor que as novas tecnologias propiciaram a intensificação de algumas características do discurso político na atualidade.

Se pensarmos no discurso político veiculado na televisão em propagandas políticas, há uma evidência do indivíduo em detrimento das relações governamentais e, até mesmo, do partido. O político em si – seus gestos, seu modo de se vestir, sua vida etc. – é o que é mais evidenciado pela mídia, impondo, assim, que a temática pública seja absorvida pela privada, o homem público torna&se obscurecido pelo indivíduo. Nessa circunstância, o discurso político constrói&se, portanto, sob a égide do acordo, da amenidade e do esvaziamento temático próprios da fala cordial cotidiana, da docilidade que propicia o entendimento entre os diversos.

Sem dúvida, a mídia fortalece e acelera o efeito de proximidade do homem público ao seu eleitor através de recursos como o suposto acesso ao político por meio do conhecimento de seu âmbito privado e da possibilidade de perscrutar a essência desse homem a partir de sua imagem ou pela proximidade com a sua face, seja por meio de fotos em meio jornalístico, seja por programas eleitorais na TV. Dessa forma, a aparência torna&se item essencial do espetáculo político.

No entanto, em determinadas tecnologias virtuais, a aparição desse homem público mostra&se diferente conforme a disponibilidade de cada recurso. Em alguns espaços virtuais de divulgação do candidato político, o homem público não “aparece”, seu rosto, seu corpo e seus gestos não são vistos, ficamos apenas com seus dizeres. Nosso material de análise, o #& é um exemplo desse “desaparecimento”. Da mesma maneira que o político se encontra perto de seus eleitores, ele está distante. Courtine, em seu texto ,

H 4((5, faz referência aos usuários (seguidores) do #& , que poderiam

conversar pessoalmente com o Presidente: “o uso do #& , que permitiria aos internautas ‘conversar pessoalmente’ com o Presidente”22 (COURTINE, 2009b, p. 7, tradução nossa)23. O autor questiona o termo , pois não temos, não vemos um corpo, algo palpável ou passível de observação; o que temos são apenas dizeres, apenas o enunciado, sem as artimanhas do corpo, temos um fantasma. “Seríamos nós governados por fantasmas, por

22 No original: “l’usage de #& qui permettrait aux internautes « converser personnellement » avec le Président”.

23 COURTINE, Jean&Jacques I,

J " ! I

(manuscrito do autor). Comunicação oral apresentada no Colóquio "Rendez&vous de l'Histoire". Blois, outubro de 2009 (Versão preliminar deste texto traduzida na obra, , > $ 2

46 aparições que nos fariam dar crédito a uma materialidade corpórea que seriam também dela desprovida”24 (COURTINE, 2009b, p. 7, tradução nossa).

O homem político da modernidade, aquele da mídia televisiva, aprendeu a “reciclar os corpos dos homens públicos: a pedagogia do gesto, trabalho de voz, técnicas de sorriso, reforma generalizada das aparências. O corpo dos homens políticos, tanto tempo em silêncio, seria enfim posto a falar”25 (COURTINE, 2009b, p. 7, tradução nossa). Tal atitude fez, assim, o homem político aparecer, afinal, governar é aparecer (gouverner, c’est paraître) (COURTINE, 2009b).

Podemos dizer que o homem público da mídia digital não é tão diferente, por exemplo, daquele da mídia televisiva; este não é um homem que trata apenas de sua vida pública, como já não é o homem público moderno, é um homem que trata de sua individualidade, de sua privacidade, tecendo amenidades nos do #& , ocupando a internet como um lugar de campanha, na qual mostra sua vida cotidiana, mas onde, porém, não exibe seu corpo.

É possível estender a discussão de Courtine ([1990] 2003), em Piovezani (2009), sobre a mídia televisiva ao #& . Mais do que a tevê, a rede social promove uma $ , a possibilidade de diálogo, de postagens frequentes, de dizer para cada indivíduo diretamente corrobora a proximidade, mesmo não estando presentificado o corpo. Estamos a quilômetros de distância daquele interlocutor, porém a poucos metros de sua intimidade.

Assim, o espetáculo político da aparição, que o presentifica para governar, muda, pois temos agora um desaparecimento da figura do homem público. Agora se governa escondido, desaparecido, e também se faz política dessa maneira, pela mídia digital: “se há algo que assombra o espetáculo político contemporâneo [...] é o espectro de sua desencarnação. Governar é aparecer, nos é dito. E se fosse, igualmente, desaparecer?”26 (COURTINE, 2009b, p. 7, tradução nossa).

A rede social Twitter está construindo um novo espetáculo político, pautado no “desaparecimento” do corpo. Na atualidade, governar não é mais aparecer, pode ser também

24 No original: “Serions&nous gouvernés par des fantômes, des apparitions auxquelles nous ferions le crédit d’une matérialité corporelle dont elles seraient dépourvues? ».

25 No original: “recycler le corps des personnes publiques : pédagogie du geste, travail de la voix, techniques du sourire, ravalement généralisé des apparences. Le corps des hommes politiques, si longtemps muet, se serait enfin mis à parler”.

26 No original: “s’il y a quelque chose qui hante le spectacle politique contemporain […], c’est bien le spectre de sa désincarnation. Gouverner, c’est paraître, nous dit&on. Et si c’était, tout autant, disparaître?”.

47 desaparecer, ou melhor, não estar. O corpo que outrora falava, na contemporaneidade das redes sociais, desaparece.

A internet, nos anos 2000, tornou&se mais um lugar de veiculação do discurso político, que recebeu novos gêneros de discursividade. Com o advento e a expansão das redes sociais, o discurso político foi massivamente veiculado nas diversas redes, como Facebook, Orkut e #& . Tais redes estavam disponíveis para o contato com o eleitor, aumentando a exposição do sujeito, mesmo sem a “fala do corpo”, fato que, durante o período eleitoral, é de grande importância. Mesmo não tendo a presença do corpo do candidato, temos nas redes sociais a possibilidade de divulgação e de interação, pois observamos a presença do dizer de cada candidato. Além das redes sociais, os sites também contribuíram muito para a campanha eleitoral, permitindo atualizações diárias de conteúdo, acesso aos programas de campanha e também a interação com o eleitor, que tinha a possibilidade de dar sugestões aos candidatos e de contar histórias pessoais.

Pretendemos, a seguir, focalizar o #& , avaliando o funcionamento do discurso político nesta rede social a partir de estratégias identificadas em nossas análises.

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