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CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS FÁBULAS DE LA FONTAINE

2. LA FONTAINE

2.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS FÁBULAS DE LA FONTAINE

Quando observamos de perto alguns aspectos da biografia de La Fontaine, chama-nos a atenção o fato de La Fontaine nunca ter se prendido seriamente a regras. Prezava, acima de tudo, a sua individualidade. Esse cultivo da sua individualidade e da defesa de seu próprio gosto pode ser percebido também em sua produção literária, mais especificamente, na produção de fábulas. “Mesma liberdade, idêntica diversidade na vida e na obra” (LITERATURA, 1972, p.246). Da mesma forma que não se sentia preso a Fouquet, uma vez

que freqüentava a casa de outros nobres e intelectuais, também não produzia exclusivamente de acordo com os princípios dessa ou daquela corrente literária. Inspirava-se, por exemplo, nos Antigos, mas, ao mesmo tempo, valorizava o folclore medieval ou local, como queriam os Modernos.

Optando sempre pela diversidade, as maiores preocupações de La Fontaine na produção literária eram atingir os objetivos relacionados à fruição estética, à crítica social velada e ao gosto do público. Como já frisamos no primeiro capítulo deste trabalho, ao adaptar as fábulas de Fedro e Esopo, colocando-as em verso, La Fontaine justifica a sua iniciativa, mas deixa claro que o sucesso dependerá mesmo do julgamento do público, e isso lhe importava muito. Aliás, essa preocupação com a recepção prazerosa da obra era uma das grandes preocupações de boa parte dos escritores existentes na França do século XVII. Mesmo no período em que os clássicos da Antiguidade eram o grande paradigma, como destacamos anteriormente, a obra neles inspirada deveria ser transformada e aproximada ao contexto histórico, social e político, de modo a satisfazer as expectativas e os interesses. “O saber antigo sofre diversas mutações que o tornam utilizável pelos homens do grande século. É apurado, acomodado ao gosto da época para não chocar as conveniências” (APOSTOLIDÈS, 1993. p.73).

Como disse La Fontaine, cuja afirmação já destacamos no capítulo anterior, na França, a obra só era considerada se agradasse. É evidente que, nesse processo de avaliação da obra por parte do público, os indivíduos marginalizados das três ordens sociais não eram considerados. Na verdade, a obra deveria agradar mesmo ao monarca e às pessoas a ele ligadas. O grande desafio do homem de letras, portanto, era inovar ou escrever uma obra de qualidade sem criar conflitos que comprometessem a sua carreira. Os aprovados nessa maratona certamente entraram para a história e são até hoje admirados. La Fontaine é, de fato, um dos melhores exemplos de resistência naquele contexto. A linguagem poética de suas

fábulas, caracterizada, entre outras coisas, por uma combinação original de fantasia, ritmo, rima e métrica, impedia que as fortes críticas fossem notadas. O aparato artístico dissimulava a intenção satírica. Para Sollers (1995, p.8), “a música de La Fontaine envolve e dissimula o pensamento, que possui por sua vez um ar simples, claro e evidente, embora seja provavelmente um dos mais estranhos e mais livres de todos os tempos”.

A principal característica da fábula clássica antiga era a brevidade da narrativa e o único objetivo era a transmissão da moral. Esforçando-se por parecer modesto, La Fontaine afirma ser incapaz de cultivar a concisão do gênero, pois não tinha o talento de Esopo e Fedro e sua língua materna não o favorecia.

Mas sob essa aparência humilde e discreta consegue dar vazão ao gosto pela mutação e diversidade (“Necessito de coisas novas, mesmo que não existissem no mundo”), à inconstância, à impaciência tão características de seu temperamento. (LITERATURA, 1972, p.248)

De fato, todos reconhecem hoje o talento genial de La Fontaine como escritor e poeta. Ao escrever fábulas, dando mais corpo à narrativa, ele o fez não por falta de talento, mas porque executava uma sábia estratégia que lhe abria caminho para o cumprimento de vários outros objetivos, os quais já destacamos neste mesmo texto: dar vazão a sua vocação literária e poética, divertir o público e denunciar as injustiças de seu tempo. Mesmo que suas denúncias não fossem percebidas pela maior parte dos nobres aristocratas, elas eram um dos poucos canais de demonstração das necessidades do povo, e eram também um sintoma antecipado das mudanças que ocorreriam depois com a Revolução Francesa.

