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Características epidemiológicas dos casos humanos no Brasil

No documento Lúcia Regina Montebello Pereira (páginas 45-52)

Conforme demonstra a figura (1), série histórica dos casos de LV registrados no Brasil período de 1990 a 2009, observa - se um grande crescimento das notificações em 2000 (4.858). Pode-se inferir que ocorreu um comportamento epidemiológico diferenciado da doença. Os dados apontam um possível surto endêmico-epidêmico, igualmente, a região nordeste acompanhou este padrão. Essa região foi responsável por 4.029 casos representando 83% de todos os casos notificados de LV no mesmo ano em destaque. Já as regiões norte e sudeste representam 7,5% e 6,5% respectivamente. Em 2009, o nordeste apresentou 47% dos casos notificados no país, enquanto que as regiões norte e sudeste apresentaram índices de 19,4% e 17,4% respectivamente, expressando uma tendência para aumento significativo de casos, agora em outras regiões. Para a região centro oeste em 2009, os índices alcançaram 7,6% e os casos de procedência ignorada representaram 8,6% (Sinan). Nota-se que em 2004 e 2007 os índices voltam a crescer na região norte e sudeste.

A distribuição de casos ao longo da série histórica mostra claramente uma situação endêmica com redução dos casos da região nordeste e aumento progressivo dos casos nas regiões norte, sudeste e centro-oeste no período em estudo.

A Leishmaniose Visceral (LV) é uma doença emergente em diferentes áreas urbanas brasileiras. Transformações ambientais associadas a movimentos migratórios e ao processo de urbanização podem explicar, em parte, o porquê da LV, originalmente uma doença restrita às áreas rurais, passar a ocorrer de forma endêmica e epidêmica em cidades urbanizadas. Este processo desordenado de ocupação urbana resultou em condições precárias de vida das populações de baixa renda em ambientais insalubres, que podem ter influenciado a emergência da doença no meio urbano. Por um lado, o vetor Lutzomyia longipalpis se adapta facilmente às condições peri-domésticas de áreas depauperadas ou modificadas pelo ocupação do homem e dos processos produtivos, contribuindo para o acúmulo de matéria orgânica gerada nesse processo. Cães abandonados, vagando na periferia da cidade, podem se infectar quando entram em contato direto com reservatórios selvagens e, ao retornarem para o interior da cidade, servem como amplificadores da infecção para outros cães sadios e o homem (COSTA, 2007).

Figura 1 - Casos confirmados de leishmaniose visceral, Brasil e grandes regiões, 1990 a 2009*. 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009**

Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro-Oeste Brasil

Fonte: SINAN/SVS/MS;

A letalidade da LV passou de 3,2% (155/4.858) em 2000, para 5,8% (222/3.841) em 2009, representando um significativo aumento de aproximadamente 1,8 vezes (Figura 2). Destaca-se que as maiores ocorrências de letalidade foram verificadas no biênio 2003 - 2004, quando alcançaram 8,5% e 8,3%, respectivamente.

Figura 2 - Letalidade e óbitos de LV Brasil, 2000 a 2008.

Fonte: SINAN/SVS/MS

No Brasil, o coeficiente de incidência da LV por 100 mil habitantes, durante o período de 1990 a 2009, atingiu a média de 1,8 casos/100mil habitantes, enquanto que a região nordeste apresentou, no mesmo período, índice médio de 4,6 casos/100 mil habitantes, ou seja, 2,5 vezes maior que a média do Brasil. A região nordeste, nos anos de 1995 e 2000, alcançou aumento significativo nos índice de incidência de 7,8 casos/100 mil habitantes e 8,4 casos/100 mil habitantes, respectivamente. Nestes anos de 1995 e 2000, o Brasil atingiu o coeficiente de incidência de 2,5 casos/100 mil e 2,9 casos/100 mil. Mais uma vez, a região nordeste superou o índice nacional, aproximadamente, o triplo. Isso nos leva a interpretar uma possível epidemia na região.

A incidência da doença é maior no gênero masculino, nas faixas etárias de crianças menores de 10 anos e pessoas acima de 50 anos. Alcançam índices

maiores de óbitos e internações hospitalares nas faixas etárias acima descritas, com período médio de permanência de 14 dias na rede do SUS (DATASUS, 2008). Segundo Manual Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral, Brasil (2006), a vigilância epidemiológica é um dos componentes do Programa de Controle da Leishmaniose Visceral (PCLV), cujos objetivos visam reduzir as taxas de letalidade e o grau de morbidade através do diagnóstico e tratamento precoce dos casos, bem como diminuir os riscos de transmissão mediante controle da população de reservatórios e do agente transmissor. O programa compreende a vigilância de casos humanos e casos caninos e a entomológica. Dentre os objetivos da vigilância destacam-se: Identificar as áreas vulneráveis e/ou receptivas para transmissão da LV; Avaliar a autoctonia referente ao município de residência; Investigar o local provável de infecção (LPI); Conhecer a presença, a distribuição e monitorar a dispersão do vetor; Dar condições para que os profissionais da rede de saúde possam diagnosticar e tratar precocemente os casos; Dar condições para realização do diagnóstico e adoção de medidas preventivas, de controle e destino adequado do reservatório canino; Investigar todos os supostos óbitos de LV; Monitorar a tendência da endemia, considerando a distribuição no tempo e no espaço; Indicar as ações de prevenção de acordo com a situação epidemiológica; Desencadear e avaliar o impacto das ações de controle e Monitorar os eventos adversos aos medicamentos de uso humano.

A seguir, para um melhor entendimento, estão descritos os conceitos básicos

das áreas para vigilância segundo a definição contida no manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral (BRASIL, 2006).

