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O chamado novo Clientelismo ressurge como um fenômeno social a ser inserido no estudo das ciências políticas e sociais a partir das décadas de 1960 e 1970 (HILGERS, 2011, HOPKIN, 2006), contrariando o entendimento anterior de que o mesmo não aconteceria em sociedades consideradas “mais desenvolvidas”. A seguir, apresentaremos as principais características deste novo Clientelismo - incluindo sua existência no contexto brasileiro - e, na

sequência, o conceito moderno do fenômeno que permeia grande parte das relações político-sociais da atualidade.

O conceito de Clientelismo tem sido estendido e utilizado para informar diversos fenômenos sociais dentro do estudo de ciências políticas e sociais. Entretanto, de acordo com Graziano (1983), tornar o conceito muito difuso implica em confundirmos ações distintas entre si, acarretando uma disfunção terminológica que pode trazer malefícios ao estudo científico sobre o tema. Para chegarmos a um conceito que seja adequado, necessitamos inicialmente investigar, ainda que superficialmente, as características básicas que formam o Clientelismo.

Há autores que afirmam que uma das características do Clientelismo é o

voluntarismo, ou seja, em ser uma tomada de decisão voluntária do indivíduo

(HILGERS, 2009). Em síntese, as pessoas não poderiam ser forçadas a participar desse fenômeno social, pois ele não é regulado e, portanto, não poderia ser compelido às pessoas. Ousamos aqui discordar desse entendimento. Enquanto objetivamente ninguém pode ser impelido a se engajar em uma relação clientelista, não podemos deixar de lado o fato de que o Clientelismo apenas se instala quando há inequidade nas relações de poder. A existência de uma diferença social, econômica e/ou política entre “patrão” e “cliente” é o que faz com que essa relação venha a acontecer, pois o sujeito dominado compreende que somente terá suas demandas atendidas se estiver submetido ou sob as asas de determinada pessoa. Temos, na verdade, é uma relação abusiva, de exploração dos sujeitos, impedindo a vigência de uma vontade genuína. E tal como se dá em outras formas de relações abusivas, muitas vezes nem mesmo a vítima tem consciência de que está sendo dominada. Assim sendo, o fator voluntarismo deve ser descartado do conceito de Clientelismo: se a única saída verificada pela pessoa é a de se submeter – ainda que inconscientemente - à uma relação de poder desigual não há que se falar de vontade do indivíduo (RONIGER, 1990). Este entendimento também encontra fundamento nas entrevistas realizadas para a presente pesquisa. Oito entrevistados fizeram referências explícitas ao fato de que os conselheiros do OPPA entendem – e entendiam em gestões passadas – que suas demandas

terão mais chances de serem atendidas se estiverem ao lado do governo da ocasião e/ou sob a proteção de algum vereador.

Portanto, além de concluirmos que voluntarismo não é uma característica do Clientelismo, pelos mesmos motivos acima exarados podemos afirmar que

inequidade faz parte desse conjunto de adjetivos que auxiliam na identificação e

conceituação do fenômeno ora em estudo. O Clientelismo está baseado em uma relação contínua entre pessoas de diferentes níveis sociais (HILGERS, 2011), ou seja, essa relação justamente se deve ao fato de uma das partes estar em uma posição socialmente considerada mais vantajosa que as demais. Por estar nessa posição, ela tem a possibilidade de fornecer benefícios e/ou vantagens à outra parte, que se compromete em dar seu apoio e conseguir novos apoiadores. A inequidade reside justamente no desequilíbrio social entre as partes envolvidas (GRAZIANO, 1983). Quando as partes se identificam como iguais, ou seja, são membros do mesmo grupo social, ainda que momentaneamente, a troca de favores pode acontecer, mas o que temos não é Clientelismo, mas sim um movimento de parceiros, não havendo hierarquia entre as partes.

Além da inequidade, o Clientelismo também possui como propriedades a

longevidade, seu caráter difuso e o contato direto entre as partes. A principal

característica para identificação do fenômeno do Clientelismo está no terceiro elemento: o relacionamento direto entre as partes. Diferentemente do suborno ou da compra de votos, o Clientelismo não é apenas um ato específico, mas sim estamos tratando de um relacionamento social, algo que leva tempo para ser construído, trata-se de haver certo grau de confiança entre as partes. Para tanto, há o contato vis a vis entre os envolvidos, muitas vezes incluindo momentos privados, e.g. presença em aniversários, funerais e outras ocasiões de cunho familiar. Essa relação beira à amizade, porém há ainda a diferença hierárquica e social, fatores que impossibilitam a existência de um relacionamento sincero de afeto.

O Clientelismo se mantém como algo que perdura por tempo razoável, que traz vantagens muitas vezes intangíveis, dificultando a visualização concreta da troca de favores entre as partes. Novamente, destacamos que todos os entrevistados confirmaram a existência de relações de interesse entre agentes políticos – executivo e legislativo municipais – e conselheiros, mas que é difícil

comprovar objetivamente os frutos advindos desses apoios prestados. Aqui chegamos no caráter difuso do Clientelismo: a dificuldade de quantificar sua existência e seu espectro de alcance, assim como os danos causados. Longevidade, como já mencionado, é outra característica formadora desta prática que, longe de ser considerada ilegal, pode ser classificada como imoral ou ilegítima. Diretamente conectado ao fator denominado contato direto entre as partes, a longevidade vem a comprovar um relacionamento que vai além de um mero favorecimento pontual. Ao estudarmos relações de Clientelismo, é possível depreender que a troca de favores entre os envolvidos nem sempre é imediata, mas o relacionamento de confiança fora estabelecido há algum tempo. Portanto, o Clientelismo não é uma estratégia específica a ser utilizada pelos envolvidos, mas sim se baseia em um relacionamento duradouro entre as partes envolvidas.