Além de produzir narrativas mais interessantes, imprimindo-lhes mais realidade e detalhes, La Fontaine não tem compromisso fixo com a presença da moral, como ocorre no estilo esopo-fedriano. Às vezes, coloca-a em forma de promítio ou de epimítio, mas, não raro, prefere deixar que ela venha disseminada na própria narrativa. Nesse caso é o leitor quem terá de deduzi-la de acordo com sua capacidade ou sensibilidade. Em seu “Prefácio”, La Fontaine afirma:

Quanto à moralidade, [...], nenhum deles [os Antigos] a dispensou. Se a mim me cabe fazer, é apenas nos caminhos em que ela não pode penetrar com graça e onde é fácil ao leitor supri-la. [...] Acreditei que não fosse crime ir além dos antigos costumes, quando não pudesse pô-los em uso, sem ofendê-los. (LA FONTAINE, [1971?], p.24)

Já vimos antes que a fábula é um gênero prosaico. Mas La Fontaine prefere o verso e justifica que não é ele o primeiro a produzir fábulas em forma de poesia. Salienta que Sócrates, Fedro e Avienos já o fizeram antes e que, mesmo em sua terra, já havia exemplos esparsos dessa iniciativa. Bem ao gosto de Perry, como vimos no primeiro capítulo, para quem a fábula só podia ser literária quando fosse escrita em verso, todas as fábulas de La Fontaine são escritas em forma de poesia. Mas é interessante observar que, diferentemente da regra geral do classicismo, as fábulas de La Fontaine não têm uma métrica rígida. Ele opta pelo verso variado ou irregular (precursor do verso livre), variando a quantidade de sílabas ao sabor dos fatos e, por meio disso, obtém um efeito diferenciado e original. Há quem diga que, em sua poesia, o verso irregular e a presença freqüente do enjambement evidenciam marcas da prosa, mas, no caso de La Fontaine, isso pode ser, também, um meio de transportar o desejo de liberdade para a forma da fábula. Ao comentar a crítica de Marc Fumaroli, Sérgio Augusto (1995, p.9) afirma que La Fontaine tornou-se original por “ter ele libertado a poesia da métrica e inventado uma ‘versificação virtuosa’, fluida como ‘uma peça musical’”.

A variação da métrica em suas fábulas surpreende porque, às vezes, parece descabida ou inesperada como, por exemplo, ocorre em “La Cigale et la Fourmi”, fábula que analisaremos no próximo tópico. Dos 22 versos dessa fábula, somente um (o segundo) possui três sílabas métricas, todos os demais possuem sete.

O verso estende-se ou abrevia-se, acelera ou retarda o seu ritmo para alcançar o movimento do pensamento ou da ação. [...] Inimigo da eloqüência, ele [La Fontaine] nunca alteia a voz. O verso parece desdobrar- se para acompanhar os movimentos mais elevados do pensamento e da alma; e logo uma palavra corriqueira, uma observação nos transporta novamente à terra. Nada mais característico de La Fontaine que essas dissonâncias sutis. (LITERATURA, 1972, p.249-51)

A diversificação é algo tão freqüente em La Fontaine que, até nos casos em que resolve manter esquemas rígidos de métrica e ritmo, essa iniciativa torna-se uma forma de variar. Poderíamos dizer que, na produção de fábulas, em certo sentido, ele transforma aquilo que seria regra, de acordo com o classicismo, em exceção. Dessa forma, as fábulas construídas em esquemas fixos são tão criativas quanto às demais.

As fábulas de ritmo uniforme não são, sob o aspecto da versificação, as menos sábias [...]. Em “Le rat de ville et le rat dês champs” e “Le combat

des rats et des belletes” o heptassílabo traduz na perfeição o caminhar

furtivo e a debandada dos ratos. Faz maravilhas em “Le satyre et le

passant”, através das entonações adequadas, da clareza de desenho, do

relevo sóbrio e puro. (LITERATURA, 1972, p.249)

Assim como a métrica e o ritmo, a rima também se destaca nas fábulas de La Fontaine, acentuando o gosto musical do poeta. É sabido que “La Fontaine adorava música, deliciava-se com o melancólico dedilhar de um alaúde, e há quem sinta em sua obra uma sutil influência da música camerística do século 17” (AUGUSTO, 1995, p.9).

