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3.6 LÍNGUA POLONESA COMO LÍNGUA DE HERANÇA E LÍNGUA

3.6.2 As características da língua polônica

variedade mista, é uma “língua de herança não cultivada”119. No entanto, faz-se necessário frisar que as autoras se referem principalmente à língua da geração zero e da primeira geração polônica. No caso dos descendentes dos imigrantes poloneses no Brasil, o mero fato da existência ainda hoje da língua polônica, trazida há um século e meio do outro lado do oceano, é uma prova de cultivo e de apego à língua dos ancestrais. Por isso, no nosso trabalho não consideraremos a língua polônica a “não cultivada” ou a “estragada” variedade da língua polonesa, como, segundo Miodunka (2003), ela é vista em alguns círculos sociais e linguísticos na Polônia. Em vez disso, adotaremos a visão de Dubisz (1997b), conforme a qual:

Para os membros das comunidades polonocêntricas, seu código étnico (independente da sua forma linguística) é um elemento gerador de cultura que permite a participação em cultura nacional e, ao mesmo tempo, é um resultado de um atrito entre dois sistemas culturais concorrentes [...]. Porém, independentemente dessas condições, para os membros daquelas comunidades, seu código étnico é um sinônimo da língua polonesa e, por isso, nesse contexto, pode ser visto na função de língua e, consequentemente, na função de um sistema linguístico (DUBISZ, 1997b, p. 21-22, grifo do autor).120

3.6.2 As características da língua polônica

A língua polônica é, obviamente, muito heterogênea, e, segundo Dubisz (1997b), quando comparada com a língua polonesa na Polônia, é submetida à maior diversidade de fatores extralinguísticos que nela exercem influência. Trata-se de uma língua de caráter diaspórico, falada nas comunidades linguísticas dispersas geograficamente e fundadas em épocas diferentes. Quanto à diversidade cronológica da língua polonesa no exterior, Szydłowska-Ceglowa (1990) constata que a língua das ondas mais antigas da emigração polonesa é, em grande medida, arcaica e difere consideravelmente da língua dos que deixaram a Polônia no período entreguerras (1918-1939) e após a Segunda Guerra.

Essa autora enfatiza também a diferenciação geográfica dos emigrantes poloneses oriundos de diferentes regiões da Polônia – questão já sinalizada no ponto 2.4. Lembremos que os imigrantes vindos ao Brasil na época da fundação da Colônia Dom Pedro II, nos anos 70 do

119 No original: “niepielęgnowany język odziedziczony”.

120 No original: “Wobec członków polonocentrycznych zbiorowości ich kod etniczny (bez względu na kształt językowy) odgrywa rolę kulturotwórczą, umożliwia uczestniczenie w kulturze narodowej, a zarazem jest wynikiem ścierania się dwu konkurencyjnych systemów kulturowych […]. Niezależnie jednak od tych uwarunkowań, dla członków tych zbiorowości, ich kod etniczny jest synonimem polszczyzny i dlatego w tym kontekście można go ujmować w funkcji języka, i – co z tym związane – w funkcji systemu językowego.”

século XIX, trouxeram consigo a língua e a cultura polonesas, cultivadas por eles durante quase 100 anos sem nenhum apoio institucional do inexistente Estado polonês. Por isso, entre os fatores que influenciaram a língua dos representantes da “velha emigração”, é mister mencionar as diferenças regionais, a influência das línguas dos ocupantes (alemão ou russo), a baixa qualidade de educação nos terrenos de origem e o baixo nível de consciência nacional dos imigrantes. Em consequência desses fatores, na língua usada hoje em dia pelos descendentes dos imigrantes poloneses nos arredores de Curitiba se observa, além das influências de PB, vários arcaísmos, regionalismos e as influências de língua alemã. É importante destacarmos também que, em resultado das políticas dos impérios ocupantes, de germanização e de russificação, uma grande parte dos imigrantes, ao chegar ao Brasil, já era bilíngue e iniciava o processo de se tornar trilíngue.

A presença de germanismos na fala trazida pelos imigrantes no final do século XIX dificulta a definição da origem das influências da língua alemã observadas no dialeto polono-brasileiro, podendo elas ter sido resultado de contato linguístico ainda na Europa ou já no Brasil. Por exemplo, Stańczewski (1925) lista as palavras polono-brasileiras tais como szyf (do alemão

Schiff – navio) e glaska (Glas – copo) no grupo dos germanismos oriundos da Europa, enquanto

as palavras tyger (Tiger – tigre) e tyfa (Tiefe – vale) são interpretadas como resultado de contato com os imigrantes alemães no Brasil. Infelizmente, o autor não menciona a metodologia aplicada na criação da sua classificação.

Segundo Dubisz (1997b), as comunidades polônicas no mundo são também heterogêneas internamente no que diz respeito ao status social, profissional e intelectual de seus membros. Essa posição social é refletida na variedade de língua polonesa trazida e mantida pelos indivíduos. Como mencionamos acima, os camponeses vindos ao Brasil no final do século XIX eram falantes de variedades regionais não padrão, que certamente diferiam de variedades do pequeno, mas existente, grupo de intelectuais poloneses que chegaram às margens desse país no mesmo período.121

Essa heterogeneidade concerne também à diferença entre as gerações de imigrantes e de seus descendentes. Essas primeiras são chamadas na literatura polonesa de gerações

emigratórias e as segundas, de gerações polônicas. Essa diferenciação serve, conforme Dubisz

(1997b), para distinguir as duas variantes da língua – a emigratória e a polônica. Em resultado de sua pesquisa de línguas eslavas na América do Norte, Grabowski (1988 apud SĘKOWSKA,

121 Entre os primeiros intelectuais e ativistas polônicos no Brasil estavam, por exemplo, Sebastião Woś Saporski chamado de “o pai da imigração polonesa no Brasil”, Herônimo Durski – “o pai das escolas polonesas no Brasil” e Jan Hempel – jornalista e escritor.

2010) constatou a existência de grandes diferenças no nível fonético, fonológico e sintático entre as variedades da geração dos emigrantes e da dos seus filhos, já nascidos na América. Conforme a autora, a variedade da primeira geração nascida fora do território eslavo, se mantida, se estabiliza e pode continuar sem grandes mudanças por várias gerações.

Em resumo, considerando o contexto histórico e social da comunidade Dom Pedro II, dos seus fundadores e seus descendentes, espera-se que a língua polônica falada hoje em dia na Colônia contenha:

– arcaísmos – por se tratar da “velha emigração”;

– germanismos – pela origem dos imigrantes dos territórios sob ocupação austríaca; – regionalismos – pela origem camponesa dos fundadores da Colônia;

4 METODOLOGIA