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CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO LOCAL As famílias agricultoras da localidade Três Riachos chegaram na

região há mais de um século. São descendentes de portugueses e alemães. Todos apresentam o mesmo histórico familiar: são filhos e netos de agricultores que nasceram na região, compondo assim a terceira geração de habitantes da localidade. Foram entrevistados uma média de 8 informantes por comunidade participantes do estudo, sendo a comunidade Fazenda de Dentro e a São Mateus apresentando 9 informantes cada. A partir do total de 24 unidades amostrais (UA) encontradas com perfil desejado do informante-chave foram entrevistadas em média 1,6 pessoas por UA, totalizando 39 pessoas, das quais 26 eram homens e 13 eram mulheres, apresentando uma média de idade de 60 e 61 anos, respectivamente (amplitude = 36 a 102 anos para os homens; 37 a 80 anos para as mulheres). Há maior concentração de informantes homens nas faixas etárias entre 60-69 anos e 40-49 anos, já para as mulheres a maior concentração está na faixa etária entre 70 e 79 anos (Figura 5).

Nas microbacias estudadas existem dois tipos distintos de ambientes: ambiente de várzea e de encostas. A população local firmou suas propriedades e desenvolveu suas atividades dentro desses ambientes, de acordo com as características ambientais peculiares. No ambiente de várzea a principal atividade é voltada para a horticultura, rizicultura e pastagem devido ao seu relevo plano e facilidade de inundação decorrente da proximidade dos cursos de água. No ambiente de encostas, onde o maquinário não é facilmente utilizado ou não pode ser utilizado, os agricultores desenvolveram ou adaptaram técnicas indígenas de manejo para a produção de lenha, aipim, milho, etc., tendo o uso da floresta como principal elemento para o manejo do solo.

42 1 7 3 9 3 2 1 1 3 3 4 2 0 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80-89 >89 F re q u ên c ia a b so lu ta

Faixa etária (anos)

Mulheres Homens

Figura 5. Distribuição etária da população estudada, por gênero, em três comunidades rurais da localidade Três Riachos, Biguaçu-SC. (n=39).

A dificuldade de manter o sistema produtivo sem o uso de maquinários é a principal particularidade para os proprietários das áreas declivosas. Aqueles que possuem terras em ambos ambientes preferem manter suas atividades na área de várzea:

“Para a gente que trabalha na área de várzea, o difícil é o tempo chuvoso porque perde muito da lavoura, apodrece demais, mas apesar disso não voltaria ao passado para produzir no morro” (FAZ02).

As atividades de manejo praticadas pela população local nas encostas declivosas das microbacias se fundamentam na supressão florestal para obtenção de lenha e uso do solo, fruto do pousio, fertilizado também pelas cinzas da queima da biomassa. Esse sistema de produção tornou-se ilegal, quando analisado segundo os critérios de classificação da vegetação ditados pela Resolução CONAMA 04/2004 (CONAMA, 2012), tendo em vista que a floresta é derrubada quando se encontra em estágio avançado de regeneração de acordo com os informantes locais. Esse fato dificulta ou impede a continuidade do

43 sistema de derruba e queima predominante, o que vem ocasionando diversos conflitos, que serão discutidos mais a diante.

Os recursos florestais são elementos-chave do modo de vida da população local. Suas atividades agrícolas estão diretamente relacionadas ao componente florestal, que provê ao sistema utilizado tanto a fertilidade necessária para cultivos anuais/bianuais/semiperenes, quanto para obtenção de produtos madeireiros, como madeira para usos domésticos e lenha para abastecer os fornos de carvão ou engenhos de farinha. Metade das famílias das três comunidades se dedica hoje à atividade carvoeira como principal fonte de renda do processo produtivo (Tabela 3). A frequência da atividade carvoeira é inferior apenas à frequência das famílias que tem renda proveniente da aposentadoria. Contudo, a produção vegetal de mandioca e banana são atividades rentáveis importantes praticadas por uma pequena parte das famílias. Nota-se também que a produção de hortaliças é praticada primordialmente por famílias da comunidade Canudos, onde o acesso às áreas de várzea é bastante facilitado, devido à estrada estar localizada nesta parte da paisagem, ficando as encostas localizadas no interior das propriedades. Apesar desta realidade também ocorrer em parte na comunidade São Mateus, nesta comunidade as famílias cultivam na área de várzea o arroz e criam gado para corte. Outras fontes de renda são também obtidas pelas famílias contando com serviços de diaristas no meio rural e produção de artesanato.