Áreas de transmissão: entende-se como área de transmissão o setor, o conjunto de setores ou o município onde esteja ocorrendo a transmissão de LV; Área sem casos ou silenciosa: municípios sem registro de casos autóctones de leishmaniose visceral humana ou canina; Área com casos: municípios com registro de pelo menos um caso autóctone de leishmaniose visceral humana ou canina; Áreas vulneráveis: são municípios sem casos autóctones de LV humana e/ou LV canina, mas que atende um ou mais dos seguintes critérios estabelecidos: municípios contíguos aos municípios com casos de LV; ou que possuem fluxo migratório intenso; ou que fazem parte de um mesmo eixo viário dos municípios com casos de LV; Áreas não vulneráveis: são municípios que não atendem os critérios

para as áreas vulneráveis; Áreas receptivas: são os municípios que, após a realização do inquérito entomológico, verificou-se a presença do L. longipalpis ou L.

cruzi; Áreas não receptivas: são os municípios que, após a realização do inquérito

entomológico, verificou-se a ausência do L. longipalpis ou L. cruzi; Áreas com registro do primeiro caso autóctone de LV: são os municípios que registraram pela primeira vez a autoctonia da doença em humanos; Áreas com transmissão esporádica: municípios cuja média de casos de LV nos últimos cinco anos é inferior < 2,4 casos; Áreas com transmissão moderada: municípios cuja média de casos de LV nos últimos cinco anos constitui ≥ 2,4 e < 4,4 casos; Áreas com transmissão

intensa: municípios cuja média de casos de LV nos últimos cinco anos está acima ≥

4,4casos; Áreas em situação de surto: municípios com transmissão, independente de sua classificação, que apresentem um número de casos superior ao esperado ou municípios com transmissão recente, que apresentem dois ou mais casos.

OBS: áreas em processo de investigação: os municípios com casos suspeitos humanos ou caninos deverão aguardar a conclusão da investigação para classificá- los em uma das definições citadas anteriormente. Nesta situação o município será classificado como “área em investigação”.

É importante evidenciar que as medidas de controle são distintas para cada situação epidemiológica encontrada.

Para o período de 2006 a 2008 os municípios foram analisados e classificados quanto ao risco epidemiológico, sendo descritos a seguir: sem casos de LV = 4.308 municípios; transmissão esporádica = 1040; transmissão moderada = 88 e transmissão intensa = 129 municípios.

Para o período de 2006 a 2008, a estratificação mostra 217 municípios com transmissão moderada e intensa, que são prioritários para o desenvolvimento das ações de controle (Mapa 1).

Mapa 1 Estratificação dos casos de LV no Brasil, 2006 a 2008.

Fonte: Dados do SINAM/SVS/MS

As ações de controle normatizadas pelo programa de vigilância e controle da Leishmaniose Visceral (PVC - LV) do Ministério da Saúde são distintas e adequadas para cada área a ser trabalhada, segundo a estratificação, sendo que para aquelas classificadas como de transmissão intensa e moderada as ações e medidas preventivas são as mesmas, visando a priorizar as áreas com maior risco de transmissão e permitindo um planejamento adequado, racional e exeqüível. É importante que as ações sejam realizadas de maneira contínua e avaliadas a cada ano, para que os objetivos propostos pelo PVC - LV possam ser atingidos, principalmente no que refere à redução da mortalidade humana (BRASIL, 2010).

Destacam-se aqui as principais medidas preventivas, baseado no manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral (BRASIL, 2006), em relação ao reservatório doméstico (cão), pauta do estudo: 1 - controle da população canina por captura de cães irrestritos de forma continua nas áreas urbanas; 2 - Vacina antileishmaniose visceral canina, cabe informar que existe vacinas contra a leishmaniose visceral canina registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), porém, estas não possuem constatação de seu custo- benefício e efetividade para o controle de reservatório da leishmaniose visceral canina em programas de saúde pública. O processo de análise dos resultados dos estudos para a comprovação desta efetividade encontra-se, no momento, em trâmite no MAPA; 3 - Uso de telas em canis individuais ou coletivos; 4 - Coleiras Impregnadas com Deltametrina a 4%%; 5 - Ações educativas são fundamentais no processo de democratização das informações para esclarecimento sobre os riscos da doença, junto as comunidades locais, redes de ensino básico e fundamental e divulgação nos meios de comunicação. Um aspecto importante nos casos de doação de animais em áreas com transmissão de LV humana ou canina é que, antes de proceder à doação de cães seja realizado previamente o exame sorológico canino.

Ainda de acordo com o manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral (BRASIL, 2006), as ações de controle quanto ao reservatório doméstico (cão): eutanásia de cães, a prática da eutanásia canina é recomendada a todos os animais sororreagentes e/ou parasitológico positivo. Para a realização da eutanásia, deve-se ter e seguir rigorosamente os métodos baseados na Resolução n.º 714, de 20 de junho de 2002, do Conselho federal de Medicina Veterinária, que dispõe sobre os procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências.

Segundo Werneck (2008), a expansão geográfica e urbanização da leishmaniose visceral no Brasil é um fenômeno notável desde a década de 1980. Entretanto, o detalhamento dos motivos relacionados a este processo, assim como sua própria caracterização e as implicações em termos de ações de controle da doença vêm desafiando pesquisadores e profissionais da área de Saúde Coletiva. Os dados epidemiológicos até aqui descritos não exaurem todas as causalidades pelas quais possa ser justificada a dispersão da doença no país.

No documento Lúcia Regina Montebello Pereira (páginas 45-52)