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1. Interpretações

1.1. Características gerais do curso

Na entrevista realizada com o professor Sérgio Massaro, algumas

características referentes ao curso de Química da FFCL foram ressaltadas e

contradizem certas informações presentes na literatura acessada neste estudo

(GIESBRECHT,1994; RHEINBOLDT, 1934-35 e 1951; SENISE, 1994). Um

desses aspectos se refere à estrutura do curso ser centrada em aulas teóricas,

e ser caracterizada por uma longa carga horária de atividades práticas.

Segundo Massaro, a extensa jornada experimental era fomentada na FFCL

pelo fato dos laboratórios estarem sempre abertos aos alunos, mesmo havendo

a necessidade de agendamento de uso para alguns equipamentos, pois não

havia equipamentos suficientes para a realização de trabalhos simultâneos por

todos os alunos.

O período de laboratório era a tarde, todas as tardes. (...) o laboratório estava sempre aberto para nós lá ficarmos a fazer os experimentos(...) (parágrafo 26, MASSARO)

Nós tínhamos turnos para usar equipamentos porque nós tínhamos uma infelicidade enorme: não havia equipamentos para uso simultâneo de todos os alunos, o mesmo tipo de instrumento (parágrafo 17, MASSARO).

Essas características acompanharam o curso desde os primeiros anos

até os anos 1980, e em certo momento se estenderam também aos pós-

graduandos, como nos relatou a professora Silvia Serrano:

Eram vários laboratórios enormes, um, dois, três laboratórios enormes totalmente abertos e utilizados por todos os estudantes de pós- graduação. Todos, qualquer pós-graduando que chegasse entrava no laboratório onde houvesse vaga (...) (parágrafo 14-15, SERRANO).

A disponibilidade dos professores assistentes também facilitava a

ocorrência das atividades nesses moldes. Os professores assistentes

desenvolviam um papel fundamental na formação dos graduandos, pois eram

esses profissionais que os orientavam diretamente, que corrigiam as condutas

inadequadas e que davam todo o apoio para a realização das aulas teóricas,

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práticas, discussões e colóquios. Os professores assistentes eram

responsáveis por boa parte das atividades formativas, acompanhando alunos e

professores de maneira próxima.

(...) a professora Lilia, nossa assistente de laboratório que ficava conosco nas aulas (...) (parágrafo 6, MASSARO).

(...) Mas os assistentes sempre falavam e interferiam nos comportamentos inadequados, e os veteranos também, ou seja, havia uma ordem nisso (parágrafo 7, MASSARO).

(...) Os professores possuíam uma autoridade muito grande, principalmente os que já eram titulares dotados de grande maturidade, somente eles podiam dar aulas teóricas, e todos os demais eram assistentes que davam aula de laboratório e davam apoio às aulas teóricas. Considerando que naquele tempo não existiam as máquinas de fotocópia, não havia nenhuma facilidade de cópia, então os assistentes do professor Senise passavam todas as tabelas no quadro meia hora antes do início da aula, deixavam tudo pronto para ele entrar e quando ele entrava na sala todas as tabelas estavam no quadro negro e os alunos crentes, como eu era, tinham que chegar mais cedo para copiar essas tabelas. (...) E durante o andamento das aulas os assistentes se mantinham presentes, sentados na última fila assistindo a aula e dando todo apoio necessário (parágrafo 7, TOMA).

Os colóquios, inicialmente idealizados por Rheinboldt, também

persistiram ao longo dos anos, mas já não possuíam as mesmas

características previstas inicialmente. Os colóquios se tornaram momentos

específicos de cada disciplina, orientados pelos seus respectivos professores

assistentes para discutir e sistematizar o que estava sendo estudado no

laboratório, e incluíam momentos de orientação e esclarecimento aos alunos.

Seu objetivo já não era a formação de uma comunidade científica por meio do

auxílio recíproco entre todos os interessados em participar, como proposto

anteriormente (RHEINBOLDT, 1934-35).

E tinham os chamados colóquios (...) específicos de cada turma, eram feitos com os assistentes. Saia um pouquinho do ambiente do laboratório para se discutir os fenômenos mais sistematicamente, mais especificamente. E muitas coisas despertadas nos colóquios, nas

48 conversas formais que se tinha fora do laboratório eram retomadas e explicitadas com procedimentos no laboratório (...) Ou o próprio assistente às vezes fazia e explicava: “Assim que faz...assim que não faz” (...) (parágrafo 29, MASSARO).