Ao utilizar os inúmeros recursos possibilitados pela poesia, estando estes somados ao seu talento individual, La Fontaine abre uma nova página na história da fábula. Na alta sociedade parisiense do século XVII, as repercussões eram das mais positivas, assemelhando- se à avaliação de Madame de Sévigné, citada no tópico anterior. Entre os críticos, de um modo geral, a reação também não era (e não é) diferente. Registremos aqui uma das significativas apologias expressas no século XVIII, sendo, por isso, uma das mais antigas:

La Fontaine trouxe para o apólogo a pintura dos costumes e o aproximou do campo da poesia, fazendo de seu livro uma comédia em mais de 100 atos. Seu caráter distintivo é a maravilhosa maneira pela qual conduz o leitor ao lugar da ação, dotando cada uma de suas personagens de um caráter particular, cuja unidade se conserva na variedade de suas fábulas, e, sobretudo, atribui-lhes uma personalidade que não se confunde com qualquer outra. Seu estilo é simples, natural, elegante, gracioso; quando necessário, sublime, e em todas as ocasiões dotado de uma sensibilidade tão comovedora quanto positiva. É indubitavelmente um dos exemplos mais assombrosos que oferecem as literaturas de todos os séculos, porque dificilmente se achará poeta que reúna essa flexibilidade de espírito e de imaginação com que elabora todas as nuanças do assunto que desenvolve.

(CHAMFORT, 1774 apud ENCICLOPEDIA, 1924, p.242, tradução nossa)25

Por mais que houvesse unanimidade na aprovação do estilo do fabulista La Fontaine, houve, contudo, alguns críticos que reprovaram suas inovações. Ele mesmo faz alusão a um deles em seu “Prefácio”: “Apenas um dos mestres da nossa eloqüência desaprovou o desejo de pô-las em verso: admitiu que o seu principal ornamento é o de não ter nenhum” (LA FONTAINE, [1971?], p.17). O alemão Lessing, fabulista e crítico da fábula do século XVIII, também traça um paralelo entre os estilos esopo-fedriano e lafontainiano, para depois partir em defesa do primeiro estilo. Em 1759, publica a obra Fabeln na qual rejeita, com veemência, as modificações introduzidas por La Fontaine que, para ele, soam como se fosse uma “hiperliterarização” ou “perversão do gênero fabulístico” (PORTELLA, 1979, p.35). Em outra de suas publicações afirma:

La Fontaine conhecia os antigos bem demais, a ponto de não poder ignorar o que seus modelos e a natureza exigiam para uma fábula perfeita. Ele sabia que a brevidade era a alma da fábula e confessou que seu mais nobre atavio era não ter atavio de espécie alguma. (LESSING, 1977, v.2, p.53 apud PORTELLA, 1979, p.20)

Entretanto, como acentuam os seus próprios biógrafos, La Fontaine era distraído, mas não além do natural, tanto que em seu “Prefácio”, antevendo possíveis críticas, explicita as razões que o levaram a dar um novo perfil para fábula. Preocupado com a reação do “público”, ele deixa uma resposta pronta aos questionadores virtuais:

[...] eu apenas pediria que [os críticos não fossem tão severos e que acreditassem] que as graças lacedemônias não são tão inimigas das musas francesas, que não se possa muitas vezes fazê-las seguir juntas. [...] considerei que sendo tais fábulas conhecidas de todos, eu nada teria feito de mal se as tornasse novas por alguns traços que melhorassem o gosto. É o

