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4 RESGATANDO O IMAGINÁRIO DOCENTE

4.5 Características do saber docente

Dentre as características dos saberes citados por Tardif (2002) encontramos vários deles nos depoimentos de nossos colaboradores; observemos através dos enunciados dos nossos colaboradores como essas características são compreendidas.

4.5.1 A temporalidade dos saberes docentes

Perguntados se hoje se consideravam melhores professores do que quando iniciaram a lecionar; sobre a interferência do tempo na construção de seus saberes e reconstrução de suas identidades como professores, houve unanimidade entre os professores entrevistados; todos foram edificando seus saberes à proporção que interagiram com os alunos. Observamos, porém, através de seus depoimentos, que tais transformações ocorrem de modo distinto e peculiar em cada um deles.

No primeiro semestre que comecei a dar aulas me sentia um fracasso; me perguntava o que eu estava fazendo aqui; eu tremia quando entrava na sala pra dar aula e saia frustrada, com vergonha de mim mesma; quase desisti; eu não contava com ninguém no departamento; [...] mas eu venci; ralei muito; às vezes eu lembrava de alguns professores, de coisas que faziam quando davam aula; mudava a aula toda , mudei várias vezes e melhorei; foi na marra mesmo; no segundo semestre eu já via que os alunos me respeitavam mais; eu já dava aulas melhores; passei a me sentir professora, a merecer o título; hoje então eu sei o que eu sei e o que eu sou, e que posso ser sempre melhor [...] (Rosa).

Há unanimidade quanto à influência do tempo no saber fazer docente, as experiências vão sendo corporificadas, re-traduzidas e adaptadas às novas situações; mas muitos sonham em ser cada vez melhor e são esses sonhos que fazem o ideário pedagógico mutável e dinâmico; ouçamos o discurso dessa professora:

[...] ainda tenho muito a melhorar em mim mesma e nas coisas da universidade; a gente se acomoda e vai fazendo as coisas do mesmo modo que os professores mais antigos (até porque se a gente quiser fazer diferente só compra briga com os mais antigos); mas eu ainda tenho ideais; sonho mudar por exemplo as avaliações, dinamizar as aulas, pra sacudir os alunos [...]. Eu acho que sou uma educadora, não estou aqui só para transmitir uns poucos conceitos (Rita).

Sobre os sonhos Freire (2000, p. 54) assim se expressa: “os sonhos são projetos pelos quais se luta, sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculo. Implica, pelo contrário, avanços e recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta”.

A docente embora esteja cônscia de seu papel social como professora, o qual comporta valores éticos, morais, políticos, rebela-se, e questiona a prática que lhe é imposta.

A característica daquele que não se sente à vontade na alienação é a recusa do papel (HELLER, 2000, p.96). Freire (2000, p.113) diria que a docente estava condicionada, mas não determinada a seguir a práxis possível, muito diferente da sonhada. Mesmo sem consciência explícita do por que, a professora quer libertar-se dos ditames da racionalidade técnica, que considera os professores meros executores de decisões alheias.

Para Pimenta (2002, p.13), “as transformações das práticas docentes só se efetivam se o professor ampliar sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula [...]”, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade; o que pressupõe ainda uma reflexão crítica sobre a prática docente real.

Os sonhos também mudam no decorrer do tempo, por serem fruto dos ideais; o tempo traz a maturidade e a confiança, produto das experiências vivenciadas na rotina da sala de aula; vejamos o que nos diz outro docente:

Eu acho que todo professor sofre as mesmas dúvidas e medo que sofri no início, só não confessa; mas a gente vai ganhando mais confiança em si mesmo à proporção que estuda mais; quando a gente sabe bem a matéria que ensina deixa de tremer, não dá mais branco a cada pergunta; taí numa coisa que eu mudei radicalmente: no início como eu tinha medo das perguntas dos alunos, eu tinha, confesso, eu fazia de tudo pra não deixar eles perguntarem; e eu me odiava porque me sentia igual a um professor que humilhava a gente, toda vez que fazíamos perguntas na aula; [...] mas eu descobri que eu aprendia com os alunos e também com suas perguntas; agora eu instigo eles pra perguntar e tenho coragem pra dizer que não sei responder alguma pergunta; porque hoje eu sei que eles me respeitam, eu passo segurança porque eu mostro que sei o que ensino [...]. hoje eu me sinto professor, eu mudei muito, evolui, vejo isso nos olhos dos alunos; eles me respeitam como profissional [...] isso a gente só ganha com o tempo, com a experiência; hoje eu digo de boca cheia: sou professor[...] (Leo).

Esses dois depoimentos anteriores demonstram claramente a relação do

tempo com a sedimentação da identidade profissional, na concepção dos depoentes. Percebemos ainda que o saber docente vai sendo construído e reconstruído com o passar do tempo (por conseguinte mutável e dinâmico), buscando subsídios em experiências vividas na escola básica e até faculdade, no âmbito do trabalho e na interação com outros atores sociais (portanto, também dialético), em períodos anteriores à vida profissional em consonância com Tardif (2002).

O enunciado dele expressa ainda seus dilemas, suas frustrações e decepções no início do aprendizado; a superação arduamente conseguida na solidão da sala de aula e na interação com os alunos; fatos que gradualmente auxiliam na construção de sua identidade docente.

Segundo Fontana (2000, p. 147): “vivenciadas no isolamento e na solidão, as frustrações e ansiedades, decorrentes das dificuldades encontradas no trabalho, aumentam, resultando nos sentimentos de despersonalização, de paralisia da imaginação e de regressão intelectual [...]”.

4.5.2 A pluralidade do saber docente

Baseadas em Gauthier (1998), indagamos aos entrevistados se para ser um bom professor bastava, isoladamente: a) ter talento, b) ter bom senso, c) ter cultura geral, d) ter experiência, e) seguir a intuição e f) conhecer o conteúdo da disciplina ensinada. Todos foram unânimes ao afirmarem que o bom professor é um misto de

todas essas características e outras mais, que apenas talento ou conhecimento da matéria ou outro item qualquer sozinho não garantem a eficiência de um professor. Concluímos, por conseguinte, que o imaginário dos professores inquiridos vai de encontro à teoria de Tardif (2002), que preconiza a pluralidade do saber docente.

O enunciado desse docente ratifica essa crença:

[...] na minha opinião, o professor deve ter uma cultura geral, uma boa bagagem de conhecimentos da sua profissão, para poder fazer um liame entre sua disciplina e as demais e ainda para dar bons exemplos práticos; com isso ele consegue motivar os alunos, porque eles entendem pra que serve aquele aprendizado (Raimundo).

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