A produção de carvão vegetal também foi encontrada como a principal atividade de ocupação e fonte de renda das famílias da localidade pelo estudo realizado por Bauer (2012), que aponta igualmente que a aposentadoria e a produção vegetal são as principais atividades de ocupação das famílias do local. Já Siminski &Fantini (2004), em estudo no município de São Pedro de Alcântara, não encontrou práticas voltadas à produção carvoeira, mas sim maior incidência da produção de mandioca, onde a aposentadoria e os serviços no comércio apresentaram também grande expressão. Ambos os autores encontraram a prática da agricultura itinerante como principal sistema cultural de uso da terra, mas em fase de declínio. Nota-se na Tabela 3 que nas três comunidades analisadas o sistema itinerante também se encontra em declínio sendo que apenas 37% das famílias ainda o praticam. Percebe-se, ainda, um maior abandono desse sistema de uso da terra na comunidade São Mateus.

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Tabela 3. Indicadores socioeconômicos dos agricultores silvicultores participantes do estudo em Três Riachos em Biguaçu-SC.

PARÂMETRO / classe COMUNIDADE TOTAL % Canudos Fazenda de Dentro São Matheus N° unidades amostrais 6 9 9 24 - N° informantes 11 14 13 39 - Gênero dos informantes Masculino 7 10 9 26 67 Feminino 4 4 5 13 30 Atividade principal atual na Unidade amostral (fonte de renda) Aposentadoria 3 5 6 14 36 Carvão 5 3 4 12 31 Aipim/Farinha 1 1 2 4 10 Banana 1 2 2 5 13 Eucalipto 0 2 0 2 05 Olericultura 3 1 0 4 10 Outras 0 5 3 8 21 Manejo itinerante No passado 6 9 9 24 100 No presente 3 5 1 9 37,5

Algumas famílias comercializam produtos in natura como aipim, banana e hortaliças, principalmente destinados ao CEASA (Central de Abastecimento Sociedade Anônima) da Grande Florianópolis. Outras atividades como a produção de farinha e de açúcar também sofreram drástica redução devido a mudanças na conjuntura sociopolítica da região e do país, o que será discutido amplamente mais adiante. Outras atividades econômicas praticadas na localidade, com ao menos um informante envolvido, estão a produção de arroz irrigado (n=1), criação de frangos de corte (n=1), produção de cachaça (n=1), produção de leite (n=1), serviços diários e mensais (n=3) e comercialização de lenha (n=1).

45 Como estratégia característica da agricultura familiar, as famílias de agricultores silvicultores locais manejam e lidam diretamente com os recursos naturais, desenvolvendo assim uma compreensão sobre sua dinâmica, estrutura e funcionamento. Essa compreensão proporciona um sistema de conhecimento único e intrinsecamente local que fundamenta as estratégias de sobrevivência e adaptação ao meio tanto das pessoas quanto dos cultivos. Torna-se preocupante o fato da migração para a cidade bem como a migração para outras atividades rurais que desvalorizem os recursos florestais.

O sistema de roça itinerante praticado na localidade de Três Riachos é parte integrante do sistema cultural das famílias locais há muito anos. Com raízes indígenas (FLOWERS et al., 1982; CRIVOS et al, 2007;SCATAMACCHIA, 2006) este sistema vem sendo adaptado pelas famílias locais de acordo com suas necessidades, conjuntura social e econômica, bem como de acordo com as mudanças sociopolíticas ocorridas no contexto regional, estadual e federal. Aspectos deste sistema no município têm sido estudadas por alguns autores, como por exemplo, o sistema voltado à condução de bracatingais (EMBRAPA, 1988), a construção do conhecimento associado à produção de carvão vegetal (FANTINI et al., 2010), as mudanças no uso da terra ao longo do tempo (BAUER, 2012), bem como novas formas de pesquisa e de desenvolvimento para abranger situações complexas (ULLER-GOMES et al., 2013). Este estudos têm feito emergir a importância do sistema local, suas peculiaridades e adaptabilidade ao longo do tempo, sendo fundamental para a manutenção das famílias no campo.

4.2. O SISTEMA DE ROÇA ITINERANTE E O