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La Fontaine ha traído al apólogo la pintura de las costumbres y el apólogo al campo de la poesia, haciendo de su libro una comedia em más de 100 actos. Su carácter distintivo es una maravillosa aptitud para trasladarnos al lugar de la acción, dotar a cada uno de sus personajes de un carácter particular, cuya unidad se conserva en la variedad de sus fábulas, y, sobre todo, para hacerlos vivir con una personalidad que no puede confundirse com otra alguna. Su estilo es sencillo, natural, elegante, gracioso; cuando lo exige la índole del asunto, sublime, y en todas ocasiones dotado de una sensibilidad tan conmvedora como positiva. Es indudablemente uno de los ejemplos más asombrosos que ofrecen las literaturas de todos los siglos, porque dificilmente se hallará poeta que reúna esa flexibilidad de espíritu y de imaginación con que sigue todos los movimientos del asunto que desarrolla.”

que hoje se pede: quer-se a novidade e a graça. Eu não chamo graça o que excita o riso, mas um certo encanto, um ar agradável que se pode dar a todos assuntos até aos mais sérios. (LA FONTAINE, [1971?], p.17-20)

Certo ou errado, isso não vem ao caso, o fato é que as fábulas de La Fontaine, como já vimos, agradaram ao público e fizeram escola. Embora a linguagem fosse refinada, elas eram suaves, agradáveis e fugiam ao aspecto didático e impessoal das fábulas antigas. O cenário criado era bem pessoal, lembrando, às vezes, a paisagem bucólica da terra natal do poeta e, em outras, a rotina da corte parisiense.

Vimos no tópico anterior que La Fontaine definiu-se como fabulista depois de vivenciar a experiência de produzir diversas formas de literatura. No entanto, quando opta pela fábula, ele não deixa de variar os gêneros e acaba fundindo-os em um só “ao qual modestamente chamou de ‘fábula’” (LITERATURA, 1972, p.253). Numa comparação com a área musical, poderíamos afirmar que o poeta procurava entoar a mesma canção nos mais diferentes tons. Cada fábula trazia uma novidade, já que seu maior temor era tornar-se plagiário de si mesmo. Dessa forma, outra de suas estratégias, como já referimos anteriormente, era fazer com que gêneros diferentes fossem adaptados ao gênero fabular:

“L’homme entre deux ages et sés deux maîtresses poderia ser um conto;

Contre ceux qui ont le goût difficile”, uma epístola; “L’ivrogne et sa

femme”, um epigrama mais extenso. “L’astrologue qui se laisse tomber

dans un puits” representa longa meditação filosófica; “Philomèle et

Progné”, pungente elegia; “La femme noyée”, obra-prima de malícia e

humor negro. [...]“Le songe d’un habitant du Mongol é uma confidência

lírica, “Tircis et Amarante”, uma pastoral maliciosa, “Les souris et le chat-

huant”, uma observação naturalista, “Le paysan du Danube”, um painel

histórico, “Le lion”, um ensaio político, “Le mal marié”, um conto gaulês

Le berger et le roi”, um conto moral, “Les souhaits”, um conto de fadas.

(LITERATURA, 1972, p.248-51)

É interessante observar que quanto à polêmica questão dos Antigos e Modernos, La Fontaine, como vimos, não se posiciona nem de um lado e nem de outro, porque, na verdade, como destaca Teófilo Braga, ele tem uma “dupla simpatia”. Ele estabelece uma “solidariedade entre a civilização greco-romana e a medieval, por isso é e sempre será o gênio querido da cultura moderna, que se afirma pelo conhecimento da continuidade histórica” (BRAGA,

[1971?], p.89). La Fontaine espelhava-se nos antigos, mas encontra nos modismos populares do folclore francês o efeito peculiar para os seus textos. Isso acontece, certamente, porque “a forma simples do vulgo condiz com os quadros primitivos da concepção mítica da fábula” (BRAGA, [1971?], p.87). Esse processo de mistura do clássico e do popular pode ser notado também na diferenciação das fontes de suas coleções de fábulas, na medida em que vão sendo publicadas. A primeira coleção, que engloba os livros I a VI, foi basicamente inspirada na tradição esópica. A segunda e a terceira, formadas pelos livros VII a XI, contém fábulas um pouco mais extensas, uma vez que, além da esópica, inclui textos de origem indiana, mesclados a narrativas recentes. O último volume, correspondente ao livro XII, é ainda mais variado, contendo textos de origem diversa e principalmente vindos dos Fabliaux medievais. Assim, conciliando a erudição do classicismo francês e o legado das tradições medieval e popular, La Fontaine obtinha uma combinação ideal a ponto de conseguir ser original sem ter a menor pretensão de sê-lo: “o que compete ao gênio é a forma, é a síntese filosófica, é a conclusão moral. Tudo enfim que revela o cunho da poderosa individualidade, e que nos descobre o trabalho da sua idealização” (BRAGA, [1971?], p.83).