Sobre a rotina diária relatada em nossas entrevistas, notamos que, além

das aulas teóricas e dos longos períodos de trabalhos práticos, havia uma

importante integração entre alunos veteranos e ingressantes, sendo que os

veteranos não só chamavam a atenção, mas também orientavam os

ingressantes ao compartilhar seus conhecimentos, como expresso por

Massaro: “Viver o laboratório, conversar, aprender, saber procedimentos,

compartilhar interpretações contando com veteranos, assistentes no

laboratório, era uma coisa importante” (parágrafo 27).

Na Química, a função dos alunos, mesmo repetentes do primeiro ano e veteranos, era muito importante na nossa formação, dos ingressantes. Também havia o assistente que nos seguia no laboratório. Aquele sentar lado a lado na bancada o tempo todo, receber instruções ou broncas. Eu recebi muitas broncas de alguns veteranos, mas isso foi importante também para a nossa formação. Outra característica do ensino nesse começo foi que embora houvesse a hierarquia, que até era bem estabelecida. Haviam divisões de tarefas, se eu percebi isso depois até na pós-graduação, e desde o início havia uma participação do grupo todo, enfim, todos influenciando a todos (parágrafo 4, MASSARO).

Anos mais tarde, no início da década de 1980, apesar das mudanças

de espaço físico e de currículo, muitas das características gerais do curso se

mantiveram, como os laboratórios abertos para a pós-graduação, a pouca

quantidade de equipamentos e a integração entre os alunos do curso que

conviviam, se ajudavam e compartilhavam seus aprendizados, como descrito

pela professora Silvia Serrano (parágrafos 14-17). De modo geral, isso

perdurou até o ponto em que os laboratórios foram divididos entre os

professores, devido à mudança de filosofia dentro da instituição e que se

refletiu sobre o curso: se passou a valorizar o pesquisador independente, dono

de seu próprio laboratório (parágrafo 18, SERRANO).

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Ainda sobre a rotina de estudo dos alunos, nos foi indicado que a

busca por informações em livros, revistas científicas e obras de referência era

incentivada, e que o uso de guias informais era mal visto. Esses guias eram

anotações de aulas feitas, datilografadas e impressas (em geral, em

mimeógrafo) pelos próprios alunos.

E a biblioteca era sagrada. Consultar o livro era sagrado, e a literatura era incentivada, até a própria aquisição. Eu cheguei, apesar da dureza, a fazer aquisições de livros, do Vogel de Química Analítica, por exemplo, livros de Química Inorgânica. Famosos livros, alguns livros americanos, novidades frente a literatura europeia, coisas do tipo, mas eles nunca limitaram o acesso, nunca. Agora, os Guias, assim, informais, não eram bem vistos, em geral. E os cadernos dos colegas a gente acabava usando, porque eram notas de aula (parágrafo 28, MASSARO).

No que se refere aos objetivos do curso relatados pelo professor Massaro,

notamos um discurso muito semelhante ao exposto por Senise (1982, p. 138),

o que nos leva a crer que, no período de estudo abrangido pela presente

pesquisa, o “pensar quimicamente”

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proposto por Rheinboldt se manteve,

mesmo que expresso por palavras diferentes.

O que interessava e nunca deixou de ser preocupação do curso era esse fato de ter que deixar os alunos preparados para entenderem quaisquer técnicas novas que viessem a ser introduzidas, inclusive citações e coisas do tipo. Mas, aquela história de você manusear, compreender os fenômenos químicos, saber dominar aquilo como uma coisa corriqueira era uma outra história, uma história que é a seguinte: dominar para você não cometer barbeiragens fundamentais (...). Isso era sagrado. Era uma coisa que se devia dominar e era muito importante estar bem estabelecida. Acho que sempre se pensou que isso, acho que se o cara fosse ser pesquisador da área, ele já saberia o que estaria disponível, a metodologia de trabalho científico, e estaria treinado a fazer observações e tirar suas conclusões. Que ele estaria preparado para

4 No item 1.1. ("Heinrich Rheinboldt") desta dissertação, há uma análise comparativa

entre os discursos publicados por Rheinboldt e Senise em diferentes momentos, que apresentam semelhanças com a fala do professor Massaro.

50 enfrentar as novidades. Eu tenho impressão que a tônica do curso era essa (parágrafo 20, MASSARO).

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