Mas ao lado das inúmeras alterações realizadas por La Fontaine, existem, em sua obra, fortes lances de fidelidade aos antigos e, por conseguinte, ao classicismo francês. Faz sempre questão de destacar que, grande parte de suas personagens, já eram habitantes primitivos das fábulas de Esopo. Além disso, mantém a mesma simbologia animal presente nas fábulas de seus antecessores. Assim, a raposa representa a astúcia, o leão é o rei, a formiga representa o trabalho, e assim por diante. Como afirma Novaes Coelho, ele repetiu até mesmo os “erros” científicos, permitindo o encontro de cigarra e formiga em uma estação do ano em que a primeira já está morta e a segunda está reclusa em seu habitat. Essa atitude rendeu-lhe algumas críticas de naturalistas ou cientistas como Paulo de Rémusat, Fabre e certos pedagogos tradicionalistas. Já discutimos a questão do pseudocientificismo no capítulo

anterior e, segundo Pinheiro Chagas, esses críticos não compreendem o alcance artístico das fábulas de La Fontaine. Henri Clouard, por sua vez, convoca os leitores para que, assim como o poeta, ignorem os pormenores insignificantes: “Mas o que isso importava ao artista! Façamos como ele! Mandemos para o diabo essa ciência invocada tão fora de contexto!” (CLOUARD, 1969, p.143, tradução nossa).26 Também em consonância com o gosto erudito dos poetas da época, a linguagem das fábulas de La Fontaine era altamente polida e refinada, o que valeu do intolerante Ramalho Ortigão o seguinte elogio: “O que para mim constitui o principal encanto da leitura de La Fontaine é a saborosa originalidade da sua língua, tão profundamente estudada, tão sabiamente construída, tão colorida, tão vernácula, de uma tão penetrante e tão fina expressão campestre” (ORTIGÃO, [1971?], p.70).

Unindo biografia e obra e usando um lugar-comum, podemos concluir que o lema principal de La Fontaine era unir o útil ao agradável, variando sempre. Herdeiro da profissão do pai, portador de diploma de advogado e pai de família, ele abandona a tudo e a todos para ser artista e viver a perigosa aventura da corte. Sustentado por poderosos, somente a arte o prende, transformando-se em seu compromisso fixo e sério. Mas é por meio dela e, mais propriamente da fábula, que consegue extravasar, ainda que comedidamente, todo o seu inconformismo diante das injustiças e desigualdades sociais.

Depois deste olhar panorâmico em torno do estilo de reescritura do fabulista La Fontaine, faremos agora nos próximos tópicos uma rápida análise de duas fábulas selecionadas, que poderá funcionar como uma amostragem prática de alguns aspectos aqui apontados. Selecionamos as fábulas “La Cigale et la Fourmi” e “Le Loup et l’Agneau” pelo fato de estarem entre o grupo das mais célebres e conhecidas fábulas de La Fontaine. Outrossim, o objetivo principal do nosso trabalho é estudar o processo estético de Monteiro Lobato na renovação das fábulas. Dessa forma, essas mesmas fábulas serão, então,

detalhadamente analisadas em Monteiro Lobato pois, justamente elas, permitem-nos demonstrar, com mais facilidade, o quanto este último autor pode ser conservador e, ao mesmo tempo, contestador revolucionário. Ele toma as fábulas do fabulista francês, mas seu modo de produção é absolutamente novo. Embora existam grandes possibilidades de que as fábulas de La Fontaine agradassem às crianças de seu tempo, elas são integradas à literatura infantil somente depois de sua morte, como já discutimos no capítulo anterior. As de Lobato, por sua vez, já nascem com essa distinção.

Seguem, agora, as análises das referidas fábulas de La Fontaine.

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